Valdeno Brito pode conquistar todos os títulos possíveis, mas será sempre conhecido como o vencedor da primeira Corrida do Milhão; apesar da vitória histórica, a vida não é fácil
Com uma camiseta laranja estampando o logotipo de um grande patrocinador, combinando com o relógio preto e laranja da F-1, de outra empresa que o apoia, o cabelo cuidadosamente arrumado, apesar do suor de quem acabara de treinar, e o macacão amarelo amarrado na cintura, Valdeno Brito hoje é um piloto realizado, mas não acomodado.
O semblante calmo, a fala tranquila com o sotaque inconfundível, e a boa fase, como o atual campeão do Itaipava GT Brasil e o líder disparado da Copa Petrobras de Marcas, com quatro vitórias em seis corridas, poderiam ser uma constante para Valdeno desde que venceu a primeira Corrida do Milhão, mas não foi bem o caso.
O êxito na prova disputada em 2008 em Jacarepaguá (mesmo local da entrevista, que aconteceu durante uma rodada dupla igualmente vitoriosa do Marcas) pode ter trazido mais notoriedade ao piloto, ou o reconhecimento que todo competidor sonha ter, após chegar a sentir o gosto amargo de ter de largar as pistas, mas isso não facilitou sua vida. O pomposo anel de ouro recebido como prêmio é usado até hoje, como se fosse até um lembrete de que é possível alcançar seus sonhos.
"Foi uma vitória muito importante. Acho que pouca gente lembra quem foi o campeão de 2008, mas lembra de mim até hoje em todo lugar: na visitação, na rua, até para me apresentar a empresas. Foi a prova que até hoje pagou o maior prêmio e é a mais divulgada de todas. Foi muito importante e continuará sendo até o fim da minha carreira. Foi um marco", destaca Valdeno, hoje com 37 anos de idade.
"Mas, se formos ver, não teve tanto ganho assim, do tipo 'vai chover patrocinador'. As dificuldades continuaram. Em 2009, comecei o ano com o patrocínio do governo e o perdi na metade. Minha carreira podia ter acabado ali, justamente depois da Corrida do Milhão. O automobilismo é ingrato: mesmo que você ande sempre no topo, isso não é garantia de patrocínio."
Apesar de ter sido o ponto de virada de sua carreira dentro da Stock Car, a vitória na Corrida do Milhão não é considerada por Valdeno o divisor de águas de sua carreira, uma trajetória sofrida, por conta da falta de cultura automobilística no Nordeste do Brasil e da eterna batalha por investidores em um esporte tão caro como o automobilismo.
"Na verdade, não sei se este foi o ponto de mudança, pois na ocasião já estava em uma das melhores, com um dos melhores patrocinadores. Não dependeu dessa vitória, mas, sem dúvida, ela ajuda. Não digo que foi um divisor de águas, mas, em termos de reconhecimento, meu nome ficou muito mais forte, muita gente passou a me conhecer."
Depois de começar, curiosamente, competindo na vela, sendo pentacampeão brasileiro e campeão norte-americano, Valdeno decidiu ser feliz de verdade e fazer o que mais gosta: correr de carros. Para isso, iniciou pelo caminho mais prático, correndo de carros de turismo. Durante muitos anos, competiu com os carrinhos de tração dianteira, sendo vice-campeão, e até se arriscou nos monopostos, correndo de F-Chevrolet (no qual também conquistou um vice) e F-3 sul-americana.
Contudo, o velho problema da falta de suporte financeiro se fez presente e Valdeno foi obrigado a se afastar dos autódromos, mas com a promessa de que voltaria de alguma forma. E, quando teve a chance, em 2004, o paraibano retornou para não sair mais, em uma chance única e indispensável. Bastante religioso, Valdeno credita a Deus o "milagre" que protagonizou em sua estreia na Stock Car.
"O divisor de águas foi logo quando voltei a correr, em 2004. Eu tinha corrido de 1993 a 1998 e parado por falta de patrocínio. Em 2004, consegui grana para fazer quatro corridas pela equipe de Aloisio Andrade. Há cinco anos parado, voltando logo na equipe principal, sem conhecer o carro e em uma equipe que não tinha tantos resultados, pensei que faria quatro corridas medíocres e parar. Aí entrou Deus na história. Por um milagre, na segunda ou terceira corrida, em Tarumã, larguei na primeira fila ao lado do Cacá, em um grid com mais de 40 carros, em uma equipe não reconhecida, era o terceiro até a última curva, quando tomei um toque do Chico Serra."
