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CEO da Fórmula E analisa futuro da categoria, papel social do esporte e importância do eSport

Jaime Reigle deu uma longa entrevista ao Motorsport.com traçando um panorama da situação atual da categoria e como o esporte tem poder de mudar o mundo

Sébastien Buemi, Nissan e.Dams, Nissan IMO2

Sébastien Buemi, Nissan e.Dams, Nissan IMO2

Alastair Staley / Motorsport Images

Série Pensamento dos líderes

Série Pensamento dos líderes

A Fórmula E, principal categoria de monopostos elétricos do mundo, é um campeonato de automobilismo com um propósito, visando um futuro mais sustentável. E com as mudanças drásticas que o mundo passou nesse ano, a categoria está em condições de capitalizar em cima disso.

A F-E está em hiato entre temporadas. O sétimo ano do campeonato começa em janeiro após uma maratona bem sucedida em Berlim no mês passado, usando um plano similar ao da UEFA com a Liga dos Campeões. A F-E fez seis corridas em nove dias no aeroporto Tempelhof para coroar seu campeão. 

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Foi o tipo de pensamento inovador que tipifica o esporte a motor e a F-E em particular. Então qual é o próximo passo da categoria? Ela depende das montadoras, que estão sofrendo com seus próprios desafios, e manter o controle de gastos é essencial.

Para a série #ThinkingForward, com líderes do esporte a motor, falamos com o CEO da F-E Jamie Reigle sobre entretenimento, como a categoria analisa tetos orçamentários como o da F1 e a previsão para o retorno dos fãs.

Qual impacto você acha que a crise da Covid terá na busca pela mobilidade elétrica, que já existe, além da descarbonização do esporte a motor, e como você acha que isso impactará a atitude da montadoras e seus focos para o esporte no futuro?

No final de março, estávamos em uma situação preocupante. Se você se lembrar, estávamos em uma situação de incerteza sobre o destino do futuro. Eu acredito no potencial da F-E a longo prazo. Acredito no poder do esporte para inspirar. Não tenho dúvidas sobre essa trajetória a longo prazo.

Igualmente, independente da forma de esporte a motor, somos todos negócios de eventos ao vivo com exposição da indústria. E, em abril, o momento era de incerteza. Acho que o que vimos é o crescimento da agenda climática e da busca por veículos elétricos. 

Com a disrupção econômica da crise, você viu muito apoio do governo e estímulos às economias. Em lugares como França, Alemanha e Reino Unido, muitos subsídios eram voltados à tecnologias sustentáveis. Então olhamos para isso de modo positivo. Não dói ter o apoio do governo!

E sentimos muito bem sobre nossa posição, mas estamos cientes dos desafios enfrentados coletivamente, temos que descobrir um modo de trazer nosso produto de volta, temos que ver um jeito de fazer os eventos de modo seguro e ter os fãs de volta. Por mais que eu esteja orgulhoso do que fizemos em Berlim, estaria mentindo se não dissesse que teria sido melhor com os fãs.

Jamie Reigle, CEO of Formula E with Antonio Felix da Costa, DS Techeetah on the grid

Jamie Reigle, CEO of Formula E with Antonio Felix da Costa, DS Techeetah on the grid

Photo by: Dom Romney / Motorsport Images

Voltando para o início do isolamento, ninguém estava comprando carros e as montadoras começaram a pensar no futuro. Agora, o mundo voltou a se abrir e os carros estão sendo vendidos novamente. A F-E é muito dependente das montadoras - o que você está ouvindo delas sobre o interesse em investir no esporte a curto e médio prazo?

Bem, passamos muito tempo falando com todas nossas equipes, especialmente as montadoras que tem seus produtos ligados à F-E. E, em termos simples, nossa prioridade é fazer o esporte crescer, ter mais audiência, torná-lo o mais popular possível, tornando-o interessante para os investimentos de grandes montadoras.

É preciso ter um caminho para o lucro, é preciso ter um retorno do investimento, e passamos muito tempo durante a paralisação com a FIA e os representantes, as equipes e as montadoras, tentando analisar o que podemos fazer em nosso modelo de negócios.

Não podemos controlar quando a situação do vírus seria resolvida, onde iríamos correr e quando. Algumas dessas coisas são variáveis desconhecidas, mesmo hoje, olhando para 2021.

