Análise: F1, ainda o laboratório principal
Articulista da Motorsport discorre sobre a oculta disputa tecnológica entre a WEC e a Fórmula 1 e desvenda o objetivo atual dos grandes fabricantes envolvidos com o automobilismo esportivo
Em setembro do ano passado, no auge da luta da Red Bull para obter um motor para a próxima temporada, circulou um forte rumor que a Audi teria assinado um acordo secreto com a energética equipe de F1 no qual forneceria um novo motor em 2018. O boato veio recheado de justificativas e interpretações. A Volkswagen, dona da Audi estaria muito preocupada com o prejuízo de imagem que sofrera em virtude das 'pedaladas' que fora flagrada dando no escândalo que a imprensa internacional apelidou de "dieselgate".
Segundo os 'boateiros' da mídia, a grande fabricante alemã acreditava que a F1 seria a categoria que mais retorno publicitário lhe traria para recuperar sua imagem abalada. Um verdadeiro contrassenso, já que o marketing da Audi, assim como de outras marcas pertencentes ou associadas ao grupo Volkswagen, como a própria Porsche, possuem um marketing separado. Ninguém compra um Audi TT pensando que ele é primo de um fusquinha, mesmo os modernos.
O boato foi prontamente desmentido e ninguém mais cogitou do assunto... No entanto, no 'pacote' daquele rumor tinha a suposição que a Audi ao entrar para a F1 deixaria a WEC e a DTM, a título de ter recursos financeiros para suportar a construção de um novo motor com as especificações do subestimado V6 Turbo Híbrido da Formula 1. Quem cogitou essa hipótese desacreditou em todo o investimento e desenvolvimento tecnológico vitorioso representado pelo LMP1 da Audi, o R18 e-trom quattro, bicampeão da WEC e um protótipo frequentador do pódio de Le Mans há 5 temporadas.
Se boatos são como a fumaça, onde estaria o fogo do fato oculto?
Pressão invisível
Essa semana chegou no e-mail da Motorsport.com global aqui em Miami um comunicado de imprensa da CFA (Consumer Federation of America). Neste comunicado, a anciã ONG sem fins lucrativos de defesa dos consumidores norte-americanos fundada em 1968 denuncia que durante a transmissão televisiva do último Super Bowl, 4 dos 10 comerciais televisivos anunciando modelos específicos de veículos faziam publicidade de modelos fora dos parâmetros de consumo estabelecidos pelo CAFE (Corporate Average Fuel Economy).
O CAFE é uma regulamentação do governo americano que prevê que em 2025 todos os automóveis de passeio estarão obrigados a fazer 54.5 milhas por galão de gasolina (aproximadamente 23 Km com um litro de gasolina) ou ir, passear, e voltar do Rio a São Paulo ou vice-versa com apenas um tanque de 50 litros. Para cada ano até aquele ano limite há uma etapa a ser cumprida, quem não estiver dentro da meta estipulada não poderia estar anunciando o modelo fora do CAFE.
Como curiosidade temos que, dos modelos anunciados, o híbrido Toyota Prius foi aquele que mais se aproxima da meta estipulada para 2025, com seus atuais 52 mpg. O comercial em questão mostra uma quadrilha de assaltantes de banco trapalhões que se veem obrigados a fugir de um assalto em um Prius, ao final a autonomia do híbrido se mostra como o fator principal da fuga bem sucedida.
A surpreendente guinada da Toyota
A Toyota anunciou que o HYBRID TS05, seu novo LMP1 para a temporada de 2016 da WEC, não usará mais a tecnologia dos supercapacitores. Muitos analistas esperavam que a tecnologia que consegue ser mais eficiente que baterias de lítio na absorção rápida da energia proveniente do KERS ou sistema de recuperação de energia cinética teria sua natural evolução que seria, no caso, reter por um tempo maior a energia recuperada. Afinal a Toyota conseguiu superar o tipo de sistema híbrido da Audi em 2014, sagrando-se campeã daquele ano na principal categoria da WEC.
O novo protótipo da Toyota é anunciado como totalmente voltado para o KERS mas retornando ao uso de baterias de lítio-ion que supostamente deram passos evolutivos mais significativos. O TS05 passará a contar com um motor V4 turbinado em substituição ao antigo motor V8 aspirado e recuperará energia dos eixos dianteiro e traseiro. Embora tenha sido negado que haverá recuperação proveniente dos gases exaustores do turbo, a Toyota deu um significativo passo em direção ao mesmo tipo de sistema híbrido utilizado pelo Porsche 919, campeão do ano passado com um protótipo V4 turbo com dois tipos de recuperação de energia: a cinética vinda das freadas e aquela vinda dos gases de exaustão do turbo.
Qual outra categoria do automobilismo esportivo foi a primeira a usar os mesmos dois tipos de recuperação de energia em seu V6 Turbo?
O Santo Graal tecnológico está na recuperação de energia
Pelo que vimos até aqui nessa análise temos que o sistema híbrido utilizado pela Audi na LMP1 (V6 turbodiesel com a recuperação de energia vida do KERS sendo armazenada no sistema flywheel) foi superado nos últimos 2 anos, tanto pela Toyota com seus antigos supercapacitores como pela Porsche com seu sistema que em tese e princípios em geral é o mesmo que o da Formula 1. Portanto, os rumores de que a Audi poderia abandonar a WEC possuíam algum fundamento lógico se acreditarmos na pressão existente para o encontro de uma solução tecnológica que atenda a regulamentação específica de consumo do maior mercado mundial de automóveis para 2025... Principalmente, se pensarmos no nicho dos carros esportivos, disputado a unhas e dentes pelos maiores fabricantes envolvidos no automobilismo esportivo.
Hoje, no mercado de carros esportivos de luxo, desses que ultrapassam os 230 quilômetros por hora, não há nenhum modelo híbrido e nenhum que se enquadre no limite de consumo previsto para 2025. Neste ano Ferraris, Lamborghinis, Porsches, Aston Martins, Corvetes, Bentleys, Audis, BMW, Mercedes e tantos outros deixarão de ser vendidos nos EUA? Não. Eles terão que ser de alguma forma híbridos.
Mesmo em um desejável mundo sem guerras por conta do petróleo, não poluído ou aquecido por gases do efeito estufa, ou seja, com veículos puramente elétricos para todos os lados, os sistemas de recuperação de energia são fundamentais para a autonomia dos veículos. Não interessa a ninguém ter um superveloz bólido nas mãos que só dê para ir até a uma metafórica esquina sem ter que carregar suas baterias novamente.
Louvada seja a FIA por manter a Formula 1 como o principal laboratório de evolução do automobilismo como um todo.
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