ANÁLISE: Ducati vive clima de 'guerra civil' na MotoGP que precisa ser tratado com cuidado
Incidente entre Márquez e Bagnaia em Portugal pode ser apenas o primeiro capítulo de algo maior
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O primeiro foco de incêndio para a Ducati na temporada 2024 da MotoGP veio no último fim de semana, no GP de Portugal, quando Francesco Bagnaia e Marc Márquez se envolveram em um incidente. Apesar de ter sido visto como um incidente de corrida pelos comissários, opiniões distintas sobre a batida colocam a Ducati em uma posição delicada para enfrentar o que será o maior teste do ano.
O clamor e o barulho das teclas enfurecidas puderam ser ouvidas em todo o mundo no último domingo, às 14h39, horário local de Portugal, enquanto as redes sociais entravam em frenesi por causa da disputa entre Márquez e Bagnaia. Foi um incidente do qual a Ducati havia recebido muitos avisos no ano passado, quando surgiram os primeiros rumores de uma ida do espanhol para a Gresini, para correr com uma Desmosedici do ano anterior.
Horas antes de Márquez fazer sua primeira aparição a bordo da GP23 no teste de pós-temporada de Valência, em novembro do ano passado, o diretor-geral da Ducati, Gigi Dall'Igna, disse à imprensa que "a posição da Ducati era de que certamente não queríamos Márquez". Seus comentários tinham como origem o fato de que, desde a saída de Andrea Dovizioso, a montadora havia encontrado "paz".
Esse novo ecossistema vem sendo liderado por Bagnaia, agora bicampeão, com a segunda vaga na equipe oficial sendo de Enea Bastianini - que impressionou em 2022 na Gresini Ducati. Isso lhe rendeu a promoção em cima de Jorge Martín, vice-campeão de 2023, que corre com uma moto do ano na Pramac.
Para além dessas duas equipes, a Ducati tem ainda sob seu guarda-chuva Marco Bezzecchi, vencedor de três GPs em 2023, na VR46, também com a moto de 2023, além de Fabio Di Giannantonio e Álex Márquez, que já mostraram potencial, mas que não possuem contratos diretos com a marca.
Marc também tem contrato com a Gresini, e não com a Ducati. Mas a ameaça que ele representa para ecossistema é algo discutido há tempos , já que a montadora - que acabou acatando de forma melhor a chegada do hexacampeão com o passar do tempo - não conseguiu parar Nadia Padovani, dona da Gresini.
Para a surpresa de ninguém, assim que Márquez subiu na GP23, o tom da direção da Ducati tem sido de elogios e intriga, além de considerações sobre uma possível 'subida' do espanhol em 2025, para assumir uma moto do ano.
A performance de Márquez na Ducati tem cumprido as expectativas, e mexe com um cenário que, até então, era de paz
Foto de: Gold and Goose / Motorsport Images
"Marc já mostrou todo seu talento e classe através de uma habilidade própria de adaptação: ele já é um competidor a ser temido mesmo em uma moto que lhe é completamente nova, a primeira de nossas motos de 2023", disse Dall'Igna em seu post pós-GP do Catar no site da Ducati. "A experiência e o desejo de um campeão querendo novamente tomar as rédeas de seu destino fará diferença nessa aventura".
O progresso de Márquez na GP23 do Catar para Portugal ficou evidente. Mesmo com três erros que, segundo ele, seriam evitáveis com mais quilometragem - com o mais crítico deles sendo a queda na classificação ao ativar o holeshot cedo demais - ele está convencido que "encontrou a velocidade".
Largando de oitavo, Márquez foi o segundo colocado na sprint, garantindo seu primeiro pódio de Ducati. O GP foi mais complicado, e seu ritmo não foi bom o suficiente para entrar na briga. Mas a abordagem paciente que ele vem adotando até aqui o deixaram em sexto na maior parte do GP, antes de ver uma oportunidade de ultrapassar o Bagnaia pela quinta posição - o que se tornaria quarto depois, com o incidente de Maverick Viñales.
"Para mim, foi um erro de Pecco, mas não somente o incidente"
Marc Márquez
Na volta 23, Márquez conseguiu ultrapassar Bagnaia em um erro do italiano na curva 4, devido a um problema que já havia lhe custado a chance de brigar pela vitória no GP de Portugal. Na curva 5, morro abaixo, Bagnaia tentou dar um X, recuperando a posição por dentro, mas os dois acabaram se tocando, caindo e ficando fora dos pontos.