"Ali sim, foi um divisor de águas, pois todos os olhares se voltaram para o meu favor. Na quinta corrida, não tinha mais dinheiro e o Aloisio bancou. Acredito que ele continuaria me bancando, mas aí veio o convite do Marcio Matiazzi, atual sócio de Ricardo Zonta, com o Mico de engenheiro. Ele me convidou para fazer o fim do ano sem pagar nada, e ali foi o divisor. Foi a arrancada para o meu profissionalismo, pois me deram espaço no carro para vender e ganhar uma grana. Minha primeira grana no automobilismo veio a partir dessas quatro corridas com o Aloisio. De lá para cá, as coisas vêm acontecendo com muita luta e trabalho. Não paro um dia de fazer contato com os patrocinadores, mantendo os que tenho, fazendo bom relacionamento. Sou até agraciado por andar nas três principais categorias. É muito trabalho, mas é gratificante. Agradeço a Deus todos os dias por fazer parte disso e de estar fazendo a minha história na categoria, por ser o único nordestino na Stock e com tanto destaque. Sei que o povo de lá se orgulha de mim. Me sinto orgulhoso de poder dar alegrias para o pessoal. Muita gente lá gosta de automobilismo, apesar da falta de tradição."
O dedo divino, para Valdeno, também se fez presente em 2008. A primeira Corrida do Milhão foi (e ainda é) um marco no automobilismo brasileiro. Apesar de estar em sua terceira edição, foi a primeira que entregou o maior prêmio, em dólares (o que, na época, rendia aproximadamente o dobro em reais), e teve a maior exposição da mídia, por ter sido a edição pioneira. Para Valdeno, que estava estabelecido na Stock Car, correndo pela Medley A.Mattheis, uma das combinações mais vitoriosas do automobilismo brasileiro, faltava deslanchar e vencer a primeira.
"Até então eu tinha 13 pódios, entre segundos e terceiros, e não tinha vencido. Aí Deus veio e... Digo Deus, pois tenho uma certa intimidade e, vendo depois, desde a sexta-feira, os treinos, a classificação com chuva, o início da corrida com pneus de chuva, o que forçou uma troca e minha equipe era uma das mais treinadas... Acho que teve a mão de Deus, mesmo. Teve meu trabalho, o da equipe, mas, eu cobrava, eu pedia a Deus 'por que não a vitória?' e Ele separou a mais importante para me dar, então eu sou muito grato."
"Eu sempre acreditava que a vitória seria a próxima corrida. Já tinha feito vários pódios, 5 pódios, sabia que bastava encaixar. Para aquela corrida fiz trabalho especial: comprei uma esteira caríssima, boa, para ter em casa e não ter desculpa, seja com chuva ou com sol. Sabia que seria uma corrida longa e, no Rio, seria muito quente, e me preparei para vencer. Sabia que seria difícil, mas não tinha aquela certeza. Embora algumas pessoas me disseram depois que estava muito confiante. Lembro que comentei com o Luis Roberto [locutor da Rede Globo] que iria ganhar e pessoas me disseram que sentiram a minha vitória. Podia ser que não desse nada, mas algo especial aconteceu no fim de semana."
Aquela corrida, inclusive, está nítida na retina de Valdeno e aparece cada vez que seus olhos se fecham. Em detalhes, ele conta como foi a corrida, resumindo 1h15 de disputas em perfeitas linhas que podem ser lidas abaixo e vistas em imagens no fim do texto:
"Lembro que larguei em terceiro. Saí com a calibragem muito alta com os pneus de chuva, e os dois primeiros abriram. Segurei uma fila de dez carros, entre eles [Luciano] Burti, Ingo [Hoffmann], [Antonio Jorge] Neto, e alguns chegaram a me passar, mas o Burti e o Ingo se enroscaram na curva seguinte e passei de volta. Sabia que estava mais lento e sabia que tinha de segurar, pois ganharia tempo nos pit stops, o que aconteceu. Saí do pit stop em terceiro e me lembro que o Alceu [Feldmann] tinha feito o pit mas não trocado pneus, pois ele largara de slicks. Fiz a ultrapassagem e só faltava o Cacá [Bueno]. No ritmo, estava melhor que ele. Quando faltavam seis voltas, eu tirava de seis a sete décimos, mas chegar era uma coisa e passar era outra. Podia até ter um acidente. O segundo era importante, mas tinha de arriscar nesta prova. Foi aí que veio o desejo de Deus. O Cacá [Bueno], infelizmente, teve um problema e a vitória acabou sendo desta forma. Muita gente diz que a vitória caiu no colo, mas eu discordo, pois haviam mais 30 carros na pista. Aconteceu com o Cacá como já aconteceu comigo. Automobilismo é assim."
