Piloto que vendia cupons fica sem orçamento para F3 Japonesa
Bruno Carneiro, que tem incrível trajetória de carreira, perdeu segunda etapa de campeonato e não sabe ainda se poderá continuar no Japão
Bruno Carneiro ficou conhecido mundialmente por ter uma trajetória diferente dentro do automobilismo. Desde a época de kart, ele vendia cupons de desconto de uma churrascaria em Herriman, Utah, nos Estados Unidos. A prática sempre o ajudou e aliada aos bons resultados, ele conseguiu continuar sua carreira na F4 Chinesa e depois na F3 Japonesa.
Em 2018, Bruno se mudou para a equipe B-MAX Racing, considerada de ponta do campeonato japonês, em seu segundo ano na F3, mas o que poderia ser um ano dos sonhos, acabou sendo interrompido antes mesmo da segunda etapa, em Murata. O piloto acabou ficando sem suporte financeiro e ainda não sabe se poderá continuar na F3 para o restante do ano.
“Nesse momento as coisas estão difíceis”, disse Bruno com exclusividde ao Motorsport.com. "Eu perdi a segunda etapa e estou tentando muito para ter o dinheiro para a próxima, em Fuji. Simplesmente não tenho o dinheiro nesse momento mais eu estou batalhando bastante.”
"Sabíamos que o orçamento daria para os treinos de pré-temporada e a primeira etapa em Suzuka. Com um resultado bom, mostraríamos que valia a pena o patrocínio."
A etapa de Fuji acontece nos dias 7 e 8 de julho, mas o piloto que está nos Estados Unidos tentando encontrar uma companhia que o patrocine para o restante da temporada, trabalha com um prazo mais curto.
"O time está sendo muito gentil comigo, eles deixaram a vaga aberta para quando eu voltar. A próxima corrida acontece em julho, mas eu preciso do patrocínio em 20 dias. Está bem difícil, mas eu estou batalhando. A equipe me quer de volta, mas preciso do dinheiro", completou Bruno, que ainda não trabalha em um plano B, caso não consiga retornar à competição japonesa.
Conheça a história de Bruno Carneiro
O roteiro habitual na carreira de um piloto profissional é ter o apoio logo cedo no kart, normalmente da família e amigos, e, conforme o crescimento, ir à Europa e buscar uma vaga na Fórmula1, o sonho dourado de nove entre 10 competidores.
Bruno Carneiro possui uma trajetória muito diferente. Nascido no Brasil, ele foi morar nos Estados Unidos logo cedo e começou a correr de kart aos quatro anos na terra do Tio Sam. Desde o início desta jornada, contando com o patrocínio de uma churrascaria, ao completar oito anos, Carneiro viu a maneira de conseguir apoio financeiro mudar radicalmente. O dono da churrascaria, o brasileiro Ivan Utrera, que já foi piloto e esteve por trás dos patrocínios da Pizza Hut a Rubens Barrichello e André Ribeiro, propôs ao jovem kartista que vendesse cupons de sua churrascaria em Herriman, em Utah.
“Quando cheguei a uma categoria dentro do kart, a Rotax, era muito caro. Ele disse que não poderia me dar só o dinheiro. Ele me ajudaria um pouquinho, mas que gostaria de que eu aprendesse como custa tudo aquilo e que me daria certificados (cupons) para vender com oito anos de idade.”
“Meu pai não foi contra. Ele viu como uma oportunidade e, obviamente, aceitou.”
O que poderia ser um grande empecilho, se tornou uma missão para Bruno. Cada cupom era vendido a 25 dólares. No início, o prometido seria que o garoto ficaria com a metade do valor arrecadado, mas Utrera viu o empenho e a honestidade do jovem e deu a ele 100% do que havia conseguido vender de porta em porta, trajado com macacão.
“No começo, eu batia na porta da casa das pessoas com roupa normal, mas depois eu vi que ajuda muito você estar de macacão. Quando estava muito quente eu ia de camiseta de corrida e calça jeans, mas não tem muito impacto. Depois comecei a ir sempre de macacão e o pessoal que atende já entendia que era um piloto que estava ali.”
Por falar em recepção, a maioria das pessoas que atendia a jovem promessa do automobilismo sempre o tratou muito bem, mas ele também coleciona histórias dignas de cinema.
“Teve um caso que um cara me atendeu com um cachorrinho no braço e com cara fechada, e quando abriu a porta inteira eu vi uma mulher atrás com uma arma na mão. Fugi de lá, isso me assustou muito.”
“E tem outros casos. Certa vez fui a uma casa, bati na porta, um senhor atendeu e eu falei: ‘Boa tarde, como você está?’, sempre começo assim. Daí ele me respondeu: ‘Bom, eu estava melhor, até ter que sair do sofá para te atender. O que você quer?’. Falei o que queria, ele me disse não e fechou na minha cara.”
“Eu sempre dou risada, porque na próxima vai ter alguém que quer comprar. Aprendi a ter um não como resposta, estou vendo isso agora, tentando patrocínio.”
Há 10 anos tentando sempre conseguir arrecadar o maior volume de dinheiro possível de uma forma inusitada, Bruno acabou virando uma espécie de herói local, tendo sua trajetória retratada na imprensa da região. Com isso, muitas pessoas acabavam também exagerando na recepção ao piloto.
