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Mônaco 2001: o dia que Ron Dennis ficou furioso com Enrique Bernoldi por 'segurar' Coulthard

No GP de Mônaco de 2001, Bernoldi, segurou Coulthard e a McLaren por 30 voltas, para o descontentamento de Ron Dennis

Enrique Bernoldi, Arrows A22 Asiatech leads David Coulthard, Mclaren MP4-16

Foto de: Russell Batchelor / Motorsport Images

O brasileiro Enrique Bernoldi pode ser mais conhecido atualmente como o cara que o chefão da Red Bull, Dietrich Mateschitz, favoreceu quando Peter Sauber tentou apostar em Kimi Raikkonen na Fórmula 1.

Mateschitz posteriormente comprou uma vaga para o piloto na Arrows, e o brasileiro fez sua estreia na Fórmula 1 na Austrália em 2001, no mesmo dia que Raikkonen, Fernando Alonso e Juan Pablo Montoya. Uma grande turma...

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Bernoldi também é relembrado pelo que aconteceu mais tarde naquele ano, em Mônaco, quando ele estava a frente do pole Coulthard, que fazia uma corrida de recuperação.

Coulthard passou mais de 30 voltas tentando ultrapassá-lo e só conseguiu a posição quando Bernoldi finalmente parou. Isso deixou o chefe da McLaren, Ron Dennis, tão frustrado, que ele fez questão de dizer ao brasileiro após a corrida qual seria o seu futuro.

Para terminar em primeiro, antes é necessário largar

Inevitavelmente, a temporada de 2001 teve como foco a batalha entre Michael Schumacher e a Ferrari contra a McLaren, mas com uma mudança. O bicampeão Mika Hakkinen teve um início ruim de ano, e foi seu companheiro de equipe que teve boas performances com o carro da equipe britânica, vencendo no Brasil e na Áustria.

Na última, Schumacher "ganhou", de modo controverso, o segundo lugar e os preciosos pontos extras quando Rubens Barrichello deixou ele passar na última volta. Naquele momento, o alemão liderava - 42 a 38 - e tudo estava em jogo.

Schumacher teve que se contentar com o segundo lugar e Coulthard ficou com a pole, que merece todos os créditos pela conquista sob enorme pressão.

As corridas anteriores indicavam que a McLaren largaria com mais combustível que a Ferrari. Se Coulthard conseguisse se manter na frente na largada, ele precisaria apenas seguir em frente, e esperar que tivesse uma volta limpa antes de sua parada, para garantir um retorno à frente de Schumacher.

A prática faz a perfeição

David Coulthard

David Coulthard

Photo by: DaimlerChrysler

A largada foi complicada pela presença do controle de largada, que havia sido legalizado há pouco tempo - dando a todos uma enorme dor de cabeça para tentar aperfeiçoar.

A McLaren não teve problemas óbvios durante essas sessões mas, pela quarta vez em 2001, a equipe teve um problema que lhe custou caro quando importava. Hakkinen já tinha apresentado problemas na largada no Brasil e na Áustria e, em ambas as ocasiões, ele que cometeu o erro. No primeiro, com o pedal, e na segunda, um problema na operação do complexo sistema de controle de tração.

Na Espanha, Coulthard teve um problema no início da volta de apresentação - e, em Mônaco, aconteceu novamente. O pole position ficou parado enquanto o resto dos pilotos seguiram adiante e fizeram seu caminho pelo grid.

Em ambas as vezes ele foi uma vítima inocente do software não reagindo como deveria, devido a uma circunstância muito particular.

Na Espanha, o diretor técnico da McLaren, Adrian Newey, descreveu o problema assim: "É uma situação que não ensaiamos direito. Algo aconteceu que não havíamos previsto, e isso causou o problema".

"David fez algo ligeiramente diferente, mas eu acredito que o sistema deveria ter entendido isso, então não devemos culpá-lo".

O problema em Mônaco foi similar, mas não idêntico.

"David não teve culpa", explicou Dennis após a corrida. "O sistema é complexo. Um conjunto de parâmetros se manifestaram na largada, e como o sistema não conseguiu acomodar esses parâmetros, ele desligou o motor".

"Isso é comum com computadores, quando ele se depara com condições inesperadas. Ele desliga porque é à prova de falhas. E foi isso que aconteceu".

A pole cai no colo de Schumacher

The start

The start

Photo by: Ferrari Media Center

Com Coulthard fora do caminho, Schumacher era o pole de fato, mesmo largando do segundo lugar. O sistema de controle da Ferrari funcionou perfeitamente nesse momento, então ele conseguiu sair a frente de Hakkinen, o terceiro.

Schumacher fez algumas voltas de pé embaixo e depois desacelerou - para economizar o crucial combustível - quando ele percebeu que não estava disparando na frente de Hakkinen. A distância para o finlandês chegou a 2s6 na volta 05 e caiu para apenas 1s na volta 12.

