Análise

F1: Orçamento pauta a guerra no desenvolvimento de Ferrari x Red Bull

Por conta do teto, Ferrari esperou para trazer atualizações, enquanto RBR seguiu outro caminho. Agora, a pressão é da FIA, que monitora os valores gastos

Max Verstappen, Red Bull Racing RB18, Charles Leclerc, Ferrari F1-75

Talvez fosse inevitável que, com a implementação dos novos regulamentos financeiros da FIA, o foco da Fórmula 1 se tornasse sobre o quanto essas regras estão sendo seguidas. As grandes equipes estão cientes de que seus próprios orçamentos estão apertados e sabem que precisam ser cautelosas nos gastos em desenvolvimento. Ao longo da temporada, elas necessitam ser bastante assertivas nas atualizações, que obtenham o melhor retorno possível entre desempenho e custo.

A estratégia da Ferrari foi esperar um pouco antes de introduzir o primeiro pacote de mudanças significativas, que virão somente neste final de semana, em Barcelona. Enquanto isso, acompanhou com bastante atenção o progresso que a Red Bull vinha fazendo até então. Porém, logo após o GP de Miami, o chefe do time italiano, Mattia Binotto, disse que eles possuem algumas dúvidas sobre como seus adversários tem progredido tanto diante das restrições de orçamento atuais.

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“É claro que a Red Bull melhorou seu carro”, falou o dirigente. “Desde muito cedo na temporada eles introduzem atualizações e, se você olhar para as últimas duas corridas, talvez eles conseguiram ser alguns décimos mais rápidos que nós. Eu espero que, por conta do limite de orçamento, em algum momento a Red Bull pare com o desenvolvimento. Se isso não acontecer, não sei como eles conseguem”, completou.

Com relação ao contexto do desenvolvimento em que as duas equipes se encontram, Binotto acrescentou: “se temos uma preocupação, ela é sobre o quanto eles têm se desenvolvido, considerando o teto orçamentário. Essa, certamente, é uma preocupação que temos. Mas também, talvez, seja uma esperança, pois, em algum momento, eles vão precisar parar...”, destacou.

O dirigente não terminou por aí. Respondendo uma pergunta sobre os planos da Ferrari, ele prosseguiu. “Não temos dinheiro para gastar com atualização a cada corrida. Eu não acho que tão simples assim. Não é por incapacidade, mas por conta do teto de gastos. Então, nós vamos tentar focar no desenvolvimento quando acreditamos que é o momento certo e o investimento correto.”

Mattia Binotto, Ferrari Team Principal, Charles Leclerc, Ferrari, Laurent Mekies, Ferrari Racing Director

Mattia Binotto, Ferrari Team Principal, Charles Leclerc, Ferrari, Laurent Mekies, Ferrari Racing Director

Photo by: Ferrari

A mensagem é clara: a Ferrari não entende como a Red Bull conseguiu evoluir tanto o carro nas últimas semanas sem comprometer consideravelmente seu orçamento de Pesquisa & Desenvolvimento e que, neste ritmo, não será capaz de manter atualizando o RB18. A sugestão, portanto, é que a FIA mantenha os olhos sobre o que tem feito o time austríaco.

O limite orçamentário deverá ser um campo de batalha entre Ferrari e Red Bull, ainda mais à medida que a corrida pelo título esquenta ao longo da temporada de 2022. Assim como no passado os times consideravam a legalidade das novas peças ou atualizações introduzidas por um adversário, agora as equipes vão avaliar os custos destas iniciativas. “Acho que praticamente todas os times estão bem próximos do limite este ano”, declarou Christian Horner, chefe da Red Bull.

“Isso é bem agressivo, então você precisa ser bem estratégico em como vai aplicar seus recursos ao desenvolvimento e, acho que, ao invés de apenas buscar soluções o mais rápido possível, você precisa ser muito mais estratégico no que vai fazer com base nos custos”, prosseguiu.

Agora cabe à FIA, sob liderança de Federico Lodi, responsável pela área de regulamento financeiro, garantir que todos corram de acordo com essas regras e que qualquer área nebulosa seja abordada. Houve um grande esforço para que essas regras fossem criadas. Lodi, que por três anos foi diretor financeiro da Toro Rosso, sabe como funciona os meandros da Fórmula 1 e, para desenvolver esse regulamento, contou com o apoio do diretor de finanças da F1, Nigel Kerr, que teve cargo similar na Honda/Brawn/Mercedes e também conhece os bastidores das equipes.

