OPINIÃO: Alonso é exemplo de como personalidade pode derrubar até os gênios

Em sua coluna, editor-chefe do Motorsport.com Brasil, Felipe Motta, relata como viu a personalidade difícil de piloto espanhol atrapalhar os resultados em sua carreira

Felipe Motta entrevista Fernando Alonso

Confesso que nas últimas 24 horas me peguei pensando algumas vezes em Fernando Alonso. Ele é o personagem internacional que mais tive a chance (diria até honra) de acompanhar de perto no esporte. Quando cheguei à F1, em 2004, o mais comum era a imprensa brasileira ouvir os pilotos do Brasil.

Com Rubens Barrichello andando entre os ponteiros a situação era até ok, mas em 2005 ficou gritante não ouvir os gringos. Naquele ano, a Ferrari tinha um carro ruim e Rubinho ficava no meio do bolo, enquanto Felipe Massa, de Sauber, podia no máximo lutar pelos pontos.

Até por isso eu me sentia mal de mandar boletins para a rádio Jovem Pan apenas com sonoras de dois pilotos que estivessem em 5º e 12º. Como não explorar aqueles que lutavam pelo título? 

Por isso, além dos brasileiros, passei a ouvir diariamente os pilotos que lutavam pelo título. No caso, Alonso e Kimi Raikkonen. Michael Schumacher estava fora da luta, mas era 7x campeão mundial. Então, sempre punha o alemão na rota das entrevistas.

Adoro Kimi, um grande personagem da F1, mas foram necessários poucos GPs para eu perceber que a roda boa era a dos jornalistas espanhóis. Eu ia lá como se eu fosse um deles. Alonso era ótimo nas entrevistas, e pouco a pouco me respondia como se fosse espanhol. Para construir isso, minha estratégia era sempre ficar quieto nas coletivas. Se eu tentasse o tempo todo emplacar perguntas, os colegas pegariam uma birra, pois o tempo disponível dos pilotos era muito curto. Então, eu fazia uma pergunta no final das coletivas, quando desse, e se de fato julgasse boa. Caso contrário, apenas gravava.

E foi assim que acompanhei seu bicampeonato com a Renault. O asturiano não tinha o carro mais veloz nos dois casos, mas o projeto era confiável, além de muito eficiente. E conduzindo o carro um gênio. Sim, Alonso é gênio! Se não é Pelé, é Messi, CR7. Bateu o recorde de campeão mais jovem que durava 30 anos, desde Emerson Fittipaldi.

Sua genialidade podia ser medida em qualquer momento. Vencia corridas improváveis, analisava o campeonato em profundidade como nenhum outro piloto e dava ótimas entrevistas. Um estrategista, um cara mestre "na Arte da Guerra".

Mas foi em 2007 que Alonso viveu o ano que definiu todo o restante de sua carreira. Sua ida à McLaren tinha tudo para ser de muito sucesso. Mas ninguém imaginava que Lewis Hamilton daria aquela canseira logo no primeiro ano. Em Mônaco, quando o inglês soltou a famosa frase "tenho o número 2 no meu carro, portanto sou o número 2 do time" a coisa começou a degringolar. Alonso cobrava Ron Dennis (queria ser número 1 incontestável), que bancava Lewis. A coisa terminou com a famosa chantagem de Alonso de que entregaria a equipe após realizar espionagem na McLaren.

Em Spa, naquele ano, tive o momento mais importante da minha carreira em relação a Alonso. Ele respondia às perguntas da imprensa espanhola, geralmente protetoras a ele, já que é até hoje um dos esportistas mais importantes da história da Espanha. Era uma rodinha e eu estava atrás de seu ombro (a foto acima é exatamente deste momento). Quando começou a levantar, soltei uma pergunta, meio que no pé do ouvido, que me lembro até hoje como foi a construção: "Fernando, pensa ser possível viver em uma casa como essa por 3 anos?". A resposta foi: "Não sei, não sei..." 

Pela primeira vez, admitia publicamente a possibilidade de deixar a McLaren. E foi o que fez. Alonso tinha 26 anos, uma vida inteira pela frente, era o melhor do grid, o homem que interrompeu a sequência de Schumacher... Confiança em alta, tinha dentro de si que não precisava ficar engolindo sapos em Woking. Uma hora apareceria uma chance ideal. Mas ela nunca apareceu.

Foi para a Renault para esperar a vaga que já era sua na Ferrari. No time italiano, bateu na trave duas vezes, mais pelo seu talento excepcional, do que pelo que tinha em mãos. Mas a chance de ouro nunca voltou a cair no colo. E conforme ela não chegava, ele foi arrumando confusão e rachando ambientes.

É importante registrar que mesmo que ficasse na McLaren não há a menor indicação que seria campeão de novo. Em 2008, Hamilton venceu. Poderia ser Alonso? Claro. Mas poderia não ser. Acredito que com um carro bom sempre estaria na disputa, e com isso engordaria números em pódios, vitórias e, talvez, títulos. Mas isso não dá pra apostar.

O que certamente aconteceria é que Alonso não teria virado uma alma penada no grid, um talento raro que chamava mais atenção pelos rádios hilários e declarações que ridicularizavam a própria situação. E isso ocorreu graças ao seu temperamento explosivo, difícil, que fazia com que chefes de equipe montassem uma equação em que avaliassem "talento x problemas", cujo vencedor é o segundo fator.

Desta forma, deixou de ser opção pra qualquer um. Que Alonso seja um exemplo para qualquer trabalhador que tenha talento, mas que ache que isso o colocará acima de qualquer circunstância. Se não serviu pra ele, dificilmente servirá pra você.

Ainda assim, agradeço a tudo que Alonso fez e que pude testemunhar. É um monstro, um gigante, que deixa a F-1 com números menores do que ele próprio. Vai agora ser feliz, Alonso, fazendo o que deveria acontecer todo ano: lutar pra ser o primeiro, seja qual for a competição.

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