Mas, de lá para cá, as coisas não foram fáceis. No fim do ano, a Medley reduziu em dois o número de carros e Valdeno se viu tendo de procurar outra vaga, o que aconteceu na RCM, chefiada por Rosinei Campos, outro mago das muretas. Em 2009, começou o ano correndo com o vermelho e preto da Paraíba, mas o patrocínio se desfez por problemas extra-pista que não vêm ao caso, e seu ano acabou salvo por outra empresa farmacêutica, a Blausiegel, com seu carro se transformando aos poucos de vermelho e preto para azul e branco. Na parte das vitórias, apenas uma, no começo do ano em Curitiba, que rendeu uma liderança inicial da temporada, e nada mais.
"Ganhei em 2009 na corrida de Curitiba, e, de lá para cá, realmente, tive bons resultados. No ano passado, no Velopark, larguei da pole e o carro quebrou quando a corrida estava praticamente ganha. Tive outras corridas rápidas; no Milhão larguei em terceiro, mas alguns problemas aconteceram. Cometi uns dois erros e o carro quebrou bastante", destaca Valdeno, admitindo que a temporada 2011 é a pior de sua carreira, mesmo com a cobertura da equipe Full Time, uma das melhores do cenário, e que voltar a vencer está longe dos planos, mesmo a esperança sendo a última a morrer.
"Esse é meu pior ano desde que entrei. No ano passado, fui surpreendido pela não continuidade com a Boettger, pois estava tudo certo e na hora recebemos a notícia de que eles não fariam com a gente. Estava tudo certo, mas a gente ficou sem equipe. Apesar de sempre ter acreditado na Full Time, que é uma equipe capaz, os carros não estão do jeito que a gente gostaria. Temos grandes patrocinadores, mas o melhor que a gente pode conseguir é um quinto ou um sexto lugares. Vitória hoje em dia está sem condições."
Apesar da constatação, Valdeno admite que atravessa a melhor fase de sua carreira, competindo em campeonatos totalmente diferentes entre si, com sucesso em todos, um título nacional recente e outro por vir, tudo isso se unindo ao casamento feliz, à saúde financeira e a fé inabalável. "Eu acredito que estou na minha melhor fase, sim", analisa.
"Sinto prazer em guiar de Stock Car, GT3 e Marcas, apesar de serem carros completamente diferentes. Eu sou um apaixonado por automobilismo e cada categoria tem a sua característica. Na Stock, é o profissionalismo ao extremo. Briga por milésimos, maior visibilidade, envolvimento da Rede Globo, embora pudesse ser melhor. É um nome muito forte e uma categoria bem necessária para um piloto profissional. Me esforço muito para estar lá e já estou trabalhando para no ano que vem ir para uma equipe que possa casar melhor com o meu jeito de guiar e não vou esperar chegar o fim do ano. A Stock é importantíssima e vou me esforçar demais para estar presente. É o maior orçamento, mas gira mais grana."
"Eu sinto prazer na GT3, sou um profissional lá, também. Vou pra lá, sinto prazer em guiar e ganho meu dinheirinho. Já o Marcas tem tudo para dar certo. É um investimento de todos que estão aqui. Acredito muito na categoria, principalmente se as montadoras se interessarem, fazerem trabalhos e patrocinarem equipes. Há um investimento de minha parte e vai valer a pena", continua.
"Na Stock a fase é momentânea. Acredito que, neste ano, a gente vai melhorar. A gente tem melhorado. Minha melhor posição de largada foi a 11ª, há três décimos. Falta alguma coisa minha com o carro, mas acredito que vamos melhorar. É bom ver que nas outras categorias estou sendo competitivo. No marcas, os carros são muito iguais e os pilotos são parte da Stock. Foi com esse tipo de carro que aprendi a guiar. De 1993 a 1996 eu andei de Formula Uno, um carro de motor forte, pneus radiais e alto, onde a sensação é três vezes maior. Realmente me dou bem com carros de tração dianteira, me senti à vontade desde o primeiro treino e tudo isso me dá um ânimo ainda maior para trabalhar e ser competitivo na Stock Car."
"A esperança é a última que morre. Eu tento zerar tudo o que aconteceu da última etapa até a próxima, e vou imaginar que problemas vão ser resolvidos, o carro vai estar competitivo, pois a equipe está trabalhando. Sei que tudo é possível. É possível que largue entre os dez e, de repente, tenha um carro bom ou situações na corrida que tornam a vitória possível, como chuva, safety car, pit stops, quebras. Existem muitas variáveis que acabam fazendo que a gente acredite na possibilidade. É uma corrida longa, com duas paradas, e vou para ganhar, embora não saiba que é meu melhor momento", completa Valdeno.
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