ANÁLISE F1: "Incompatibilidade" com Mercedes levou Aston Martin ao acordo com Honda

Apesar de agradecer por tudo que a Mercedes fez ao longo dos anos, Aston percebeu que não tem chances de vencer enquanto seguir como cliente

A decisão da Aston Martin de fechar a parceria com a Honda pode ser vista como a decisão mais ousada de Lawrence Stroll desde que o ambicioso empresário canadense revelou seus planos de lutar pelo título da Fórmula 1 no futuro.

O acordo resolve a dor de cabeça de ter todos os benefícios de ser uma "equipe de fábrica" sem ter que construir seu próprio motor do zero sob o nome Aston, não tendo ainda a necessidade de dividir uma unidade de potência e seus elementos associados com um rival.

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É essa dependência de um fornecedor que quer te bater na pista que, segundo Martin Whitmarsh, CEO da Aston Martin Performance Techologies, criou uma "incompatibilidade".

O acordo com a Honda é uma das peças finais do quebra-cabeça, que vem sendo montado desde que Stroll assumiu o "time Silverstone" em 2018. Ele contratou os melhores engenheiros possíveis, além de Sebastian Vettel e Fernando Alonso, além de investir em uma nova fábrica e túnel de vento. Agora, ele resolveu o problema do motor.

Na superfície, Stroll parecia ter um arranjo perfeito em sua parceria com a Mercedes, uma marca cuja holding tem uma fatia significativa das ações da Aston Martin Lagonda. Um pacote de motor, caixa de câmbio e suspensão traseira de uma equipe vencedora é um bom ponto de partida, permitindo que a equipe foque no resto.

Essa filosofia funcionou bem nos primeiros dias de Force India, passando pelos anos de Racing Point e chegando a era atual. Em alguns momentos nesses anos, o time tinha o quarto melhor carro do grid, mas ficava bem atrás dos peixes graúdos.

Neste ano, a Aston deu tamanho passo adiante que o AMR23 é visto como o segundo melhor carro do grid, à frente de Mercedes e Ferrari. Essa forma sugere que o próximo passo seria bater a Red Bull e vencer corridas e títulos sendo cliente da Mercedes, o que pode ser algo factível. De fato, a evolução para 2023 indica que a Aston pode avançar ainda mais até a chegada da Honda, em 2026.

Fernando Alonso, Aston Martin AMR23

Fernando Alonso, Aston Martin AMR23

Photo by: Steven Tee / Motorsport Images

Porém, Mercedes e Ferrari estão abaixo do esperado, e a Aston, que vem acertando até aqui, está feliz. Porém, para bater essas duas e a Red Bull com mérito e de forma consistente, é preciso encontrar uma forma de se livrar das amarras da Mercedes, buscando um novo caminho, que inclui não ficar restrita à arquitetura de suspensão e caixa de câmbio de um rival direto.

O desejo de estar à cabo do seu próprio destino em termos de fornecimento de motores é algo que as equipes sempre desejaram. Em 2014, Ron Dennis, da McLaren, deu uma declaração interessante à época, sobre a troca de UP da Mercedes para a Honda, com o time de Woking ficando frustrado com o tamanho do domínio da rival.

Ele alegava que a McLaren não tinha a oportunidade de usar plenamente o motor Mercedes devido a uma falta de acesso aos dados, alegando ainda que a equipe não teria recebido "os melhores motores". Suas palavras deixaram claro que a parceria com a Mercedes, que já durava quase duas décadas, poderia estar no fim.

"Minha opinião, a mesma de outras pessoas na organização, é que você não tem chance de ser campeão se não receber os melhores motores de quem for o seu fornecedor. Um motor moderno não é somente sobre potência, é sobre como você colhe essa energia, armazena e, efetivamente, se você não tiver o domínio desse processo, ou seja, o acesso ao código, você não vai estabilizar seu carro na entrada de curvas, etc".

"Mesmo que você tenha a mesma marca de motor, não significa que você tem a habilidade de otimizá-lo. Então você precisa se colocar na melhor posição possível quanto ao motor. É isso que pensamos para os próximos anos. Tivemos uma boa parceria com a Mercedes, mas vamos dar uma chance à Honda".

Toto Wolff não ficou impressionado pelas acusações de Dennis. Desde então o regulamento ficou mais rígido, forçando os motores clientes a serem idênticos, com os mesmos parâmetros da equipe oficial. Então essa suspeita hoje é menos válida do que já era no passado.

O argumento de Dennis a favor de um acordo direto com a montadora talvez teria um peso maior se ele tivesse focado menos em performance pura e mais no benefício óbvio de se ter um parceiro dedicado, com a habilidade de integrar completamente chassi e unidade de potência.

McLaren e Honda não conseguiram fazer isso naquela fase desastrosa de 2015 a2017, com a comunicação ruim exacerbando as fraquezas nas respectivas ofertas técnicas.

