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Atitude de Senna em primeira reunião na Europa fez chefe de equipe dizer: "Quem diabos esse cara pensa que é?"

Chico Serra relatou tensão em encontro de Ayrton com seu primeiro chefe de equipe na Inglaterra

Ayrton Senna e Chico Serra

Foto de: Mark Sutton / Motorsport Images

Piloto da Fórmula 1 com a Fittipaldi (1981 e 1982) e a Arrows (1983) e tricampeão consecutivo da Stock Car entre 1999 e 2001, Chico Serra é um dos grandes nomes da história do automobilismo brasileiro e foi fundamental para a ida de Ayrton Senna para a Europa.

Foi Serra quem intermediou o primeiro contrato da então promessa do Brasil com seu primeiro time na Inglaterra. Trata-se da equipe Van Diemen, com a qual tanto Senna quanto Chico foram campeões antes de chegar à categoria máxima do esporte a motor mundial.

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O que poucos sabem, porém, é que a negociação que definiu a ida de Ayrton para o automobilismo europeu foi marcada por uma reunião tensa. "Pô, Chico, quem diabos esse cara pensa que é para estar pedindo tudo isso?", questionou o chefe da Van Diemen sobre Senna.

Serra também confirmou que foi o responsável pela 'mudança de nome' do colega. Após uma brincadeira do compatriota, Ayrton da Silva virou Ayrton Senna. As incríveis histórias de Chico com o tricampeão da F1 você confere no divertido vídeo abaixo:

A 'rivalidade' do kart

"Na verdade, eu conheci o Ayrton desde o começo no kart. Quando o Ayrton estreou de kart, ele estreou na categoria júnior, mas eu já era da categoria principal. E, na verdade, aconteceu o seguinte... Eu era o cara a ser batido no kart, era eu que estava ganhando as corridas. Mas o Ayrton chegou, por causa do estilo dele, aquele jeito de andar de lado, ele chegou 'chegando', chamando tanta atenção, mas ele era júnior ainda."

"Tanto que eu nem corri contra o Ayrton como adversário nem nada. Mas se criou uma rivalidade entre a gente de extremismo. Como eu era a estrela do kart e ele era a estrela em ascensão, criou-se um negócio de graça do nada. Então nós nunca fomos amigos nem nada. E aí quando ele mudou para a categoria principal, eu parei com o kart e fui embora para a Europa. Então, na verdade, nós nunca corremos juntos nem nada."

"E nunca fomos amigos nem nada. Mas eu fiquei muito amigo do Ralph Firman, que era o dono da Van Diemen (equipe pela qual tanto Serra quanto Senna ganharam títulos em categorias juniores de monopostos)."

"E o Ralph sempre falou para mim, depois que acabou o ano (de 1977, em que Serra venceu a Fórmula Ford): 'Chico, o que você conseguiu fazer nesse ano nunca ninguém fez e provavelmente não vão fazer de novo. Ninguém chega aqui na Fórmula Ford, que é muito competitiva, e consegue terminar todas as corridas e ganhar o número de corridas que você ganhou, além do campeonato e tudo mais'."

Brasileiro indica brasileiro

"Aí eu brinquei com ele e falei: 'Ralph, tem um cara no Brasil que, se ele vier para cá, ele faz'. Aí ele falou: 'Quem é e no que corre?'. Falei: 'Ele corre de kart'. E ele: 'Não, está longe...'. E eu: 'Não, o cara é muito bom, é diferenciado'.  E ele falou: 'Não... Mas como é que chama o cara?'. E eu falei que era Ayrton. E, para um inglês, é muito difícil pronunciar Ayrton. Mas ele começou a perguntar para mim: 'Quando é que o quick man (homem rápido, em inglês) vem?'."

