Coluna do Farfus: A Mônaco da F1 X Mônaco do dia-a-dia
Neste exato momento, Mônaco começa a se desfazer da F1 para voltar à sua vida normal. Convidamos o colunista do Motorsport.com Brasil, Augusto Farfus, que vive no Principado desde 2006, para comparar o cotidiano do lugar com a agitação dos bastidores de uma das provas mais prestigiosas do automobilismo
Quem assiste ao GP de Mônaco pela TV não imagina que na verdade existem dois Principados: o do dia-a-dia e o da semana da F1, ou da preparação para F1. Existem inúmeras grandes diferenças.
A pista começa a ser construída na semana da Páscoa, que normalmente são seis ou sete semanas antes da corrida. Todos os anos é colocado um asfalto novo. É incrível a velocidade em que eles tiram o asfalto e dois dias depois colocam um totalmente novo, pronto para o GP. Por mais que o piso não sofra durante o resto do ano, há essa troca. Então, seis ou sete semanas antes da prova, Mônaco vai se transformando.
O trânsito vai se tornando cada vez mais caótico. Por exemplo, a escola que minha filha frequenta é exatamente onde fica o paddock da F1. Aos poucos temos problemas para estacionar, o acesso fica mais complicado com as pessoas trabalhando nas ruas e o trânsito vai piorando. Dentre os residentes habituais, poucos são fãs da F1, que na verdade traz um grande número de turistas, mas ao mesmo tempo, um trânsito terrível, uma confusão danada no nosso dia-a-dia, com caminhões chegando, as arquibancadas sendo montadas, tudo vai mudando.
A parte da piscina acaba tendo sentido único durante a montagem. Normalmente, ela é mão dupla, mas seis semanas antes e três ou quatro depois, ela tem um só (o mesmo da corrida de F1). Estamos falando de dois meses e meio, é um evento gigante para Mônaco e uma chateação para os moradores, como eu.
“Roubo” nos restaurantes
Mônaco vive do turismo, principalmente com o GP de F1. De quarta-feira a domingo da corrida, os restaurantes acabam mudando o menu, muitos chamam de ‘Menu F1’, ‘Menu Grand Prix’ e nesse período eles fornecem um menu fixo que de seis a oito vezes mais caro que o preço habitual. Quando me mudei para cá, em 2006, tem um restaurante italiano onde sempre vamos comer uma pizza, e em meu primeiro ano de F1 aqui, um jantar com minha família com uma pizza, que normalmente custaria 50 Euros, no domingo após a corrida, a nossa conta foi cinco vezes mais cara. Acabei arrumando uma confusão danada no restaurante, me senti roubado, fiquei doido, o gerente, que já me conhecia, veio e me disse que eram ordens do proprietário e que tinham que seguir o “menu GP” e que o preço era aquele.
Mônaco parece um país muito caro porque a maioria dos turistas que vem para cá estão aqui durante grandes eventos, que é diferente, em comparação com a Mônaco que vivemos todos os dias.
Rede hoteleira na mesma onda
Os hotéis também só vendem pacotes de quatro ou cinco noites a preços absurdos, então no inverno, sem evento, você consegue tarifas de 250 euros, durante a semana de F1 você tem que pagar uma diária de 1.500 euros pelo mesmo quarto. Mônaco acaba criando essa imagem de país caro justamente por causa desses eventos e que faz grande parte da renda do Principado.
O comércio continua sempre aberto, mas muitos órgãos públicos acabam fechando, assim como as escolas, porque o acesso fica praticamente impossível, tanto por causa da montagem, quanto pela bagunça. Muitos dos monegascos, e eu também, acabam saindo. Grande parte de quem mora em Mônaco acaba indo viajar. Durante muito tempo o GP de Mônaco conflitou data com as 24 Horas de Nurburgring e por sorte não estava aqui, mas este ano, como eu não estava na Alemanha, eu tive o fim de semana livre, e saí com a minha família, por causa da bagunça.
Com o direito de estacionar, mas nem tanto
A quantidade de iates se multiplica por 10. Fora os habituais, chegam aqui os maiores e mais modernos iates do mundo e fica uma disputa em quem tem o melhor barco ou o helicóptero, então fica realmente uma paisagem muito bonita aqui na costa. Todos os residentes habituais e proprietários ao longo do porto, que dá vista para a pista de F1, perdem a sua vaga. Você pode comprar uma vaga, que já é difícil, no porto da F1, mas na semana de corrida você não tem o direito de utilizá-la por causa dos direitos do Automóvel Clube e do Iate Clube de Mônaco, então você precisa entrar em uma fila para conseguir e tem filas de espera enormes para parar seu iate de frente para a pista.
VIPs e os VIPs da F1
Mônaco tem dois tipos de VIPs: os habituais, que são os esportistas, executivos, atores e tudo mais, que você encontra com frequência, e você tem aqueles que vêm somente ao GP. Então Mônaco tem dois tipos de vida, com dois países diferentes. O Principado tem três eventos grandes: além da F1, o Boat Show, que é uma feira de barcos e iates, e agora tem o campeonato de hipismo, com competições de salto. Fora isso, é um país supernormal, onde não existem paparazzis, que é proibido, onde o pessoal acaba encontrando tranquilidade. Eu era vizinho do ator Roger Moore e eu encontrava ele pelas manhãs no dia-a-dia, como uma pessoa normal.
Logicamente, muitos vêm morar aqui por causa de benefícios fiscais. Se você não trabalha em Mônaco, você não é tributado, e é o caso de todos esses atletas e personalidades.
Enfim, a tranquilidade
A partir da quarta ou quinta-feira após o GP de F1, Mônaco começa a entrar nos eixos voltando ao ritmo de vida normal, além de coincidir com o início do verão. Então, o ano começa agora, a melhor parte do ano em Mônaco é agora, que é o fim da primavera e começo de verão, quando a bagunça da F1 vai embora, o clima fica bom e você pode aproveitar a praia.
Morar em Mônaco é como morar em uma cidade do interior com todas as facilidades e luxos de uma grande capital. É um país extremamente seguro, minha filha tem sete anos e ela pega um ônibus público para ir à escola todos os dias de manhã sozinha. Todo o sistema de transporte público de Mônaco funciona muito bem, eu uso muito os ônibus daqui, ando muito a pé, só pego o carro em ocasiões diferentes, mas acabo utilizando patinete ou bicicleta. Optei por Mônaco por ter um estilo de vida que não teria em nenhuma outra cidade na Europa.
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