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Coluna do Vicente Sfeir: Como se “garimpam” talentos para chegar à F1?

Em sua coluna exclusiva no Motorsport.com, Vicente Sfeir faz um raio-x do caminho que um jovem piloto tem do kart à F1, passando – ou não – por um programa de jovens pilotos

Gianluca Petecof antes de prova da F4 Alemã

Prema Powerteam

Nesta semana, com o início da nova F3 da FIA em Barcelona, acredito que temos uma boa oportunidade para refletir sobre algo que muitos jovens pilotos e seus pais me questionam sempre: como acontece hoje o garimpo de talentos rumo a uma carreira profissional em carros de fórmula, com o objetivo maior de atingir a F1?

Nas últimas duas semanas, tive a oportunidade de ver como o automobilismo está se desenvolvendo na Europa, visando uma projeção profissional. Pude observar como as categorias estão sendo divididas, como os pilotos estão trabalhando e se planejando e, principalmente, como as grandes empresas que financiam e movimentam o automobilismo profissional também estão olhando para essa base.

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Kart no Brasil e no mundo

Primeiramente, vou falar de como o Brasil pode se posicionar neste cenário.

Creio que temos condições de trabalhar os jovens pilotos nas categorias menores de kart, até os 12 ou 13 anos de idade. Tenho certeza de que o Brasil tem condições de ser um celeiro de desenvolvimento de jovens talentos.

Considerando as dimensões do país e o fato de termos o kartismo razoavelmente bem disseminado por boa parte dos estados, os competidores podem se planejar para disputar os principais campeonatos estaduais e a seguir os nacionais, que têm um nível médio bom.

Neste momento, os equipamentos daqui estão próximos dos usados na Europa. O departamento de kart da confederação tem trabalhado e percebido que é necessário que os jovens pilotos brasileiros tenham contato com os equipamentos que os europeus usam, já que no futuro a competição será contra eles e não podemos ir defasados. 

Por isso, acredito que o Brasil tem totais condições de trabalhar os jovens pilotos nas categorias menores de kart e depois sim, seria necessário um planejamento de pelo menos dois anos na Europa para entender o nivelamento em que esses pilotos estão, no comparativo direto com os melhores pilotos do mundo - que são os pilotos que vão brigar pelas mesmas vagas, de acordo com o nosso funil de desenvolvimento.

Nesse sentido, entendo que as categorias Júnior e OK devem ser feitas na Europa, disputando os melhores campeonatos como o WSK, o Europeu e o Mundial, que são os mais recomendados e disputados.

A transição para os carros

Passando para as competições de carro, e aí, direcionando para o caminho de se chegar à F1: no Brasil, não teríamos condições atualmente.

Hoje não temos mais categorias de fórmula atualizada e nem competitivas então, o próximo passo é obrigatoriamente a Europa. Existe uma categoria relativamente nova, a F4, que é disputada em diferentes países. Temos a F4 Italiana, Alemã, Inglesa, Americana, no Oriente Médio, Francesa... E eu acredito que esse seja o primeiro passo do piloto que busca carreira internacional após o kart. E o momento da escolha por uma delas já é o primeiro desafio.

Alguns optam por competir em campeonatos mais fracos e tentar adquirir vitórias e títulos, outros escolhem disputar campeonatos mais difíceis, onde o piloto consegue medir a própria evolução contra os melhores pilotos do mundo. Hoje os campeonatos mais fortes são a F4 Italiana e Alemã. São campeonatos extremamente competitivos, estive lá nas últimas duas semanas e posso assegurar que é uma Copa do Mundo.

George Russell, atual campeão da F2 e piloto da base da Mercedes

George Russell, atual campeão da F2 e piloto da base da Mercedes

Photo by: FIA Formula 2

As grandes empresas responsáveis por desenvolver jovens talentos já estão olhando essas categorias desde a base. Então, na F4 você já consegue ver pilotos da Ferrari Driver Academy, do Mercedes Junior Program, da Sauber Junior Program, da Red Bull... Ou seja, já dá para ver a presença dos principais players da F1 desde o primeiro degrau da escada até a categoria, que são as séries denominadas como F4.

Planejando a trajetória

Todo mundo sabe que agora existe a necessidade de uma pontuação, 40 pontos na licença. Cada categoria, de acordo com a sua relevância, entrega um número de pontos para o campeão, segundo, terceiro lugar e assim por diante. Porém, esses pontos só podem ser usados no período de três anos, por isso existe todo um desenvolvimento de carreira que é elaborado por esses programas, para que os pilotos consigam adquirir os pontos em menor tempo possível.

No ano passado foi criada a Fórmula FIA Regional, que fica entre a nova F3 FIA e a F4 e pode ser comparada com a Fórmula Renault, que é uma categoria tradicional. Mas a FIA tem suas categorias oficiais que vão desde a Fórmula 1, Fórmula 2, Fórmula 3 FIA, Fórmula FIA Regional, Fórmula 4. Essas são as categorias homologadas pela FIA nas categorias de fórmula.

Gianluca Petecof

Gianluca Petecof

Photo by: Prema Powerteam

Tive contato agora com a Fórmula Regional, me impressionou bastante positivamente o carro, um carro grande, uma motorização Alfa Romeo turbo. É um carro que já tem uma presença aerodinâmica relevante, tem um sistema de câmbio com uma troca de marcha muito, muito rápida e, olhando os pneus, extremamente largos, acho que até mais largos do que a Fórmula 3 FIA. É uma categoria que começou agora em 2019 e já está com grid de 15 carros. Claro que precisa ainda ganhar um pouco mais de carros no grid, para aumentar ainda a competitividade. Os pilotos que hoje estão lá vieram da Fórmula 4, alguns da Fórmula Renault, e obviamente, alguns integram programas de desenvolvimento.

