Entrevista

Ricardo Rosset relembra Fórmula 1: fui jogado aos leões

Lutando pelo tricampeonato da Porsche GT3 Cup, ex-piloto da maior categoria do mundo fala sobre a carreira de antes, durante e depois da F1, em entrevista exclusiva ao Motorsport.com

Ricardo Rosset

Ricardo Rosset

Luca Bassani

Ele começou relativamente tarde no automobilismo, mesmo assim, sempre teve o sonho de estar na maior categoria do mundo. Ricardo Rosset pode não ter conseguido resultados expressivos na Fórmula 1, os melhores feitos foram dois oitavos lugares na Hungria, em 1996 e no Canadá, em 1998. Mesmo passando poucas e boas por Arrows, Lola e Tyrrell, Rosset nunca teve vergonha de recomeçar. Fora do circo, seus resultados sempre impressionaram, seja no kart, F3000, F3 e nos últimos anos na Porsche GT3 Cup, categoria na qual é bicampeão e que ainda briga pelo terceiro caneco.

Em entrevista exclusiva ao Motorsport.com Brasil, Rosset, aos 47 anos, fala sobre o tardio início de carreira e passagem na F1, quando teve que enfrentar problemas não muito comuns, como a saída de um grande patrocinador no início da temporada 1997 e de não contar com o apoio de boa parte das pessoas da Tyrrell, sua última experiência no mundial.

Motorsport (MS): Você começou sua carreira relativamente tarde, aos 20 anos, no kart. Acredita que isso seria possível hoje?

Ricardo Rosset (RR): Acho difícil hoje em dia. O esporte a motor hoje é muito mais profissional, a tecnologia envolvida é muito maior, dificultando o preparo e o tempo de pista. Na minha época também era difícil. Eu senti lá na frente em categorias como a F3, a falta de experiência em corrida mesmo. Naquela época já foi um feito, hoje eu considero quase impossível.

 

Ricardo Rosset
Ricardo Rosset

Photo by: Joao Vasconcelos

MS: Na F3000 você chegou a correr com o Marcos Campos, inclusive esteve na mesma corrida que o vitimou fatalmente, em Magny-Cours, o que você se lembra daquele dia?

RR: Eu me lembro bem, era a última corrida do campeonato e estava disputando o título. Me lembro que acabou a corrida, eu estava no motorhome e meu engenheiro veio falar comigo, 'o Marcos Campos sofreu um acidente muito sério', e ele me disse que talvez ele não aguentaria, e eu disse 'como assim?', só aí que eu vi a imagem. Foi um choque.

MS: Você era amigo dele, tinha alguma convivência?

RR: Ele não era um amigo muito próximo, mas tínhamos uma convivência de pista. Eu o conheci naquele ano e éramos companheiros de campeonato. Éramos em três brasileiros, o Tarso Marques, o Marcos e eu, então pelo fato de sermos os únicos brasileiros, nós conversávamos. Morrer daquela forma, na última corrida, foi trágico, um choque.

MS: Olhando para trás, no geral, você faria alguma coisa diferente na sua passagem pela F1?

RR: Eu não tinha muitas opções naquela época. Eu peguei uma fase muito difícil da F1. Saí da F3000, sendo que tinha planejado ficar dois anos lá pelo menos, ganhando experiência. Acontece que fiz um ano muito bom na F3000, venci duas provas e fui o primeiro estreante na categoria a fazer pole e vencer logo na primeira corrida. Isso chamou muito a atenção, ganhei mais uma corrida e disputei o campeonato no final do ano. Então aquilo me abriu muitas portas para eu testar F1, então eu tinha que pegar aquela oportunidade, talvez se eu tivesse mais tempo de F3000 seria melhor. Mas aí a oportunidade que eu tinha era Minardi ou Arrows, duas equipes falidas, mas decidi tentar me defender. Mas peguei uma Arrows falida, vendida, cheio de problemas, com falta de dinheiro e com um carro que não era competitivo. Não tinha treino, por exemplo. Para um estreante, entrar na F1 dessa forma é difícil. Eu dei 30 voltas antes da minha primeira corrida. Foi mais um shakedow para ver se o banco estava correto em Estoril. Chegou no ano seguinte e tive a proposta da Lola e da Mastercard, com o Suspiri, que era meu companheiro da F3000, mas nos venderam algo que não existia. O carro na primeira corrida nem trocar de marcha trocava e nem nos classificamos. Cheguei no Brasil e a Mastercard tirou o patrocínio.