“Tem um cara que abriu a porta e não consegui dar oi e ele me disse ‘é você o piloto?’ e já trouxe os 25 dólares. Outras pessoas atendem e já vão abraçando, o que não é normal nos Estados Unidos, simplesmente pelo fato de reconhecer o ‘piloto’ por causa do macacão. Depois disso, eles me seguem no Facebook e começam a me acompanhar, pra depois pedirem para voltar à casa deles e comprar mais 3 ou 4 cupons.”
Indo para a China
E desta forma, Bruno seguiu sua carreira até a chegada de um grupo chinês, que estava adquirindo o autódromo local em 2016. Um dos empresários ficou sabendo da história do brasileiro, viu ele vendendo os cupons na pista e o convidou para competir na F4 Chinesa. Naquele ano, a jornada era árdua, competindo na Ásia e nos Estados Unidos ao mesmo tempo, no campeonato da Mazda do lado oeste, além de continuar vendendo os cupons da churrascaria. Melhor que isso, Bruno se sagrou campeão nas duas competições.
O passo seguinte era ainda mais longe, literalmente. Bruno assinou um contrato de dois anos para participar da F3 japonesa.
“A F4 da China era prioridade, já que era um campeonato da FIA, já estava no caminho. Então depois de ganhar esse campeonato, eu vi que tinha uma grande possibilidade de ter uma carreira."
"Aproveitamos e fomos ver a corrida da F3 de Macau e lá encontrei um senhor japonês comprando os carros da Prema, nós conversamos e em 2017 eu assinei com eles para participar da F3 Japonesa.”
Logo na primeira temporada, com um orçamento curto, a preocupação era a adaptação ao novo carro e a manutenção, não podendo danificá-lo em grandes acidentes. O time, Albirex Racing, não gozava de grande estrutura, o que valorizou a sexta colocação no campeonato.
JP de Oliveira: ajuda mais do que especial
O sexto lugarna classificação geral da F3 Japonesa surpreendeu muita gente, mas não a maior estrela brasileira do Japão, atualmente: JP de Oliveira. Segundo Bruno, o piloto que hoje compete na Super GT é um dos principais alicerces de ajuda ao jovem aspirante.
“Ele é muito jovem, não chegou ao Japão em uma equipe competitiva, então teve que ralar", disse JP.
"No ano passado eu tentei ajudá-lo da melhor forma, porque eu sei como é difícil para um piloto que não tem apoio financeiro, como ele buscar uma forma de vencer, eu me simpatizei com ele e, de alguma forma, se eu puder ajudá-lo, eu irei.”
O dono da ideia
O dono da ideia, o empresário paulista Ivan Utrera, de 56 anos, contou como tudo começou em entrevista exclusiva ao Motorsport.com. A Rodizio Grill, churrascaria que apoia Bruno, hoje conta com 24 unidades espalhadas pelos Estados Unidos e tem um faturamento anual de aproximadamente US$ 50 milhões.
Mas também se engana aquele que imaginar que o forte do empresário é apenas no ramo alimentício.
"Na verdade, eu estou envolvido com automobilismo há muito tempo, desde quando eu trabalhava na Pepsico e eles me transferiram para o Brasil para comandar o marketing da Pizza Hut", disse Ivan. "De cara, nós tivemos a oportunidade de patrocinar o Rubinho [Barrichello] quando ele foi para a Jordan na F1 e depois também o André Ribeiro na Indy e eventualmente o Christian Fittipaldi."
"Depois o tempo passou, eu sai da Pepsico para abrir a minha própria churrascaria, a Rodizio Grill. Conheci o Luiz Henrique, o pai do Bruno, e fiquei amigo da família. Todas as vezes que o Bruno ia à churrascaria quando criança, eu notei que ele ficava brincando de carrinho com o saleiro e a pimenteira."
"Depois fiquei sabendo que ele sempre assistia F1. Fiquei com aquilo na cabeça e durante uma viagem, eu disse ao pai dele que compraria um kart, sendo que ele tinha só quatro anos."
"Tudo começou como uma brincadeira, só que o negócio continuou, o Bruno começou a ganhar e a paixão que ele tinha era absurda. Vi que ele precisava evoluir e simplesmente não daria isso a ele."
"Meu pai e minha mãe me ensinavam que eu tinha que trabalhar para conseguir as coisas. Então eu falei: ‘Bruno, eu te ajudo, mas faremos assim: eu te dou os cupons e do que você arrecadar, metade fica para mim e metade para você’. E ele fez direitinho."
"Não comentei, mas se ele trabalhasse direitinho, ele poderia ficar com 100%. Daí por diante eles prestavam uma contabilidade do negócio, abriram uma conta separada."
Vendo o exemplo de Bruno dar certo, Ivan também pensou em apoiar outros pilotos da região. E foi aí que percebeu como a promessa que compete no Japão era especial.
"Tentei fazer o mesmo com dois pilotos que corriam com o Bruno, para formar um time, mas não foi a mesma coisa. Eles acabavam vendendo com 50% de desconto para se livrar logo do negócio e vi que eles não estavam sérios."
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