E isso não foi feito baseado só em números. Os chefes dos departamentos técnicos da FIA e F1, Nikolas Tombazis e Pat Symonds, levaram uma série de situações para saber como calcular aquilo que as equipes desenvolvem e aplicam em seus carros. “Está que claro que, para o desenvolvimento desse regulamento, trabalhamos muito, muito, muito perto da Fórmula 1”, declarou Lodi ao Motorsport.com, antes mesmo dessas regras entrarem em vigor.

“Conheço Nigel há 10 anos, quando eu estava na Toro Rosso e ele na Mercedes, e nos damos muito bem. Desenvolvemos o regulamento financeiro juntos. É claro que existem várias conexões com os regulamentos técnicos. Então, obviamente, Nik e Pat também fizeram parte das discussões, especialmente quando lidamos com questões técnicas, tratamento de componentes, unidades de potência e assim por diante”, completou Lodi.

“De outro lado, quando falamos de exclusão de custos, como marketing, RH e jurídico, somos só eu e Nigel. Além disso, tivemos o auxílio da Deloitte UK, que estão conosco desde o início, e eles tem boa experiência em regulamentação esportiva. Foram eles que projetaram o Fair Play Financeiro na UEFA”, continuou.

Max Verstappen, Red Bull Racing RB18, Charles Leclerc, Ferrari F1-75

Max Verstappen, Red Bull Racing RB18, Charles Leclerc, Ferrari F1-75

Photo by: Andy Hone / Motorsport Images

Estas regras foram refinadas ao longo de muitos anos, mas, após o lockdown por conta da pandemia do Covid-19, em 2020, houve pressão por mais detalhes, afinal, as equipes concordaram em reduzir ainda mais o limite orçamentário.

As regras passaram a contemplar situações como licença-maternidade, auxílio-doença, situação dos mecânicos que trabalham em carros históricos e de demonstração, mas que podem ser chamados para auxiliar na programação da temporada. Cada dólar conta para as equipes ficarem dentro do orçamento.

Serão severas as consequências por quebrar o limite de orçamento, então é por isso que se tem um debate em andamento sobre um ajuste para cima da inflação, que criará um pouco de espaço para as equipes que estão perto desse teto. No entanto, apesar de todo o esforço feito para criar e aperfeiçoar as regras, ainda existem dúvidas de interpretação e com que rigor podem ser aplicadas.

“Eu confio totalmente na FIA”, disse Binotto ao Motorsport.com em Imola, logo após ser questionado sobre áreas obscuras do regulamento. “Mas não tenho dúvida que as novas regras, como todo novo regulamento, você tem uma vantagem competitiva se você tentar ler de sua própria maneira".

"Isso não significa que não haja nenhuma área nebulosa, mas é a forma como cada equipe pode entender, ler ou interpretar os próprios regulamentos. Então, acho que isso é algo que a FIA precisa policiar, aumentar o quadro interno, se reforçar, ampliar o número de pessoas que, de alguma forma, estará fiscalizando, pois este é um elemento chave”, prosseguiu.

E disse mais: “eu acho que é tão importante quanto o regulamento técnico e esportivo. Talvez, os CFOs hoje sejam tão importantes quanto os diretores técnicos”.

É intrigante ouvir Binotto dizer que a FIA precisa de mais funcionários, visto que o órgão máximo do automobilismo tem passado por ajustes financeiros e parece pouco provável uma adição de auditores. Entretanto, Kerr agora, oficialmente, faz parte dos quadros da FIA, como consultor do corpo diretivo, atuando ao lado de Lodi.

Binotto também colocou na mesa um grande desafio para a FIA. Cada equipe tem um modelo de negócios diferente, pois alguns constroem motores, câmbios e suspensão, enquanto outros compram alguns ou todos esses elementos em graus diferentes.

Nessa conjectura, talvez, o mais complicado seria o arranjo em Milton Keynes, onde Red Bull Racing e Red Bull Technology operam em paralelo, sendo que esta última também fornece para a AlphaTauri.