Os comissários investigaram o incidente, mas julgaram que não era passível de punições. Enquanto um pode argumentar que Márquez poderia ter deixado mais espaço, sabendo de uma possível retaliação de Bagnaia, outro poderia dizer que o italiano poderia ter percebido que Márquez não teria como ver, devido ao ângulo da curva.
Bagnaia ficou "bravo" com o fato de não ter pontuado, o que deixou Martín 18 pontos à frente do segundo colocado no Mundial (e a 23 de Pecco em quarto). Mas ele, pelo menos publicamente, aceitou o fato de ser considerado um incidente de corrida pelos comissários.
Já Márquez teve uma avaliação diferente: "É impossível para dois pilotos estarem em concordância uma hora após o incidente. Mas quando eles entram na direção de prova... eu disse que era um incidente de corrida bem próximo do limite".
Bagnaia sai de Portugal vendo Martín quase um GP à frente na pontuação do Mundial
Foto de: Gold and Goose / Motorsport Images
"Os comissários devem decidir qual é o limite. Para mim, foi um erro de Pecco, mas não só pelo incidente. Porque, no fim, ele tentou voltar - ok, ele foi otimista demais e contatos podem acontecer. Mas foi um erro quando estávamos lutando pela quinta, sexta posição - dois pontos a mais, dois pontos a menos. E ele estava sofrendo muito, especialmente com os pneus traseiros.
"No fim, com três, quatro voltas para o fim, você sabe que vai perder posição, não é necessário tentar recuperar de forma tão agressiva. Mas ele decidiu por isso e a consequência é que a Ducati sai com zero pontos".
Essa última frase é bem fria, porque o comentário pode ser interpretado com Márquez dizendo que Pecco não estava agindo no melhor interesse da Ducati. Mas essa é uma característica chave do espanhol: ele sempre pensa antes de falar com a imprensa. Nada é dito no calor da raiva.
Isso fica evidente na sequência da entrevista: "Não falei com o pessoal da Ducati, apenas Davide [Tardozzi - chefe da equipe]. O lado bom é que eles têm a telemetria, eles podem ver o que aconteceu".
Márquez disse à imprensa espanhola que "não está aqui para pensar em vingança", quando foi questionado sobre o GP das Américas. E nem precisa, porque ele já revidou. Sua coletiva veio após a de Bagnaia, cuja diplomacia sobre o incidente ficará como o seu lado da história até o dia de mídia nos EUA.
O fato é que Márquez teve a chance de abordar o caso da mesma forma que Bagnaia. Mas é possível olhar para isso como a primeira chance do espanhol de criar um burburinho entre os pilotos que ele vê como candidatos ao título, caso sua trajetória de adaptação à Ducati continue. Seus comentários sobre telemetria também forçarão a Ducati a revelar detalhes que, em algum ponto devem apenas absolver Marc.
Márquez e Bagnaia adotaram posturas diferentes após o acidente
Foto de: Gold and Goose / Motorsport Images
Até então, Márquez e Bagnaia não havia se cruzado de fato. A ascensão do bicampeão coincidiu com os problemas do espanhol, enquanto em 2023 a Honda não chegou nem perto da Ducati. Portugal marca apenas o primeiro round dessa disputa, mas também pode ser um precursor, com Márquez podendo ir pra cima do outro grande nome da marca - Martín.
Um incidente entre Bagnaia e Martín pode facilmente ser tratado internamente. Ambos são contratados da Ducati, então respondem à mesma autoridade. Márquez está com a moto do ano anterior e com pouco apoio da marca, sendo contratado da Gresini. Controlá-lo será mais difícil para a Ducati.
A gerência da Ducati fez várias coisas corretas ao longo dos últimos anos, e os resultados são recompensa por isso. Mas conter o incêndio em potencial causado pelo incidente de Márquez e Bagnaia é o maior desafio enfrentado em algum tempo. E isso pode definir o ano da Ducati.
Ducati tem um grande desafio pela frente: manter a paz entre Bagnaia e Márquez
Foto de: Gold and Goose / Motorsport Images
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