Na mesma volta que ele reduziu a diferença para um segundo, Hakkinen desacelerou dramaticamente, e foi para os pits. Após uma volta exploratória, ele voltou a acelerar. Haviam rumores de um problema misterioso na direção mas, posteriormente, a verdade surgiu: naquele final de semana, o bicampeão enfrentou pela primeira vez as dúvidas que levaram ele a abandonar o esporte.

Então, a esperança da McLaren ficou com Coulthard. Ultrapassar pode ser difícil em Mônaco, mas, largando dos pits, o pole deveria ser capaz de passar os carros mais lentos com certa facilidade. Porém, quase imediatamente, ele se encontrou na traseira da Arrows de Bernoldi, que largou em 20º entre 22 pilotos.

O avanço de Coulthard antes de encontrar com Bernoldi

Enrique Bernoldi, Arrows A22 Asiatech leads David Coulthard, Mclaren MP4-16

Enrique Bernoldi, Arrows A22 Asiatech leads David Coulthard, Mclaren MP4-16

Photo by: Motorsport Images

Coulthard tinha Bernoldi em sua vista. Nesse momento, ele já estava 34s1 atrás do líder Schumacher, e 13s1 atrás da BAR de Jacques Villeneuve, o homem que eventualmente terminaria a sua frente, em quarto.

Por um tempo Bernoldi estava próximo de seu companheiro de equipe Verstappen, mas ele teve um problema que forçou o brasileiro a uma tocada mais suave para conservar combustível, e, com isso, ele perdeu um pouco de velocidade. E mesmo assim Coulthard não conseguiu ultrapassar.

Quando Bernoldi finalmente parou, na volta 43, ele e Coulthard haviam tomado volta de todos até Villeneuve, que naquele momento estava em quinto. Com Bernoldi fora do caminho, os tempos de volta de Coulthard melhoraram cerca de 3s, e logo ele conseguiu tomar a volta de Villeneuve de volta.

A melhora de Coulthard após passar Bernoldi

David Coulthard

David Coulthard

Photo by: DaimlerChrysler

Na volta 42, quando Bernoldi foi para os boxes, Coulthard era o 12º. Na volta 57, o abandono de Ralf Schumacher levou o escocês ao 6º lugar e ele conseguiu a quinta posição, de onde não saiu mais, com a parada de Alesi, com pneu furado.

Eventualmente, Bernoldi cruzou a linha de chegada em nono. E foi imediatamente após a corrida que um Ron Dennis frustrado, e acompanhado pelo chefe da Mercedes, Norbert Haug, o abordou.

Há um acordo silencioso entre chefes de equipe que não é de bom tom falar diretamente com pilotos das rivais sob tais circunstâncias - quem tem que chegar ao piloto é o próprio colega de grid. Essa situação foi como um pai irritado em uma prova de kart falando com uma criança de nove anos de idade que ousou tirar seu amado filho da pista.

"Eles não teriam feito isso com Michael, ou Jacques, ou alguém com culhões", me disse um piloto com um sorriso no rosto. O que ele teria feito se fosse abordado por Dennis e Haug, eu perguntei. "Mandaria eles à merda!".

A reação de Ron era até que compreensível. A McLaren havia passado por um dia ruim, com um problema técnico atrapalhando Coulthard na largada, em um carro que era bom. Ambos tinham boas chances de bater Schumacher, não apenas pelo melhor rendimento de combustível que o MP4-16 tinha. E, mesmo assim, a chance foi por ladeira abaixo.

Seu ponto de vista era que Bernoldi deveria ter a aberto passagem para Coulthard, simplesmente porque o escocês estava na disputa pelo campeonato.

Dennis chegou ao ápice após Bernoldi dizer que ele estava seguindo ordens. Ron instantaneamente começou a sentir que havia uma conspiração que tirou a vitória de sua equipe quando, na verdade, Bernoldi estava simplesmente apontando que a McLaren estava na mesma volta que ele, e não tinha obrigação nenhuma de deixá-lo passar.

Ron Dennis

Ron Dennis

Photo by: Brousseau Photo

"É verdade que eu falei com Bernoldi depois", admitiu Dennis. "Era um piloto que estava em 15º no campeonato, na frente de outro que estava em segundo, disputando o mundial. Ficar na frente era algo aceitável por um período de tempo".

"Mas eu acredito que o tempo que ele ficou na frente era inaceitável, e eu disse a ele que seu comportamento era antidesportivo, e não refletia a atitude que um piloto jovem, em desenvolvimento, deveria estar apresentando em sua carreira".

"Sua resposta foi que ele havia sido instruído pela equipe a fazer isso. Tudo que estou dizendo é o que ele disse. Se a equipe estava tão desesperada por tempo de televisão que precisou recorrer a esse tipo de estratégia, aí você começa a questionar o comportamento de toda a equipe".

"Eu não tenho problemas com a Arrows ou os pilotos, mas no final, somos todos muito competitivos. E queremos abordar isso como um esporte, e, durante uma corrida, os envolvidos precisam ter um comportamento esportivo...".