"Falei: 'Ah, um dia ele vem...'. Mas a gente não tinha contato. No ano de F2 (1980), foi difícil para mim em resultados. E eu era um cara que ganhou tudo de kart, ganhei F-Ford, ganhei F3, mas quando cheguei na F2, não tive resultados e estava numa temporada difícil. Aí recebi uma carta uma vez na Inglaterra. A carta era do Ayrton Senna me dando a maior força, falando que saiba o que eu estava pensando, para eu não desanimar, que eu sabia o quão bom eu era...".

"Muito legal a carta. Uma carta de incentivo. E eu achei muito aquilo porque a gente não tinha contato um com o outro. E aí no fim do ano, quando eu cheguei no Brasil, o Ayrton me procurou: 'Pô, eu estou pensando em ir para a Inglaterra'. Falei: 'Então vamos que eu te levo lá no Ralph e você fala com ele'. Aí passou um tempo, eu já estava de volta na Inglaterra e o Ayrton me ligou: 'Olha, estou indo'. Aí liguei para o Ralph: 'Olha, o quick man vai vir, vamos encontrá-lo'."

A negociação

"Aí peguei o Ayrton e a gente foi para Norwich para o encontrar o Ralph. Aí fomos jantar eu, o Ralph e o Ayrton. E aí foi a primeira negociação, que foi muito boa por sinal, muito gozada. E foi assim que começou."

"Eu realmente acreditava que o Ayrton podia entregar resultado e que eles teriam sucesso, mas eu estava fazendo isso muito mais pelo Ralph, porque eu era muito mais amigo do Ralph do que do Ayrton. Mas aí eu e o Ayrton ficamos muito amigos, porque ele foi para lá e nós estávamos sempre juntos. Eu ia nas corridas dele e ele ia nas minhas, aí nós nos aproximamos demais", relembrou Chico, que é pai de Daniel Serra, atual tricampeão consecutivo da Stock Car.

"Pô, Chico, quem diabos esse cara pensa que é?"

"Foi gozada porque o Ayrton era um moleque de kart, não tinha sentado num carro de corrida. E o Ralph teve interesse nele porque eu falei para o Ralph que ele era muito bom, senão ele não tinha corrido. Os contratos eram muito padronizados, tinham uma folha, na verdade. O Ayrton não falava inglês, então o Ralph me falou: 'Fala para ele que ele vai ter 20 treinos'. Aí eu falei o Ayrton disse que era muito pouco: 'Fala que eu quero 40 treinos'."

"Aí eu falei: 'Ralph, ele falou que ele quer 40 treinos'. Aí o Ralph: 'Tá bom, eu dou 40 treinos. Então nós vamos fazer 20 corridas'. Eu falei para o Ayrton e ele: 'Não, é muito pouco, preciso correr mais, quero correr 30 corridas'. Aí eu para o Ralph: 'Olha, ele falou que quer correr 30 vezes'. Aí o Ralph: 'Tá bom, eu dou 30 corridas'. Na hora da grana, 'vai custar 30 mil libras a temporada'. Aí eu: 'Isso aí vai custar 30 mil libras'. O Ayrton falou: 'Essa grana eu não tenho. Eu pago 20'."

"Aí eu falei para o Ralph: 'Ele falou que não tem esse dinheiro. Ele quer isso tudo, mas vai pagar 20 mil libras'. E nisso o Ayrton levantou para ir no banheiro. Na hora que ele levantou, o Ralph falou: 'Pô, Chico, quem diabos esse cara pensa que ele é para estar pedindo tudo isso aí?'."

"Mas aí acabou fechando (o negócio). Acertou tudo e aconteceu o que aconteceu. E aí, muitos anos depois, eu estava conversando com o Ralph e o Ayrton realmente tinha ganhado tudo (com a equipe de Firman). A gente estava comendo e eu falei: 'Lembra da nossa reunião com o Ayrton? Lembra quando ele foi no banheiro e você perguntou quem ele pensava que era? Acho que ele sabia já, já tinha um foco na carreira dele e tudo'. Foi muito legal."

