35 anos: Chico Serra lembra último ponto da Fittipaldi na F1
Com poucos recursos e muitas dívidas, ex-piloto recorda tempo difícil na temporada de 1982, GP da Bélgica e morte de Gilles Villeneuve
O dia 9 de maio de 1982 é até hoje um marco da história do Brasil na Fórmula 1. Nesta data, se realizava o GP da Bélgica, em Zolder. A prova, mais famosa por ter marcado a morte do lendário canadense Gilles Villeneuve nos treinos, também foi palco para o último ponto da única equipe brasileira na história do campeonato, a Fittipaldi Automotive – Copersucar Fittipaldi nos anos 70.
O responsável por este último sucesso do time - que conquistou três pódios na F1 - foi Chico Serra. Mais famoso por sua carreira no automobilismo brasileiro, que inclui um tricampeonato consecutivo na Stock Car nos anos de 1999, 2000 e 2001, o paulista fez uma boa corrida e finalizou em sétimo na ocasião.
No entanto, após o GP a FIA desclassificou o terceiro colocado Niki Lauda por estar com sua McLaren abaixo do peso e promoveu Chico ao sexto lugar (na época apenas o top-6 pontuava: 9-6-4-3-2-1), fazendo o brasileiro conquistar seu primeiro e único ponto na carreira.
Em entrevista ao Motorsport.com, Serra relembrou o momento e a tensão vivida naquele final de semana.
“Lembro bem desta prova. Marquei pontos, teve a morte do Gilles Villeneuve no sábado. Ela foi bem marcante para mim”, disse.
“E naquela época eram só os seis primeiros que pontuavam. Com os problemas financeiros que tínhamos na equipe, isso era muito complicado. A gente sequer pensava mais em pontuar, porque estávamos ficando para trás no desenvolvimento.”
Chico lembra uma disputa com o então atual campeão Nelson Piquet durante a prova e que seu carro perdeu potência no fim, o fazendo terminar apenas em sétimo.
“Naquela corrida a gente estava surpreendentemente bem. Lembro que briguei com o Piquet durante a prova. Ele estava com a Brabham BMW, que ainda estava sendo desenvolvida.”
“No fim o Piquet me passou, chegou mais na frente (4º) e finalizei em sétimo depois de outros carros me passarem. Mas o Lauda foi desclassificado por falta de peso e aí subi para sexto. Foi muito legal ter pontuado.”
Morte de Gilles Villeneuve
O GP da Bélgica de 1982 estará para sempre na boca dos fãs da Fórmula 1 pelo ocorrido no sábado, durante a classificação. Após sofrer uma derrota amarga para o companheiro Didier Pironi na prova anterior em San Marino (o francês desobedecera uma ordem da Ferrari para o canadense ganhar), Gilles Villeneuve só se interessava pela vitória em Zolder.
No entanto, durante sua última volta rápida na classificação, ele acabou acertando a March de Jochen Mass que voltava para os boxes e decolou com sua Ferrari, que se desintegrou após diversas capotagens. O impacto partiu o cockpit do carro, e Villeneuve foi jogado para fora. Amarrado ao banco, ele parou em uma das telas de proteção utilizadas na época para reduzir a velocidade dos carros que saiam da pista.
O piloto morreu na hora, mas sua morte oficial só foi declarada horas depois no hospital.
Chico lembra bem do ocorrido, mas diz que o mundo da Fórmula 1 não sentiu a perda do canadense como sentiria se um piloto morresse hoje. “Infelizmente naquela época isso era mais comum na Fórmula 1. Se você pegar antes disso, nos anos 70, pelo menos um por ano morria.”
“Óbvio que foi um choque, porque é um colega, era um cara de peso e expressão na Fórmula 1. Foi também um acidente trágico. Ele subiu no Jochen Mass e capotou. Ele morreu ali na hora, né. Foi para o hospital, aquela coisa toda, mas tinha morrido antes. Mas não houve uma grande comoção entre os pilotos.”
“Tinha um contato normal com ele, na pista mesmo. Na época a gente tinha a associação de pilotos que teoricamente nos unia mais. E foi este o ano que fizemos aquela greve na África do Sul (nota: Devido às condições impostas pela FISA para a obtenção das superlicenças, os pilotos ameaçaram não correr naquele final de semana), com todos nós dormindo no mesmo salão. O Villeneuve era um dos líderes, por isso tive um grande contato com ele. Mas era só profissional mesmo.”
Questionado se Villeneuve um dia seria campeão como muitos dizem, Serra afirmou não ter tanta certeza apesar da grande habilidade do piloto. “Talento não faltava nele, mas ele não era um piloto muito preocupado em fazer pontos para vencer um campeonato. Ele era um showman, e os italianos adoravam isso.”