Hoje, esses programas de desenvolvimento procuram ter pelo menos um piloto por categoria, com desafios e objetivos claros de resultado. Então é uma pressão muito grande que os pilotos jovens já recebem desde cedo.

Por um lado, é bom, porque essa pressão já existe desde cedo, então na medida que ele vai passando de categoria, ele já está até acostumado com esse ambiente que se assemelha bastante com a Fórmula 1.

Por outro lado, é realmente bem diferente ter um patrocinador e um programa de desenvolvimento em cima, medindo seus resultados, contra um piloto que de repente tem lá simplesmente o pai financiando o sonho de um filho virar competidor profissional.

Assim é possível observar bastante a preparação profissional de alguns pilotos versus um desenvolvimento à moda antiga, num voo solo, objetivando através dos resultados chegar até uma categoria de alto nível.

Mas hoje, os programas de desenvolvimento dessas grandes marcas, estão muito focados em resultados e é totalmente comercial, digamos assim. É um grande negócio. É um grande negócio porque hoje os 20 lugares da Fórmula 1, são praticamente todos bloqueados pelas academias de pilotos, pelos programas de desenvolvimento.

Max Verstappen é um dos muitos pilotos do grid atual que vieram de programa de desenvolvimento

Max Verstappen é um dos muitos pilotos do grid atual que vieram de programa de desenvolvimento

Photo by: Simon Galloway / Sutton Images

Então hoje quase não existe um piloto acessar uma via paralela e conseguir chegar à Fórmula 1 de uma forma sólida e relevante.

Mas, se todos os lugares estão “bloqueados” por essas grandes empresas, como chamar a atenção desses programas e dar sequência a um plano profissional de carreira?

O piloto que tem potencial e atinge seus resultados seguramente vai ser procurado por um desses programas - ou vai ter que começar a fazer uma agenda comercial pra entrar e fazer parte de um programa, porque é realmente necessário pra se chegar hoje na Fórmula 1.

Isso vai acontecer mais claramente chegando à Fórmula 2. Obviamente na Fórmula 2 já estão praticamente mapeados os pilotos que vão ser promovidos pra Fórmula 1 em pouco tempo. Já existe um trabalho muito forte desses programas de desenvolvimento em tentar medir a evolução pra ter a certeza de que esse piloto é o piloto certo pra ser promovido pra Fórmula 1 e obviamente por trás disso tem toda uma questão comercial, que é como se fosse no futebol, aqueles investidores que apostam num jovem talento pra que no futuro ele consiga recompensar todos os investimentos feitos durante a carreira por esses grandes investidores ou grandes empresas do setor.

Em suma: Todo o piloto que almeja fazer uma carreira internacional, que almeja chegar à F1, precisa estar nas categorias certas, independentemente de qualquer coisa. Ele tem que estar disputando nas categorias que os pilotos oficiais estiverem correndo e tem que trazer resultado. Ele tem que vencer os pilotos que estão em programas de desenvolvimento. Essa é a melhor propaganda que qualquer piloto “avulso” pode ter: correr nos melhores campeonatos e conseguir bons resultados. Assim, automaticamente, as grandes empresas e as Academias vão olhar para esses pilotos. Esta é uma boa notícia para o piloto que não está apadrinhado: trazer resultado em categoria relevantes, com isso eu tenho certeza que o talento será reconhecido.

Desafios particulares para o Brasil

No caso brasileiro, temos um verdadeiro oceano para cruzar. Tem a questão da distância, o idioma, o aspecto cultural e principalmente o financeiro. Sabemos que nossa moeda é desvalorizada e os orçamentos na Europa são realmente muito altos. É muito complicado ganhar em reais e gastar em euros...

Então o piloto que for pra Europa e quer tentar de alguma forma ter essa carreira bem-sucedida, tem que ter um planejamento de carreira, tem que ter um planejamento muito sério e antecipado, para que o nosso suado dinheiro não seja jogado fora quando a gente faz a transição para os carros. Porque a Europa, eu considero uma jaula de leões no cenário do esporte a motor.

Você tem que estar muito bem preparado, pra que possa realmente sair de lá vitorioso. Recentemente voltei de lá, foram dois finais de semana de corrida do Gianluca Petecof, com seis largadas ao todo. Conseguimos trazer para o Brasil três vitórias, um segundo lugar e - por que não dizer?- ainda acabamos jogando fora uma vitória que era ganha.

Isso ilustra que, com o planejamento adequado, temos hoje um piloto brasileiro correndo no exterior, num grid de mais de 30 carros, com competidores de 19 países diferentes e sendo apontado como favorito do campeonato. A Ferrari está presente não só nas datas do calendário, mas no dia a dia do Gianluca. Ou seja, o projeto é muito sério e percebemos realmente a Ferrari colocando as fichas nesses jovens talentos que representam seu programa nas diferentes categorias.

Gianluca Petecof comemora vitória no pódio da F4 Alemã

Gianluca Petecof comemora vitória no pódio da F4 Alemã

Photo by: Divulgacao

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