A transformação de Ayrton da Silva em Ayrton Senna

"É verdade. O Miltão, pai do Ayrton, não gosta disso, mas, na verdade, isso também foi lá na Europa, na época. O Ayrton era o Ayrton da Silva. Quando ele foi fazer F3 e chegou lá em casa na Inglaterra, nós fomos na equipe para conhecer o carro e tudo. Estávamos sentados lá e o carro dele já estava pronto, pintado e tudo. Aí eu estava olhando para o carro dele estava lá no santantônio: A. da Silva. Aí eu brinquei: 'Você tem que mudar seu nome, cara'."

"Ele: 'Por quê?'. Falei: 'da Silva não vai ser campeão do mundo, cara... da Silva não é piloto de F1 e não vai ser campeão do mundo. Usa Senna'. Falei brincando, mas eu achava realmente que da Silva não seria um sobrenome legal para a F1. Miltão, desculpa, hein... Aí eu brinquei e ficou por isso mesmo. Mas quando eu fui assistir à primeira corrida duas semanas depois, no carro dele estava escrito Ayrton Senna."

"Ele realmente tinha mudado e daí para frente ele começou a usar Ayrton Senna. Nem perguntei para ele se foi por que eu falei ou não, mas foi isso que aconteceu. Nós fomos muito amigos e tínhamos uma amizade muito grande. O Ayrton era um cara muito legal. Ele era um cara muito fechado, mas totalmente diferente do que quando dava entrevista. Ele era muito brincalhão, boa praça mesmo, nós fomos muito amigos", completou Serra.

Serra, Senna e cia: relembre todos os pilotos brasileiros da história da Fórmula 1

Chico Landi - de 1951 a 1956 - 6 corridas
Gino Bianco - 1952 - 4 corridas
Hermano da Silva Ramos - 1956 e 1957 - 7 corridas
Fritz d'Orey (#40) - 1959 - 3 corridas
Emerson Fittipaldi - de 1970 a 1980 - 144 corridas, 2 títulos (1972-1974) e 14 vitórias
Wilson Fittipaldi - de 1972 a 1975 - 35 corridas
José Carlos Pace - de 1972 a 1977 - 72 corridas - 1 vitória
Luiz Pereira Bueno - 1973 - 1 corrida
Ingo Hoffmann - 1976 e 1977 - 3 corridas
Alex Dias Ribeiro - de 1976 a 1979 - 10 corridas
Nelson Piquet - de 1978 a 1991 - 204 corridas, 3 títulos (1981, 1983 e 1987), 23 vitórias
Chico Serra - de 1981 a 1983 - 18 corridas
Raul Boesel - de 1982 a 1983 - 23 corridas
Roberto Moreno - de 1982 a 1995 - 42  corridas
Ayrton Senna - de 1984 a 1994 - 3 títulos (1988, 1990 e 1991) 161 corridas, 41 vitórias
Mauricio Gugelmin - de 1988 a 1992 - 74 corridas
Christian Fittipaldi - de 1992 a 1994 - 40 corridas
Rubens Barrichello - de 1993 a 2011 - 324 corridas - 11 vitórias
Pedro Paulo Diniz - de 1995 a 2000 - 98 corridas
Ricardo Rosset - de 1996 a 1998 - 26 corridas
Tarso Marques - de 1996 a 2001 - 24 corridas
Ricardo Zonta - de 1999 a 2005 - 36 corridas
Luciano Burti - 2000 e 2001 - 15 corridas
Enrique Bernoldi - de 2001 a 2002 - 28 corridas
Felipe Massa - de 2002 a 2017 - 269 vitórias - 11 vitórias
Cristiano da Matta - 2003 e 2004 - 28 corridas
Antonio Pizzonia - de 2003 a 2005 - 20 corridas
Nelsinho Piquet - 2008 e 2009 - 28 corridas
Bruno Senna - de 2010 a 2012 - 46 corridas
Lucas di Grassi - 2010 - 18 corridas
Felipe Nasr - 2015 e 2016 - 39 corridas
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