Piquet e Moreno: 25 anos da última dobradinha do Brasil na F1
Com exclusividade ao Motorsport.com, pilotos da Benetton no Japão em 1990 recontam experiência de dividir o pódio
Para a maioria, o GP do Japão de 1990 é famoso pelo óbvio: o segundo título de Ayrton Senna logo após acertar o francês e rival Alain Prost na primeira curva. A manobra havia sido proposital, conforme reconheceu Ayrton um ano depois em Suzuka depois de ser tricampeão.
Mas o incidente que selou o campeonato de 1990 da F1 abriu uma grande oportunidade para dois pilotos brasileiros. Um deles buscava voltar a vencer depois de três anos difíceis. O outro, buscava o reconhecimento de seu talento. Eles eram Nelson Piquet e Roberto Pupo Moreno, cuja ligação é muito maior que este episódio.
“O Moreno sempre foi um parceiro meu de Brasília, corremos de kart juntos, então foi uma coisa bacana”, disse Piquet ao Motorsport.com. Moreno recordou as primeiras vezes que falou com Piquet, na oficina Camber do também piloto Alex Dias Ribeiro localizada na capital federal. “Eu era mais um 'sapo de oficina' que adorava moto. O Nelson era mecânico de moto. Com isso eu me aproximei dele. Eu vivia colado nele, segui muito o que ele fez.”
No entanto, antes de chegarmos propriamente ao resultado final da corrida, algumas histórias precisam ser contadas para que se entenda a dimensão do acontecimento para seus protagonistas.
Nannini perde o antebraço
Chateado com a EuroBrun (equipe nanica na qual iniciou o ano), Moreno não queria mais correr pelo time após a última corrida europeia, quando seu chefe, Giampaolo Pavanello, comemorou o fato de não ter conseguido se classificar para o GP da Espanha. “O Walter Brun, o outro dono da equipe, mandava a mesma quantia de dinheiro passando ou não para a classificação. A família do Pavanello vivia do time e precisava do dinheiro”, lembrou.
Duas semanas depois, o italiano Alessandro Nannini, revelação da Benetton, acabou sofrendo um acidente de helicóptero enquanto sobrevoava seu vinhedo em Siena. No desastre, ele perdeu o antebraço direito. Apesar de ter conseguido se recuperar, reimplantando o braço, ele nunca mais correria na F1.
“Aquilo foi trágico”, rememorou Piquet. “É muito ruim o seu companheiro de equipe, alguém que você conhece, ter um acidente assim e parar de correr”. Com a abertura da vaga na Benetton, Moreno entrou involuntariamente na disputa por ser grande amigo do projetista da equipe na época, John Barnard.
Roberto havia ligado para o amigo dias antes para conversar. Barnard o convidou tomar um chá. Aquele convite, assim que Moreno chegou na sede da Benetton, se transformou em uma quase intimação para correr em Suzuka.
“Ele me disse: 'o Nannini caiu de helicóptero e perdeu o braço. As pessoas estão ligando para cá porque precisamos ter dois pilotos. Você foi o único piloto que ligou antes do acidente. Quer correr?' Fiquei sem saber o que dizer. O Nannini tinha perdido o braço, os sentimentos eram conflitantes.”
Mas Moreno topou, e se deparou com outro problema: a liberação da EuroBrun. Dois dias depois, ele deu uma carona para um dos diretores da equipe, que lhe disse que o time exigia 30 mil dólares pela “carta de alforria” do brasileiro. “Quando ele me disse isso, parei o carro e falei: 'Desce, filho da puta. Desce, viado. Sai da minha frente senão vou te enfiar a porrada.' Ele me olhou e não desceu do carro. Lembrei que estava com a mala dele no porta-malas. Saí do carro, peguei a mala e joguei na calçada. No que ele saiu do carro para buscar, fui embora.”
