ANÁLISE: Tensão atual entre F1 e FIA tem origem em polêmico acordo assinado em 2001; entenda

O episódio entre Toto e Susie Wolff foi apenas a ponta do iceberg, em uma tensão que pode ser rastreada a uma decisão mal pensada tomada pela FIA há 22 anos

Mohammed bin Sulayem, presidente da FIA, e Stefano Domenicali, CEO da Fórmula 1, no grid

Foto de: Mark Sutton / Motorsport Images

Não é preciso ser um gênio para entender que as relações entre FIA e a Liberty Media, detentora dos direitos comerciais da Fórmula 1, não vão bem. O estilo de liderança que vemos do presidente da FIA, Mohammed ben Sulayem, tem ajudado a colocar o órgão regulador diversas vezes em rota de colisão com a Formula One Management (FOM) desde que assumiu o cargo, no fim de 2021.

Isso se viu na maneira com a qual a FIA lidou com a polêmica do GP de Abu Dhabi de 2021, a controvérsia em seus comentários sobre uma possível aquisição da F1 por um grupo de investimentos sauditas, seus planos de ampliação do grid da F1 com a Andretti e as perguntas feitas sobre vários aspectos administrativos do esporte (limites de pista, proibição do uso de joias pelos pilotos, código de conduta e comportamento dos participantes).

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A frustração alcançou seu ápice no começo de dezembro, devido às acusações que resultaram infundadas contra o chefe da Mercedes, Toto Wolff, e sua esposa, Susie Wolff, diretora da F1 Academy.

As tensões estão muito longe do que vimos com os últimos presidentes da FIA, Max Mosley e Jean Todt, os quais, apesar de conflitos pontuais, havia um alinhamento muito grande em relação à forma como a F1 deveria ser tratada.

E essa aliança foi crucial em alguns momentos, como a crise causada pela Covid, quando FIA e FOM tiveram que unir esforços para realizarem o campeonato e assegurar a sobrevivência das equipes. Uma ruptura neste momento teria causado o fim da categoria.

O estado atual das relações entre FIA e FOM causou inevitavelmente certa intriga sobre o que os lados vem alimentando. Na frente e no centro disso tudo está Sulayem, que não tem medo de dar a cara a tapa e declarar seus pontos de vista em vários ocasiões. É um contraponto ao CEO da F1, Stefano Domenicali, que prefere resolver as coisas discretamente, com portas fechadas.

Por mais que existam suspeitas de agendas pessoais e egos em jogo quando falamos dos enfrentamentos entre Sulayem e FOM, em vários momentos a situação é alimentada por algo muito maior, a qual precisamos voltar mais de duas décadas.

Max Mosley, Bernie Ecclestone

Photo by: Motorsport Images

Max Mosley, Bernie Ecclestone

Na Cerimônia de Premiação da FIA, realizada neste mês em Baku, o presidente do Senado da FIA, Carmelo Sanz de Barros, ofereceu uma visão fascinante sobre o caso, ao sugerir que tudo possa ter como origem uma decisão tomada pela FIA lá em 2001.

Se trata da decisão de Mosley de vender os direitos comerciais da F1 por 313,7 milhões de dólares ao então proprietário da categoria, a SLEC (fundo de Ecclestone) por um período de 100 anos (ampliando um contrato de arrendamento existente de 15 anos).

O acordo é válido até 2110. Por mais que o acordo original de 100 anos focava na exploração comercial da F1, ele se transformou em algo muito mais amplo do que apenas dar à FOM a liberdade de vender os direitos de televisão e outras oportunidades, como ingressos.

Nessa discussão, a FIA também renunciou ao controle de vários aspectos, como cronometragem, controle de certos passes, as oportunidade de patrocínio de coisas sob seu controle, como carro de segurança. E agora a FIA pode estar mudando de opinião.

E isso antes de pensar em que arca o papel cada vez mais complicado de regulador do esporte. Como a polêmica atual dos limites de pista demonstrou, com a necessidade de tecnologia avançada, incluindo o uso de IA, garantir a vigilância correta não é barato.

Para Barros, a situação atual entre FIA e FOM se deve, em última instância, a esse acordo de 100 anos e a sensação de que a administração de Mosley perdeu de vista a bola ao deixar várias coisas passarem batido.