Mick Schumacher, Haas VF-22, makes a pitstop

Mick Schumacher, Haas VF-22, makes a pitstop

Photo by: Glenn Dunbar / Motorsport Images

“No final das contas, é importante que a FIA se esforce ao máximo para tentar entender os diferentes ativos das empresas e equipes, como elas gastam o dinheiro e como justificam a maneira como gastam. Acho que, nesse sentido, é uma tarefa enorme e difícil, mas confiamos neles. Tenho certeza que vão se organizar para isso, porém creio que é necessário mais esforço”, disse Binotto.

À medida que as regras foram formuladas, a FIA precisou se aprofundar no modelo de negócios de cada equipe, por exemplo, entender que a Haas compra mais peças da Ferrari do que qualquer outra fonte externa do time, bem como a Red Bull Racing e Red Bull Technology trabalham juntas.

“Acho que abordamos isso no regulamento financeiro pelo fato, em princípio, de que a Red Bull Technology cairá na declaração da Red Bull Racing”, explicou Lodi.

“Portanto, os custos de F1 são incorridos por equipe, mas a realidade é incluída em um grupo legal da equipe da Fórmula 1, que acabam sendo custos de atividade de F1 em nome da equipe. Logo, a Red Bull Technology cairá na declaração da Red Bull Racing”, prosseguiu.

No geral, o consenso entre os chefes de equipe é que o sistema é essencialmente robusto e funciona bem, mas que sempre há espaço para ajustes e esclarecimentos, à medida que surgem inevitáveis áreas de divergência.

“A quantidade de trabalho que cada equipe faz com a FIA para o limite de custos e no policiamento disso é imensa”, apontou Jost Capito, da Williams. “Acho que ainda há muitas discussões entre os responsáveis financeiros com a FIA, tentando melhorar. Se um time identifica uma possível divergência, acho que vira discussão nesse grupo".

"E, claro, estamos apenas no primeiro ano de um sistema complexo, claro que será melhorado. Acho que há uma boa cooperação dos diretores financeiros das equipes para progredir, mas tem muito trabalho por parte da FIA, que tem fiscalizado bem”, completou.

“É como o regulamento esportivo e técnico”, disse Mike Krack, da Aston Martin. “Se você ler com cuidado, verá áreas que você pode explorar mais, se você achar que são áreas de divergência ou não. Se você ultrapassar o limite ou não, será dito como é feito na parte técnica ou esportiva”, continuou.

“Eu acho que sempre tem áreas de divergência”, falou Gunther Steiner, da Haas. “Mas acho que a FIA tem colocado muito esforço e trabalho na medida do possível. Ninguém está tentando ludibriar ninguém. Talvez você ache uma área de possível divergência para explorar, mas não acho que haja muitas brechas para fazer qualquer coisa que não acabe em grande penalidade”, completou.

Guenther Steiner, Team Principal, Haas F1, Jost Capito, CEO, Williams Racing, Mike Krack, Team Principal, Aston Martin F1, in the Press Conference

Guenther Steiner, Team Principal, Haas F1, Jost Capito, CEO, Williams Racing, Mike Krack, Team Principal, Aston Martin F1, in the Press Conference

Photo by: Carl Bingham / Motorsport Images

A perspectiva de que o campeonato mundial de 2022 termine em uma briga jurídica sobre o quanto cada equipe gastou não é atraente, afinal, a F1 sempre foi sobre ultrapassar os limites da tecnologia. Entretanto, temos de olhar para um aspecto geral: a categoria está em um estado saudável por conta da introdução do regulamento financeiro, capaz de manter 10 equipes bem financeiramente no grid.

Renault e Gene Haas puderam ver que não era mais um poço sem fundo de gastos e foram encorajados a permanecer na categoria, apenas de não ser um trabalho fácil colocar essas regras na prática. “Foi um desafio, foi difícil, pois também é uma mudança de mentalidade, pois na F1 sempre foi apenas regulamentos técnicos e esportivos”, comentou Lodi.

“Houveram situações em que foi tentado implementar regulamentos financeiros, mas foi impossível. Dessa vez, eu acho que todo mundo estava muito, muito determinado e comprometido com isso, pois queríamos ter um modelo de negócios sustentável para o futuro”, finalizou.

VÍDEO: A guerra de atualizações de Red Bull e Ferrari no GP da Espanha

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