Max Verstappen driving a Honda powered Red Bull in 2021

Max Verstappen driving a Honda powered Red Bull in 2021

Photo by: Zak Mauger / Motorsport Images

Quando o acordo caiu por terra, a montadora japonesa viu a Red Bull sendo a única disposta a colaborar. Christian Horner também sabia os empecilhos que existem com ser cliente, dando a impressão de que a Red Bull havia conquistado os títulos apesar da Renault, e não por causa dela.

Em contraste, Red Bull e Honda forjaram rapidamente uma parceria técnica efetiva e aberta, que ainda pode conquistar muitas coisas até o fim de 2025. Após isso, a RBR será a dona de seu próprio destino, com um acordo com a Ford na Red Bull-Ford Powertrains, enquanto a Aston Martin passará a curtir os benefícios da ligação com a Honda.

"A Mercedes é uma boa parceira há anos", diz Whitmarsh. "E seguirão sendo. Mas eles estão aqui para vencer e, claramente, nós também. Então, no final das contas, há uma certa incompatibilidade nessas missões. Por isso tomamos a decisão. O primeiro exemplo é que dividimos o túnel de vento com eles. E estamos gastando para fazer o nosso próprio".

"Mas a natureza da F1 é de que, se você quer vencer, significa bater a Mercedes, e é muito difícil fazer isso, superar uma organização tão boa quanto eles se você depende deles para propriedade intelectual, espaço, componentes..."

"O Time Silverstone, como vocês sabem, tem uma boa tradição de fazer muito com o pouco que tem. Mas agora estamos em uma posição diferente, como Aston Martin, tendo a ambição de Lawrence Stroll e agora a Honda como parceira. Estamos aqui para vencer. E, por isso, você precisa ter o processo e a abordagem que culminam com a integração completa".

Martin Whitmarsh, Group Chief Executive Officer, Aston Martin

Martin Whitmarsh, Group Chief Executive Officer, Aston Martin

Photo by: Zak Mauger / Motorsport Images

Whitmarsh sugere que a cooperação próxima entre chassi e motor será ainda mais importante na nova era do regulamento.

"O regulamento técnico de 2026 exigirá uma integração substancial, plena. E não apenas a integração física dos componentes, mas toda a operação, podendo entregar e vencer, de forma mais extensa. Na minha visão, é bem difícil ser campeão de forma constante sem uma relação com uma montadora, e é por isso que tomamos essa decisão".

Um ponto chave para a Aston Martin agora é estabilizar seu próprio design de caixa de câmbio e a área de produção antes da mudança para a Honda, algo que não era realizado "em casa" há anos, devido aos acordos com McLaren e, posteriormente, Mercedes. A Sauber seguirá um caminho igual, indo para a parceria com a Audi após anos de ligação com a Ferrari.

"O regulamento de chassi de 2026 ainda não foi finalizado. E espero que a sanidade prevaleça. E que optaremos por simplificar essas transmissões complicadas. Mas estamos recrutando pessoas, enfrentando os desafios que você destacou".

"Temos uma boa parceria no momento, com bons componentes e sistemas que nos são fornecidos. Mas isso é sobre o crescimento da equipe. Você quer vencer na F1 e, para isso, precisa bater os parceiros existentes. E, para isso, temos que ser independentes".

Honda with Astion Martin Racing F1 Team

Honda with Astion Martin Racing F1 Team

Photo by: Aston Martin Racing

"Estamos construindo uma ótima sede e progressivamente estamos nos livrando da dependência da Mercedes, e isso não é uma reflexão do trabalho deles. Eles são fantásticos com a gente, seguem fazendo um ótimo trabalho. Mas estamos aqui para superá-los e, para isso, precisamos depender de nós mesmos".

Uma boa parceria depende de comunicação e trabalho bem-sucedidos. Whitmarsh tem um bom conhecimento de Honda, desde a era Senna e Prost na McLaren. Depois, ele foi o homem responsável por convencer a montadora a voltar à F1 com a McLaren em 2015, saindo bem antes da parceria azedar.

A relação em 2017 ruiu pela falta de comunicação e a cultura de apontar o dedo. Whitmarsh observou isso por fora, e não deixará a Aston fazer o mesmo.

"Você precisa de uma parceria respeitosa. Um precisa ouvir o outro e garantir o equilíbrio. Quando você está projetando chassi e unidade de potência, há concessões que precisam ser feitas. Eu vejo a Honda como uma parceira educada, correta e completa".

"É fácil para uma cultura europeia não ouvir de cara nessas discussões como deveria. Tenho confiança de que, como equipe, somos um time novo e crescente com grandes ambições. Acho que já começamos a ouvir, desde o início da parceria. Visitei Sakura algumas vezes antes do anúncio e estou confiante de que a Honda tem uma grande sede, grande paixão e grandes engenheiros".

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