Análise

OPINIÃO: Nova morte em Interlagos ilustra irresponsabilidade no motociclismo brasileiro

Acidente fatal de Mauricio Paludete é o mais recente de sequência rotineira de problemas sérios em Interlagos

Largada Superbike Brasil 2019

Para alguém que cobre motociclismo, não cabe apenas dar atenção àquilo que é bom ou àquilo que é legal. É preciso também falar do que não é agradável, mas necessário para que um dia tenhamos no Brasil campeonatos fortes e corridas seguras para os participantes. Só assim poderemos no futuro formar jovens pilotos de bom nível para campeonatos na Europa e oferecer boa segurança aos pilotos que arcam com os custos de competir por diversão.

O risco sempre será inerente ao motociclismo. Por muitos motivos: velocidade, falhas mecânicas, quedas dos mais variados tipos e as limitações do corpo humano. Por mais seguro que seja um autódromo e por melhor que sejam os equipamentos de segurança, há sempre o risco, por exemplo, de um atropelamento – algo tão temido no motociclismo quanto uma batida em ‘T’ no automobilismo por ser a circunstância que mais expõe a integridade de um piloto.

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Entretanto, atender a requisitos de segurança não é nem de longe o caso da pista de Interlagos. Localizada no centro comercial do Brasil (a cidade de São Paulo), o circuito tem uma importância significativa para um campeonato como o Superbike Brasil – que realiza nesta temporada sete de suas dez etapas no local.

Maior campeonato de motovelocidade do Brasil, o Superbike conta com presença forte da Honda, transmissão televisiva e pilotos de renome internacional como Alexandre Barros (5x quarto colocado na MotoGP e com sete vitórias), Eric Granado (campeão europeu de Moto2 em 2017) e, neste ano, o australiano Anthony West (238 participações no mundial e duas vitórias nas 250cc/Moto2).

Mas apesar do investimento e do bom nível técnico, o evento ainda peca bastante na segurança. A morte de Mauricio Paludete é apenas mais uma frente às péssimas estatísticas dos últimos anos. Interlagos matou em 2017 Sérgio dos Santos na Curva do Sol e em 2018, também no S do Senna, Rogério Munera. Ambos competindo no Superbike Brasil.

Frente à média, não é preciso ser um expert para entender que algo não está certo. Nada foi aprendido nas tragédias dos últimos anos?

Parece que não. Interlagos continua a ser utilizado no mesmo layout e com raras barreiras de ar nas áreas de escape. Por exemplo, no ponto onde Paludete bateu havia uma proteção de pneus coberta, o que classifica o local como ‘grau D’ de acordo com as regulamentações oficiais da Federação Internacional de Motociclismo. Indo de A a E (em ordem decrescente), pistas de grau D (de acordo com o artigo 3 das regras de homologação) só podem receber corridas de eBikes, jamais de Superbikes de 1000cc. (O regulamento, em inglês, pode ser encontrado aqui)

O artigo 4.8 do mesmo regulamento diz que “o comprimento final das áreas de escape será definido tendo em conta o traçado das pistas, a topografia, a linha de corrida e a inclinação” por meio de um cálculo tendo em vista a velocidade das motos. Porém, não é preciso fazer um cálculo para entender que a área de escape no S do Senna é insuficiente para motos que chegam a mais de 250 km/h no fim da reta dos boxes – e sem proteções de ar, lembremos.

Outra falha de segurança grave cometida pelo campeonato é na Curva do Café. Interlagos foi utilizada pela MotoGP apenas uma vez – no longínquo ano de 1992 – e o mundial foi o responsável pela criação da chicane do Café, feita para diminuir a velocidade das motos tendo em vista a pequena área de escape no local e no S do Senna, curva seguinte. 27 anos depois, o Superbike Brasil não utiliza a chicane e os pilotos passam ao lado do muro no Café a quase 200 km/h. Mesmo o traçado alternativo do Bico de Pato para motos, feito na reforma de Interlagos em 2014, também não é utilizado.

E recordemos: a chicane do Café foi desenhada pela FIM antes do acidente que deixou Wayne Rainey paraplégico (1993), antes da morte de Daijiro Kato em Suzuka (2003, em uma dinâmica similar à do acidente em Interlagos de ontem), antes dos atropelamentos fatais de Shoya Tomizawa e Marco Simoncelli (2010 e 2011) e antes da morte de Luis Salom (2016). Ou seja, muito antes do nível de segurança da atualidade, o que nos faz entender a precarização do tema para a organização do evento, comandada pelo piloto Bruno Corano.

Organização essa que é feita fora da chancela da Confederação Brasileira de Motociclismo. A rixa entre as duas entidades vem de alguns anos, com um lado reclamando da ausência de auxílio do outro. Fato é que o Superbike Brasil é mais atrativo para marcas e pilotos, enquanto o Brasileiro de Motovelocidade – que não foi realizado em 2016 e 2017 – tem um nível técnico consideravelmente mais baixo.

Mas a raiz do problema começa na falta de cobrança. O Brasil não tem pistas próprias para corridas de moto. O que fazer? Lutar para modernizar os autódromos e aumentar a segurança em todos os pontos perigosos, o que demanda esforço, tempo e custo – e aí entendemos por que a motovelocidade mata pilotos rotineiramente no Brasil. Quem estaria interessado em cobrar isso e arcar com essa despesa?

O que não está certo é estourar champanhe no pódio após acidentes como o de ontem como se nada tivesse acontecido. Um piloto morreu e poucas pessoas do meio manifestaram pesar publicamente antes da audiência cobrar explicações sobre o acidente.

E nessa tentativa de abafar acidentes sérios o motociclismo brasileiro continuará sendo uma prática amadora aos olhos de quem só ouve falar da modalidade eventualmente, quando algo grave acontece.

Chegou a hora de mudar em vez de assistir a acidentes fatais passivamente sem senso de humanidade como ocorre atualmente. Dinheiro não é tudo.

O motociclismo nacional precisa do Superbike Brasil, mas o Superbike Brasil precisa mudar.

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