O que podemos controlar são as visões. Podemos descobrir o quão atrativo é participar da F-E? O quanto custa montar uma equipe competitiva? O DNA do campeonato é que qualquer time e piloto possa vencer e Alejandro [Agag, fundador da categoria] montou algo de modo que podemos manter os gastos sob controle no limite do possível.

Mas qualquer coisa ligada à inovação e esporte a motor tem gastos, que infelizmente tem um hábito de crescer. Então olhamos de perto à restrições. Não sentimos que atrasar o Gen 3 seria o sinal ideal para o mercado, porque somos uma categoria de progresso e precisa ter uma ligação com a inovação e com os programas de carros de rua.

Então queríamos lançá-lo, mas tornando essa geração atual mais longa. Então serão quatro anos em vez de três. Vamos ter duas homologações em vez de quatro. Isso tem um impacto nos gastos. E nosso trabalho como campeonato é aumentar a audiência, para que eles obtenham dinheiro e patrocínio.

Oliver Rowland, Nissan e.Dams, Nissan IMO2

Oliver Rowland, Nissan e.Dams, Nissan IMO2

Photo by: Alastair Staley / Motorsport Images

Olhando de fora, parece que o negócio é ter o balanço ideal entre as montadoras e as demais, deixando espaço para conversas sobre inovação. Olhando para o que a F1 fez com o teto orçamentário e uma busca por nivelar o grid no regulamento, há discussões sobre isso rolando na F-E?

Absolutamente, temos uma responsabilidade de desenvolver um modelo de negócios lucrativo para nós e os investidores. O desafio é que cada equipe e cada montadora se junta ao campeonato com objetivos diferentes. Então vamos tentar normalizar isso até certo ponto mas, no final, você tenta focar em um produto atrativo.

E para a Fórmula E isso significa que cada equipe tenha uma boa chance de vencer. Onde o investimento se direciona nos carros permitirá a cada equipe ou montadora poder contar uma história diferente. No nosso caso, o negócio é a unidade de potência e o desenvolvimento de software que converte energia da bateria para a unidade.

E você pode lidar com as restrições de recursos: estamos analisando um teto orçamentário ou regulação financeira. Não estamos no mesmo patamar da F1 e, obviamente, eles foram bem sucedidos nisso, o que eu acho bom. Um dos lados bons de uma crise como essa que ela nos força a focar.

Quando eu comecei, há um ano, me deixaram claro que isso não seria possível no esporte. Por mais que exista em muitos outros. Então ou você acredita que o esporte a motor é único nesse sentido, ou compreende que é uma questão de regulamento e cumprimento. Mas para ter tudo isso, você precisa da vontade dos demais. E acho que é isso que vimos nos últimos meses.

Então eu não cravar aqui que definitivamente faremos isso, mas é algo que definitivamente está na pauta e acho que seria um sinal positivo, reforçando o retorno do investimento, tanto para as equipes já existentes quanto para os novos investidores que estão considerando se juntar.

Jamie Reigle, CEO of Formula E

Jamie Reigle, CEO of Formula E

Photo by: Dom Romney / Motorsport Images

Então o esporte tem um senso forte de missão e propósito, tendo já tocado no último tópico e na mobilidade elétrica, mas a F-E tem se provado um grande entretenimento também. As corridas são próximas, e há muita ação, como você se sente como um produto de entretenimento?

Se você olhar para os ingredientes dos melhores esportes, que são comercialmente bem-sucedidos, eles tem fãs muito apaixonados, e essa é a nossa ambição. Quais são as características deles? Eles são inseridos em uma cultura autêntica, com um produto competitivo e resultados imprevisíveis.

E quando eu olho para a F-E, vejo que temos muitos desses ingredientes. Temos o tópico da mobilidade elétrica andando junto. O modo que a FIA, a F-E e o Alejandro Agag montaram a qualificação mexe com a ordem. A natureza da competição é tamanha que, a cada quatro corridas, temos três vencedores diferentes em média. E isso é fantástico para o entretenimento ao vivo. Temos todos os ingredientes aqui.

Falando sobre a experiência do fã, vamos olhar para a próxima temporada. Ela vai começar em janeiro. Vamos ter fãs nas provas quando chegarmos a Londres, daqui a quase um ano e com casa cheia?

Acho que os últimos seis meses mostraram que não é ideal fazer previsões ousadas sobre o futuro em meio à pandemia. Mas ficarei triste se não tivermos fãs em pelo menos algumas das corridas no próximo ano. Acho que, olhando para 2021, não há dúvidas que o mundo seguirá impactado pela Covid.