FIA name board

Photo by: Erik Junius

FIA name board

"Creio que o que ocorreu é que, possivelmente, nos últimos anos, antes da nossa era, a FIA não prestava muita atenção às suas próprias responsabilidades com a F1. Então, quando você está tentando retomar as responsabilidades e aplicar seu regulamento, isso pode gerar um conflito".

"Assim como vemos na equipe presidencial, está claro que a proprietária da F1 é a FIA. Nós somos os responsáveis. Nós somos os donos deste campeonato, assim como os rallies, a Fórmula E e o kart. Mas, no caso da F1, fizemos um acordo em que, por 100 anos, delegamos as responsabilidades comerciais a um terceiro. Neste caso, neste momento, estamos falando da FOM".

"Talvez não seja a única razão pela qual temos esses conflitos, e não estou culpando tudo na FOM, porque acredito que não tenhamos feito nosso trabalho em muitas áreas, prestando atenção demais a alguns aspectos de nossas responsabilidades. Assim, o que está acontecendo agora é que estamos tentando voltar ao que seria o foco e o processo normal".

Barros compara a situação com a de alguém que empresta uma roupa a um amigo e pede ela de volta anos depois: "Se ele está usando sua camisa há quatro ou cinco anos e de repente você pede para que ela seja devolvida, possivelmente vai encontrar alguma resistência".

A sugestão de que a FIA pode estar buscando recuperar o que acredita merecer como dona da F1 se encaixa com declarações recentes de Sulayem. Falando sobre os limites de pista no começo do ano, ele sugeriu que seria injusto esperar que a FIA controlasse as coisas com um "valor mínimo" considerando os bilhões que a F1 gera atualmente.

Stefano Domenicali, CEO, Formula 1, Max Verstappen, Red Bull Racing, 2nd position and 2023 drivers world champion, Oscar Piastri, McLaren, 1st position, Lando Norris, McLaren, 3rd position, Mohammed bin Sulayem, President, FIA

Photo by: Andy Hone / Motorsport Images

Stefano Domenicali, CEO, Formula 1, Max Verstappen, Red Bull Racing, 2nd position and 2023 drivers world champion, Oscar Piastri, McLaren, 1st position, Lando Norris, McLaren, 3rd position, Mohammed bin Sulayem, President, FIA

"Nosso acordo tem que ser melhor", disse. "É preciso lembrar de algo: o campeonato é nosso. Eu represento o proprietário e nós alugamos isso. Nossa missão é diferente da Liberty, mas estamos no mesmo barco".

"Não deveríamos dirigir essa grande responsabilidade com um valor reduzido. Somos transparentes. Dizemos o quanto que isso nos custa. As pessoas sabem o quanto vale cada equipe de F1, mas a FIA deveria ser livre, tendo todos os recursos necessários para dirigir isso da melhor forma possível. Cada vez que nós somos melhores, as equipes são melhores, o esporte é melhor".

Por mais que ainda existam tensões óbvias, que inevitavelmente marcam as linhas de batalha nas discussões do próximo Pacto de Concórdia, que terá validade a partir de 2026, Barros não acredita que as diferenças entre FIA e FOM sejam irreconciliáveis. Ele acredita que as relações estejam melhorando em certos níveis, por mais que existam dificuldades pelo caminho.

"Tivemos momentos de conflitos, alguns mal-entendidos, e o estilo foi questionado, mas acredito que estejamos melhorando. Tivemos, nestes dois anos, todas essas tensões, mas acredito que esteja muito melhor, no sentido de que começamos a entender o que significa essa propriedade comercial, e é disso que estamos falando".

"Estou convencido de que estamos chegando e, espero que estejamos no final desse processo, porque, goste ou não, estamos em uma mesma cama. Somos um casal e temos que nos deitar na cama todas as noites, então temos que tentar, ambas as partes, para dormirmos da melhor forma possível".

As frustrações que persistem da parte da FIA pela venda de 100 anos são evidentes, mas está feito. Ela sabe que terá que aguardar 87 anos para entender como ficam as coisas. Mas há elementos que ela acredita que precisa recuperar agora. E, para isso, Sulayem se lançou ao ataque, talvez não da melhor forma possível.

Será fascinante ver se essa postura agressiva se mantém ou se, após os últimos acontecimentos, a FIA se dá conta de que uma atitude conciliadora será o melhor caminho para o sucesso. Como disse Barros: "A decisão foi tomada há anos e não podemos fazer nada. Mas podemos assegurar que, dentro do contrato e com as novas regras de competição, nos adaptaremos. Isso é importante".

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