“Era um cara que dava o máximo volta a volta. Você vê: O (Jody) Scheckter foi campeão sendo parceiro dele mesmo não tendo, por assim dizer, tanta velocidade natural. Eventualmente ele poderia ser campeão, estando em um time bom e na hora certa. Mas é muito difícil dizer.”
“De qualquer forma, achava ele mais piloto que o filho, o Jacques. Só que o Jacques foi campeão do mundo.”
Fim da Fittipaldi Automotive
O ponto de Chico Serra no GP da Bélgica foi o ‘canto do cisne’ da equipe Fittipaldi na Fórmula 1. Criada em 1975, a escuderia perdeu o apoio da empresa Copersucar após a temporada de 1979 e a partir de 1981, após a saída de Emerson Fittipaldi, não teve mais um grande anunciante.
A equipe acabou ao fim de 1982 por problemas financeiros, mas para Serra o time tinha muito potencial que não poder ser utilizado devido ao pouco sucesso na área comercial.
“A gente estava com um carro só em 1982. Isso era um grande problema”
“O Emerson (Fittipaldi) tinha assinado um patrocínio com uma petrolífera alemã que acabou não indo para frente. Ficamos aquele ano inteiro praticamente sem poder treinar e desenvolver nada. Prejudicou muito o time. Tínhamos patrocínios esporádicos do Brasil, como Caloi e Café do Brasil, mas eram coisas não sustentavam uma equipe de Fórmula 1. Faltava bastante dinheiro.”
“O carro novo que conseguimos trazer no meio daquele ano (o F9, que substituiu o F8D) era bom. Andei com ele em Brands Hatch (Inglaterra), mas aí acabei batendo com o (Jean-Pierre) Jarier no início da corrida e nem conseguimos reparar este chassi. Acabamos o ano com o outro carro mesmo.”
Chico diz que não fica chateado com o fato de sua carreira na Fórmula 1 ter durado pouco. Para ele, ter ido para a Fittipaldi foi o melhor naquele momento. “Tive outras propostas para entrar na Fórmula 1, da Tyrrell, da Shadow e da Arrows também. Hoje é fácil falar, mas a Fittipaldi tinha adquirido a Wolf não fazia muito tempo, e o time era bem estruturado.”
“Tinha muita gente boa trabalhando lá dentro. Era uma das equipes boas da F1. Para você ver: Meu companheiro em 1981 foi o Keke Rosberg, que foi campeão um ano depois, meu chefe de equipe era o Peter Warr que teve muito sucesso na Lotus, e o projetista era o Harvey Posthtlewaite (que chegou a trabalhar na Ferrari). Mas infelizmente não aconteceu a grana, não tivemos patrocínio.”
“Em 1981, eu comecei em Long Beach e já fui sétimo. Foi uma boa corrida, mas acabamos nos perdendo pela falta de desenvolvimento. Isso nos atrasou muito. Então, ficar pensando se teria sido melhor se eu tivesse ido para a Arrows ou não, não adianta. Na época eu achei que era a decisão certa. Aconteceu isso. Eu te afirmo: na minha época só não tivemos sucesso por falta de grana. Tínhamos as ferramentas para andar bem, mas faltaram os recursos para fazer tudo funcionar.”
Serra, que saiu da F1 após quatro corridas pela Arrows em 1983, admite que ser o responsável por substituir Emerson Fittipaldi na F1 foi um dos fatores que o levaram a fechar com o time brasileiro: “O Emerson e o Wilson me chamaram para conversar e o Emerson me disse: ‘eu vou parar e queria que você fosse o meu substituto’. Pô, eu era um moleque na época, tinha 23 anos. Isso me deixou muito orgulhoso. Era natural – o Emerson foi o cara que abriu as portas para todos na Europa, era um bicampeão de F1. Então, foi diferente.”
Briga com Boesel no Canadá
Chico também comentou um dos momentos mais famosos de sua carreira, quando brigou com Raul Boesel após o fim da classificação do GP do Canadá. Depois de supostamente ser segurado pelo brasileiro da March de propósito, Serra foi tirar satisfações com o colega.
A discussão gerou um conflito físico, apartado pelas pessoas ao redor. Para Serra, hoje a briga é motivo de muitas risadas junto ao amigo Raul.
“(Já falamos disso) muitas vezes. Eu conheço o Raul há muito tempo, somos amigos e já éramos amigos antes”, disse.
“E no Canadá no sábado aconteceu aquilo, que um bateu no outro. Se você for pensar hoje, é uma situação ridícula. Dois brasileiros no Canadá, correndo de F1 e fazendo aquilo? Hoje a gente dá risada de tudo, mas aconteceu.”
“Na hora eu queria matar ele e ele me matar também. Acabei não me classificando para aquela prova. Mas realmente foi uma comédia.”
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