Quando ele ficou sabendo sobre a conversa, o chefe da Arrows, Tom Walkinshaw, ficou furioso. Ele entendeu que Dennis e Haug haviam falado a seu piloto que eles poderiam "acabar com sua carreira", apesar de outras versões da história afirmarem que o que foi dito foi "você não vai durar muito na F1 se andar assim novamente", o que parece um pouco menos pesado.

Dennis conseguiu pelo menos desviar a atenção do problema no grid e do abandono misterioso de Hakkinen, apesar de Walkinshaw não ter sido enganado.

"Ele deveria descontar essa raiva nele mesmo", disse. "Ao invés de descontar nos outros..."

Enrique Bernoldi

Enrique Bernoldi

Photo by: Brousseau Photo

A maioria dos pilotos concordou com Bernoldi - ele estava lutando por uma posição. Também vale notar que, na Áustria, Dennis ficou furioso quando outro piloto (Barrichello) abriu caminho para outro carro (Schumacher). Em Mônaco, ele ficou bravo porque alguém não abriu caminho!

Naquele momento, o que ouvíamos é que, na disputa do título, não havia claramente um piloto número um na McLaren, e então não haveriam ordens de equipe em Woking. Então como que uma Arrows deveria ajudar uma McLaren abrindo espaço, e mesmo assim Hakkinen não recebeu nenhuma ordem para ajudar o companheiro?

A ironia é que, independente da matemática, Coulthard não conseguiria uma posição melhor que o quinto lugar, mesmo se não ficasse atrás de Bernoldi. E ele teria sido apenas o sexto se não fosse pela parada extra de Jean Alesi.

Vamos super que, logo na primeira volta que Bernoldi viu a McLaren atrás, ele decidisse deixar ele passar. Então considere que os caras que Coulthard teria que passar na pista apenas para chegar próximo de Villeneuve, o cara que terminou em quarto.

Você realmente consegue imaginar que nomes como Jos Verstappen, Jenson Button, Heinz-Harald Frentzen, Alesi e Giancarlo Fisichella simplesmente fariam o que Dennis queria, abrindo passagem?

O único ponto positivo é que Coulthard não entrou em desespero e não teve danos no bico (como aconteceu na Espanha) e cruzou a linha de chegada com esses dois pontos cruciais.

Mesmo assim, naquele dia, a McLaren deu a vitória a Schumacher de bandeja - e, depois disso, ele abriu uma vantagem confortável para conquistar seu quinto título.

GALERIA: Relembre todos os pilotos brasileiros que passaram pela Fórmula 1

Chico Landi - de 1951 a 1956 - 6 corridas
Gino Bianco - 1952 - 4 corridas
Hermano da Silva Ramos - 1956 e 1957 - 7 corridas
Fritz d'Orey (#40) - 1959 - 3 corridas
Emerson Fittipaldi - de 1970 a 1980 - 144 corridas, 2 títulos (1972-1974) e 14 vitórias
Wilson Fittipaldi - de 1972 a 1975 - 35 corridas
José Carlos Pace - de 1972 a 1977 - 72 corridas - 1 vitória
Luiz Pereira Bueno - 1973 - 1 corrida
Ingo Hoffmann - 1976 e 1977 - 3 corridas
Alex Dias Ribeiro - de 1976 a 1979 - 10 corridas
Nelson Piquet - de 1978 a 1991 - 204 corridas, 3 títulos (1981, 1983 e 1987), 23 vitórias
Chico Serra - de 1981 a 1983 - 18 corridas
Raul Boesel - de 1982 a 1983 - 23 corridas
Roberto Moreno - de 1982 a 1995 - 42  corridas
Ayrton Senna - de 1984 a 1994 - 3 títulos (1988, 1990 e 1991) 161 corridas, 41 vitórias
Mauricio Gugelmin - de 1988 a 1992 - 74 corridas
Christian Fittipaldi - de 1992 a 1994 - 40 corridas
Rubens Barrichello - de 1993 a 2011 - 324 corridas - 11 vitórias
Pedro Paulo Diniz - de 1995 a 2000 - 98 corridas
Ricardo Rosset - de 1996 a 1998 - 26 corridas
Tarso Marques - de 1996 a 2001 - 24 corridas
Ricardo Zonta - de 1999 a 2005 - 36 corridas
Luciano Burti - 2000 e 2001 - 15 corridas
Enrique Bernoldi - de 2001 a 2003 - 28 corridas
Felipe Massa - de 2002 a 2017 - 269 vitórias - 11 vitórias
Cristiano da Matta - 2003 e 2004 - 28 corridas
Antonio Pizzonia - de 2003 a 2005 - 20 corridas
Nelsinho Piquet - 2008 e 2009 - 28 corridas
Bruno Senna - de 2010 a 2012 - 46 corridas
Lucas di Grassi - 2010 - 18 corridas
Felipe Nasr - 2015 e 2016 - 39 corridas
31

VÍDEO: Live com Reginaldo Leme: histórias com Fittipaldi, Piquet, Senna e ex-Beatle

PODCAST: Alain Prost: 'apenas' o vilão dos brasileiros ou gênio incompreendido?

 

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