ANÁLISE: Os motivos do ‘fenômeno’ Ayrton Senna ter dado tão certo no Brasil
Conjunturas política e esportiva do País impulsionaram popularidade de ídolo que orgulhosamente se afirmava brasileiro mundo afora
Ayrton Senna é um dos maiores ídolos da história do Brasil. O piloto já foi considerado o maior herói do esporte nacional em algumas pesquisas e é cultuado mesmo muito tempo depois de sua morte, que completa 29 anos hoje.
A idolatria é tamanha que alcança até quem não acompanha o esporte a motor. A prova foi seu cortejo fúnebre, acompanhado por multidões nas ruas e milhões pela TV. O funeral teve honrarias de chefe de Estado e comoveu fãs de todo o mundo. Ícones da Fórmula 1, como o eterno rival Alain Prost e o amigo Gerhard Berger, fizeram questão de comparecer.
Mas o que elevou Ayrton ao olimpo do esporte brasileiro (além, é claro, de suas proezas na pista, que o transformaram em tricampeão da categoria máxima do automobilismo mundial)? O que fez com que ele fosse elevado ao status de herói nacional de maneira tão indiscutível, mesmo tantos anos depois de seu falecimento? O Motorsport.com cita três fatores que contribuíram para esse processo. Confira:
Sem concorrência do futebol
O Brasil é conhecido mundialmente, entre outros aspectos, como o país do futebol. Como todos sabem, o esporte foi inventado na Inglaterra, mas a seleção brasileira passou a ser referência desde a conquista da Copa do Mundo de 1970. Com grandes nomes como Pelé, Garrincha e companhia, o futebol nacional era sinônimo de beleza, plasticidade e sucesso pelo mundo afora.
Entretanto, na época em que Senna emergiu como personalidade do esporte no País, a seleção canarinha estava em baixa. O piloto estreou na F1 em 1984, dois anos depois de uma grande decepção na Copa do Mundo de 1982. Nos dois mundiais seguintes, o time brasileiro fez campanhas ruins e desagradou os torcedores. E no ano em que o tricampeão morreu, as expectativas não eram as melhores para o torneio que seria disputado nos Estados Unidos.
Podium: race winner Ayrton Senna, McLaren
Photo by: Ercole Colombo
Todos esses aspectos contribuíram para a consolidação de Senna como ícone do esporte nacional. Ainda mais numa época em que a F1 tinha grande projeção, em virtude dos sucessos anteriores de Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet. Tudo isso tornou a morte de Ayrton um grande choque para o povo brasileiro. Meses depois, porém, contra muitas apostas, o Brasil foi tetracampeão, vencendo a Itália nos pênaltis na final da Copa do Mundo. O título foi dedicado ao piloto, em mais uma prova de sua importância para toda a nação.
Tensão político-social
Outro aspecto fundamental para entender o status alcançado por Senna é o cenário político em que o Brasil se encontrava nos anos em que ele se tornou famoso. Em seu ano de estreia na F1, 1984, o País vivia a expectativa por uma reabertura democrática, após 21 anos de ditadura militar. A campanha pelas Diretas Já animara grande parte da sociedade, mas o que se viu logo após foi motivo de decepção para o povo brasileiro.
Tancredo Neves morreu, dando lugar a José Sarney na Presidência da República. O político do Maranhão teve um mandato difícil, principalmente no plano econômico. Suas reformas não deram certo. Os mais pobres foram os mais afetados, claro. Mas a situação pioraria com o governante seguinte.
Fernando Collor venceu as eleições diretas de 1989, ano em que Senna defendia seu título contra Prost. O alagoano assumiu o cargo em 1990 e implementou uma série de medidas polêmicas, que desagradaram a opinião pública. Para piorar, um escândalo abateu seu ainda recente governo, culminando no processo de impeachment em 1992.
Durante todo este tempo, Senna e Prost travavam batalhas homéricas na F1, atraindo a atenção de boa parte do público. Em 1990 e 1991, Senna conquistou seus últimos dois títulos mundiais e foi motivo de alegria para muitos brasileiros. A situação do País melhoraria um pouco nos anos seguintes, ao contrário da do piloto. Mas ele já se tornara um ídolo incontestável e a torcida era por alguma proeza frente aos dominantes carros da Williams.
Ayrton Senna, McLaren MP4/7A Honda carries the Brazilian flag after his win
Photo by: Motorsport Images
Brasileiro, com muito orgulho, com muito amor
Por último, mas não menos importante, está o fato de que Ayrton Senna sempre fez questão de afirmar, em alto e bom som, que era brasileiro. Onde quer que estivesse, o piloto citava seu país de origem com orgulho. Com ele, sempre havia uma bandeira do Brasil, que tantas vezes esvoaçou em suas mãos após alguma vitória com a McLaren.
Senna certamente sabia da baixa autoestima nacional, mas era inegável o amor que o piloto sentia por seu país. E, independentemente de qual fossem as suas intenções, ele foi um símbolo positivo do Brasil durante anos em que a nação não tinha muito do que se gabar, seja no esporte ou em outras áreas pouco relacionadas, como política, educação, saúde e por aí vai.
O fato é que o tricampeão exerceu um importante papel de herói nacional em tempos difíceis para a sociedade brasileira. Com pouco o que comemorar, o povo ia ao delírio com as ultrapassagens, vitórias e conquistas de Ayrton. E, goste ou não, é inegável que o piloto obteve um sucesso inigualável. E aqui não estamos falando só de esporte. Estamos falando de carisma, compaixão, sensibilidade.
E dedicação: afinal, quem não lembra da memorável vitória de Senna no GP do Brasil de 1991? Com três marchas a menos, ele arrastou a si e sua McLaren até cruzar a linha de chegada, conquistando o triunfo que faltava. Em casa, na frente de seu povo, no circuito de sua cidade. Mesmo paralisado após o fim da corrida, ele fez questão de levantar o troféu em frente à delirante torcida. Precisava mostrar que tinha conseguido o que queria. Vencer no Brasil, finalmente.
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