A EuroBrun precisava do dinheiro para ir ao Japão. Moreno peitou o time, que acabou não tendo fundos para se bancar. Roberto fez os moldes dos bancos, recebeu os macacões às pressas e foi para o Japão.
A corrida
Após o acidente que decidiu o título entre Senna e Prost, o austríaco Gerhard Berger, companheiro de Senna na McLaren, rodou na volta seguinte nos pedaços e fluídos dos dois carros deixados ali. Mansell, Piquet e Moreno (que ganhara duas posições na largada) seguraram seus carros para não fazer o mesmo e continuaram na corrida.
A tática da Benetton era ambiciosa. “O Nelson me disse: 'Roberto, vou sair com o pneu mais duro e não vou parar no box'. Acordamos que eu faria o mesmo, que seguiria ele na pista”, contou Moreno, que deu uma pequena sorte antes da largada. “No domingo saí do box para colocar o carro no grid, e durante a volta ele deu uma falhadinha. Chamei no rádio, o pessoal da Ford ficou preocupado e me mandou ir para o carro reserva do Nelson. Ali aconteceu a minha primeira sorte: o carro dele era um pouco mais rápido que o meu.”
Com duas McLarens e uma Ferrari fora da prova, a “quinta” sorte do dia foi uma habitual trapalhada do inglês Nigel Mansell. Parando nos pits após abrir no primeiro stint de Piquet e Moreno, o piloto da Ferrari, na afobação de sair dos boxes, acelerou com o carro ainda levantado pelo macaco traseiro. Quando foi colocado no chão, a força com a qual o “Leão” acelerava partiu o semieixo de sua Ferrari. Nigel teve de abandonar a corrida.
Sempre ficando em pré-classificações com fraquíssimo carro da EuroBrun, Moreno não vinha tendo um final de semana fácil com o desgaste físico. “Eu cansei para valer. Soltava os braços nas retas para relaxar e travava eles nas curvas de novo. Fiz um exercício para me poupar. Mas chegou uma hora que era muita porrada”, contou muito emocionado ao Motorsport.com. “Eu estava quase pensando em desistir, mas aí veio o Salmo 23 na minha cabeça.”
“Não demorou três curvas. No meio das curvas na parte de trás dos boxes, aquilo me deu uma injeção de endorfina. A força voltou, a vontade voltou e até andei algumas voltas mais rápido que o Nelson. Terminei a prova sem nenhum problema.”
Pódio emocionante
O resultado emocionou muito Moreno, que desceu do carro chorando copiosamente de felicidade. Mesma felicidade de Piquet, que vencia pela primeira vez em três anos. “Abriram o caminho para a gente. Não tínhamos carro para ganhar a corrida. Não fossem as confusões não teríamos conseguido”, lembrou Piquet.
Mas se engana quem pensa que aquela vitória é uma das mais doces da carreira de Nelson Piquet. “Eu já estava em fim de carreira, né. Estava louco de vontade de vir embora”, riu.
Para Moreno, aquela foi a corrida da vida. “Aquela emoção, aquele choro, foi muita coisa. Pensei no Salmo, em Deus, no sucesso e no fato de a Benetton ter feito primeiro e segundo e eu ser parte daquilo. E agradeci muito ao Nelson no pódio pelo que ele fez por mim. Minhas pernas tremiam, porque depois da corrida você relaxa. Aquela endorfina não reage mais. Até achei que fosse cair no pódio, mas acabou que não caí.”
Com o japonês Aguri Suzuki completando o top-3, o pódio é até hoje o último da história da F1 no qual não figurou nenhum piloto europeu.
Passados quase 25 anos, a memória desta corrida ainda está bem viva. Um GP clássico de uma era clássica, na qual o Brasil era iluminado por ter tantos pilotos talentosos ao mesmo tempo no grid. A prova irrefutável disso foi o que aconteceu naquele dia 21 de outubro de 1990. Um momento histórico para o automobilismo nacional e para seus grandes protagonistas.
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