Com isso, vai depender de cada país que visitarmos, e as regras; quantas pessoas poderão estar presentes em um local ao mesmo tempo, e muitas outras variáveis envolvidas.

Apesar de estamos vendo uma segunda onda de contaminações em muitos países, sinto confiança quando vejo o que fizemos em Berlim. Conseguimos mostrar que há como fazer mesmo apenas em um único local, fazer eventos com fãs ao redor da cidade, o que ajudaria no engajamento e na ativação de patrocinadores. Então acredito que precisamos nos adaptar e sermos flexíveis.

Vejo a Alemanha e o futebol como exemplo. No momento, eles permitem mil pessoas por evento. Pelo que sei, nos próximos meses eles querem aumentar para cinco mil. Não posso fazer uma previsão ousada para você agora, mas, com certeza, vamos buscar um modo de ter fãs presentes em Londres.

Edoardo Mortara, Venturi, EQ Silver Arrow 01

Edoardo Mortara, Venturi, EQ Silver Arrow 01

Photo by: Sam Bloxham / Motorsport Images

E falando sobre acessibilidade ao esporte, obviamente o eSport é um componente crítico de qualquer esporte, particularmente o automobilismo no momento. Assim como muitos dos envolvidos, vocês estiveram ativos no período de isolamento com o Race at Home. O que isso ajudou em termos de desenvolvimento da categoria no eSport e na acessibilidade, com novas pessoas descobrindo o esporte?

Verdade seja dita: não fomos os primeiros a atacar esse mercado. Eu me lembro que em março, haviam várias iniciativas surgindo e pensávamos que, por não sermos os primeiros, queríamos nos destacar dentro do esporte.

Fizemos a parceria com a UNICEF porque sentíamos que era apropriado e queríamos ajudar os jovens que sofrem com a Covid. Formamos um produto diferenciado ao garantir a presença de todas as equipes e pilotos da F-E. E ainda fizemos o grid de desafiantes, que acabou criando um produto único, uma corrida de gamers e celebridades. A audiência foi ótima.

Tivemos mercados com audiências tão grandes quanto as de nossos eventos regulares. Mostra que temos que trabalhar em cima dos eventos ao vivo! Mas também mostra um apetite e a audiência é claramente mais jovem. Com coisas como o modo ataque o fan boost, já somos uma mistura das corridas do mundo real e do virtual, então a diferença não é tão grande.

Mas atingiu um ótimo propósito de misturar esse público. Todas as equipes e pilotos aprovaram e disseram que gostariam que isso continuasse, e agora estamos trabalhando em como apoiar o campeonato principal e acessar essa audiência complementar.

Antonio Felix da Costa, DS Techeetah, DS E-Tense FE20, at the start of the race

Antonio Felix da Costa, DS Techeetah, DS E-Tense FE20, at the start of the race

Photo by: Zak Mauger / Motorsport Images

Todos nos sentimos mais vulneráveis, diria que o mundo todo, como resultado da pandemia, especialmente negócios que dependem de eventos como o esporte. Quais passos vocês estão tomando para garantir o futuro da Fórmula E?

A F-E é meio única no sentido que foi fundada tendo como base o princípio de tornar o mundo melhor, lidando com as mudanças climáticas através dos veículos elétricos. O mundo está enfrentando uma série de desafios: Covid, igualdade racial, problemas de justiça social, que dominaram a agenda nos últimos meses e acho que veremos 2020 com um ponto de mudança do esporte, com a expectativa dos fãs de usarmos as plataformas para o bem maior.

Tivemos muito tempo para refletir sobre isso, como F-E, e dissemos que, em termos simples, nosso objetivo é buscar um futuro melhor. Essa é a função da F-E, em termos de mudanças climáticas, mas para onde deveríamos voltar nossa plataforma também? Usamos ela para falar sobre igualdade, que é muito importante, e foi assim que surgiu a iniciativa "Recarga Positiva", que um ponto de luta para nós, nossos funcionários, e que chega também em nossos parceiros e fãs.

Nosso objetivo é olhar para trás daqui a cinco anos e dizer: "Nossa, que momento incrível foi aquele". E, como esporte, temos que manter nossa humildade quanto a isso. Mas o esporte também tem um poder maravilhoso de exibir o melhor da humanidade, e estamos tentando fazer nossa parte.

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