MS: Então a Mastercard não teria tirado o patrocínio por causa do que aconteceu na Austrália?

RR: No final, fiquei sabendo que na verdade era um patrocínio que a equipe ganharia dinheiro com a venda de cartões de crédito "Lola F1 Mastercard". E como a equipe já saiu mal, com um carro feito em cima da hora, meio Frankenstein, viram que a coisa não funcionaria. A Mastercard pulou fora, disse que não colocaria o nome dela. E isso me surpreendeu, porque no início tínhamos muito material de marketing e parecia investimento de time grande, tudo parecia muito bom, mas foi um fracasso. Aquilo me detonou bastante, fiquei um ano fora.

MS: E na Tyrrell?

RR: Depois veio a oportunidade de vir para a Tyrrell. E veio na verdade porque a Reynard e a BAT estavam comprando a Tyrrell e como fui bem na F3000 com chassi Reynard, eu tinha uma proximidade com eles muito legal. Quando eles compraram a Tyrrell, eu queria voltar e eles pressionaram para que eu fosse para lá. Só que isso criou um mal estar com o pessoal que já estava na Tyrrell. Então eu já entrei vendo cara virada. A Reynard junto com a BAT compraram a Tyrrell, mas que ainda tocaria a equipe naquele ano era a Tyrrell e eu fiquei jogado numa equipe de leões e sozinho. E ainda com um piloto japonês, o Toranosuke Takagi e o manager dele que era muito próximo da Honda. Ali começou uma divisão para saber quem estaria na equipe Honda no ano seguinte, então tudo que vinha era para o piloto japonês e eles faziam questão de deixar uma diferença grande, para o japonês parecer muito melhor do que poderia ser.

MS: Os mecânicos da própria equipe jogavam contra você?

RR: Era uma situação difícil, principalmente no alto escalão com os engenheiros. Isso foi me desmotivando e no meio do caminho até tentaram trocar os pilotos, como o Tom Kristensen que testou, mas não era o mais rápido no meu carro, então ali mostrava que a diferença estava no equipamento. O carro não tinha condições de classificar em algumas corridas. O problema é que eu não tinha como mudar para uma equipe grande ou média, os pilotos estavam lá e não saiam. Eram um Berger da vida, um Alesi e esses caras não iam embora e só tinha vaga lá embaixo. Daí não deu para continuar. Foi numa época que o dólar foi de R$ 1,00 para R$ 2,00, então o volume de dinheiro que se precisava dobrou, então chegou num ponto que percebi que não seria viável.

 

Ricardo Rosset
Ricardo Rosset

Photo by: Luca Bassani

MS: Como foi o período até chegar à Porsche GT3 Cup?

RR: Eu fiquei dez anos parado. Depois que saí da F1 não queria mais saber de automobilismo. Eu tinha que tirar aquilo da minha cabeça e levar minha vida adiante. Eu tinha casado, queria ter filhos e tinha que tocar a empresa, a Track Field. Resolvi que tinha que tirar o automobilismo da minha cabeça, tinha que esquecer, virar essa página e fiquei dez anos sem sentar num carro de corrida. Um dia, meu personal trainer treinava o cineasta Walter Salles e me disse que o ele queria correr de GT3 e me perguntou se eu não queria correr com ele. Conversei e deu certo. O engraçado é que foi muito parecido com minha estreia na F1, o carro não chegava em Curitiba e já fomos para a primeira corrida tendo só um treino e ganhamos. Pra mim foi difícil, porque foram dez anos sem guiar, sem ritmo de corrida e num carro muito veloz. Dai então executou o vírus da corrida dentro de mim. Isso foi em 2008, fiz algumas provas em 2009 e daí em 2010 vim para a Porsche Cup. Fui bicampeão e estou aqui até agora, mas com outra pegada. Estou com 47 anos. Aqui é mais pelo prazer de dirigir mesmo, ficar com os amigos, mesmo sendo muito competitivo, mas é super saudável , com todo mundo na mesma etapa da vida, todo mundo com a paixão pelo automobilismo, gostar de correr, mas dentro dos seus limites de segurança, então isso é legal.

Colaborou: Gabriel Lima

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