Coluna do Vicente Sfeir: 150 dias na fila do transplante

Colunista de mercado do Motorsport.com fala como surgiu a ideia da troca de capôs entre as equipes Shell V-Power e Prati-Donaduzzi na etapa do Velopark de domingo da Stock Car

Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark

Depois de décadas trabalhando dentro e fora das pistas nas mais variadas atribuições onde o marketing esportivo me levou, é formidável ser capaz de ainda me emocionar com uma ação promocional.

E foi justamente isso o que aconteceu no último domingo, quando vi a foto dos carros de Ricardo Zonta e Julio Campos com os capôs invertidos na curva zero do Velopark.

Foi como receber a bandeirada quadriculada antes dos concorrentes numa corrida importante de kart e vivenciar aquela sensação de dever cumprido.

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A ação em prol dos transplantes de órgãos envolvendo as equipes Shell V-Power e Prati-Donaduzzi, tenho certeza, marcou decisivamente a temporada 2019 - e provavelmente também os 40 anos de história da Stock Car.

Foi a primeira vez na história que o esporte a motor testemunhou inversão de espaço entre patrocinadores - e justo em uma propriedade tão nobre.

Se hoje podemos exibir orgulho por ter feito parte dessa ativação, vale também destacar o empenho de todos os envolvidos para viabilizar o projeto. Foram, efetivamente, “150 dias na fila do transplante”.

No início de maio, a assessoria de imprensa da Shell em motorsport me procurou. Tinham feito uma reunião com seus pares da Prati-Donaduzzi numa corrida da Porsche Cup e queriam apresentar uma proposta ousada. Então marcamos uma reunião em Goiânia, na sexta-feira da etapa 3 da Stock Car.

Recebemos o assessor de imprensa da equipe Prati-Donaduzzi, Tiago Mendonça, e Ricardo Levy, motorsport consultant do time roxo. Eles trouxeram o conceito de transplantar os capôs, ideia proposta pela agência Capim.AG. Imediatamente, junto à assessoria de imprensa da Shell, identificamos o alto poder midiático da ideia. A missão então era conseguir os alinhamentos internos para prosseguir com a ação.

Logo neste primeiro encontro ficou pactuado que, se o plano fosse para frente, os pilotos envolvidos seriam Julio Campos e Ricardo Zonta, ambos curitibanos. Na ocasião, a oitava etapa, a única designada para setembro, mês da conscientização do transplante de órgãos, estava marcada para a capital paranaense.

Com o sinal verde da Raízen para seguir tratando do assunto, tivemos outra reunião em Londrina, já no início de junho, na quarta etapa da Stock Car. Desta vez participaram pela Prati-Donaduzzi a assessora de imprensa Rafaella Malucelli e Lucas Angnes, gerente de marketing. Eles nos mostraram a ação já estruturada: usavam como benchmark o “enterro do Bentley do Chiquinho Scarpa”, também pelos transplantes de órgãos em 2013, e o goleiro Santos, do Atlético-PR, mexendo no celular em pleno jogo como ação de conscientização do maio amarelo, neste ano.

Nessa reunião aprendemos o termo “Hackvertising” e alguns de seus conceitos: ideia de alto impacto capaz de gerar mídia espontânea a partir de um estranhamento na audiência, tema de grande apelo ao público, alta capacidade de viralização, publicidade que vira conteúdo jornalístico, entre outros.

Em conjunto, definimos que o ideal seria revelar os capôs transplantados apenas na hora da corrida e não antes do primeiro treino da etapa. A aposta era sacrificar a mídia pré-etapa em prol do efeito surpresa dos carros aparecerem para competir com as marcas invertidas.

Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark

Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark

Photo by: Jose Mario Dias

Então tratamos de outros pontos correlatos, como os pilotos se declararem doadores para ampliar o engajamento na causa, uso das plataformas as duas marcas nas mídias sociais para reforço da ativação, captação das imagens de bastidores para elaboração do videocase que será divulgado amanhã.

Mas, principalmente, para assegurar o impacto da surpresa no dia da ação: sigilo absoluto! A ideia não poderia vazar de forma nenhuma. Apenas o time criativo da Capim.AG em Cascavel e as seis pessoas que tinham participado das duas reuniões sabiam do transplanted cars. Naquela altura não era para falar nem para os pilotos e menos ainda para os chefes de equipe: não queríamos o risco de a informação circular no paddock ou oficinas.

No fim de junho veio um susto: a Prati-Donaduzzi anunciava sua saída da Stock Car ao término da temporada. Imediatamente acionei a assessoria da Shell para saber se o transplante estava mantido, confirmação que veio em minutos.

Então passamos à fase prática, em nova rodada de reunião. Desta vez o palco foi Santa Cruz do Sul, em julho.

Cada time faz o seu capô na Stock Car. Tem um encaixe fino e fatores aerodinâmicos envolvidos, de forma que a fixação precisa estar perfeita. Pegar o capô feito pelo Rodolpho Mattheis e colocar no carro preparado pelo Thiago Meneghel e vice-versa poderia ser um risco. Afinal de contas, a pior coisa que poderia acontecer para a ação seria o capô transplantado sair voando no meio da corrida e o carro ser obrigado a parar por causa disso.

Então ficou definido que os times trocariam seus padrões visuais, com cada um produzindo um capô extra nas cores do adversário. Também ponderamos que não bastava ser o segundo capô, aquele que os times normalmente levam como reserva todo fim de semana. Era necessário produzir um terceiro, pois mesmo que remota, há a chance de danificar o capô titular durante os treinos livres ou o quali - e aí o reserva não poderia ser o transplantado.

Também definimos que a revelação do enigma, pelos pilotos no grid, aconteceria na posição de largada de quem classificasse o carro mais à frente na véspera da corrida.

A Stock Car depois tirou a corrida de Curitiba e remarcou para o Velopark. Ok, perderíamos algo em apelo para a mídia local. Mas àquela altura já tínhamos certeza do alto potencial da ação e a troca da praça foi recebida como um contratempo menor.

Depois da Corrida do Milhão colocamos as equipes em contato. Não haveria mais corrida antes da etapa do transplante e, com uma oficina em Americana e outra em Petrópolis o risco de escapar a informação era bem menor.

Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark

Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark

Photo by: Jose Mario Dias

Julio Campos foi informado pelo Lucas Angnes nesse período e se saiu com uma bela resposta: “Vocês não deviam contar para mim; quanto menos gente sabendo, melhor”. Zonta tinha alguma ideia, de que haveria “uma ação especial” na etapa de Curitiba. Mas os detalhes ele recebeu apenas na semana anterior à prova, quando fomos entrevistados para o press release revelador.

Quinta-feira no Velopark os dois pilotos foram brifados dos tempos e movimentos para domingo, bem como os chefes de equipe. E seguiu o fim de semana como se nada anormal tivesse acontecido.

Terminada a visitação, os times se encontraram para, diante das câmeras, trocar os capôs (que já tinham sido testados na calada da noite, sem “curiosos” no autódromo, para termos certeza do encaixe). E então foram para as corridas, invertidos.

O plano deu tão certo, que o Zonta apareceu bastante na prova 1, enquanto o Julio foi protagonista da segunda.

Já pelo fim da segunda bateria, quando ficou claro que não teríamos chance de pódio com nenhum dos quatro carros da Shell, me peguei torcendo pela vitória “do nosso capô” no carro da Prati-Donaduzzi. Ou seja: fui impactado pela ação.

Confira imagens da transformação dos carros da Shell V-Power e Prati-Donaduzzi

Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
Transplante de capôs dos carros Shell e Prati Donaduzzi na etapa do Velopark
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