Como “cidadão” de Interlagos, Rubens Barrichello está arrasado. No último domingo, mais um piloto perdeu a vida no tradicional circuito paulistano. Gustavo Sondermann faleceu após grave acidente em prova da Copa Montana.
O piloto da Williams nasceu e cresceu no bairro de São Paulo que recebe a Fórmula 1 ininterruptamente desde 1990. Após a morte de Sondermann, Rubinho vê o circuito onde passou boa parte da infância e adolescência no meio de uma discussão antiga: o aumento de segurança, em especial, na Curva do Café.
“Acima de tudo eu acho que agora é um momento difícil para falar o que é certo ou errado. Temos que ouvir todas as hipóteses e trabalhar com elas para melhorar”, disse Barrichello em entrevista acompanhada pelo TotalRace. Se o debate envolvendo Interlagos é antigo, o descaso da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) com o esporte a motor no país tampouco é recente. Mas Rubinho acredita que o tom das acusações entre pilotos e dirigentes não ajuda em nada o atual momento do automobilismo brasileiro.
“É muito feio, muito feio mesmo, o fato do piloto entrar em discussão com o diretor de prova e o diretor responder, via internet. É muito feio. Isso não vai melhorar nada”, declarou Barrichello, em referência aos comentários através de twitter de pilotos e consequentes respostas do Diretor de Prova, Sergio Berti, em sites especializados.
Ao invés do rumo que a discussão tomou, Barrichello dá sugestões. “Acho que os dirigentes tem que ouvir os pilotos. São aqueles que guiam, que passam pelas dificuldades. Se um piloto fala que tem problema de visibilidade, acho que ele tem que perguntar a todos os outros pilotos, e daí chegar a um bem comum. E não ficar um bate-boca na internet, que primeiro não vai melhorar a vida de ninguém e, segundo, não vai trazer a vida do Gustavo de volta. Acho sim que temos de fazer algo que vai melhorar o automobilismo brasileiro, que sofre com coisas que o automobilismo mundial não sofre. Há decisões a serem tomadas no Brasil”.
Para o piloto da Williams, o desdobramento do acidente que vitimou Sondermann deve acontecer sem vaidades, estrelismos. “Temos que ter a humildade suficiente de jogar hipóteses na mesa. Se o Brasil precisa dos pilotos de F-1 falando com a FIA a gente vai falar. É importante para nós que o automobilismo brasileiro cresça e a gente veja pilotos chegando na F-1. Agora esse tipo de discussão pela internet eu só vejo no Brasil, de gente querendo ser maior que os outros. E isso não leva a nada”.
Ainda que seja favorável a mudanças, Barrichello acredita que a Curva do Café é menos perigosa em corridas de F-1 do que turismo. “O Stock Car tem o 'push-to-pass'. É uma situação diferente de prova e você consegue fazer com que teu carro ande mais até a Curva do Café, com possibilidades de colocar de lado. Isso é muito mais difícil na F-1. Mesmo com Kers, a chance de entrar lado a lado naquela curva é muito menor”.
Preferindo evitar comentários sobre o acidente de Sondermann pela falta de nitidez das imagens, Rubinho acredita que a fatalidade não foi gerada pelo carro utilizado na Copa Montana. “Qualquer situação como a do Gustavo, do carro ficar parado de lado e alguém acertá-lo no meio, não há carro que resista. Do kart ao F-1, um extremo ao outro, naquela posição não há carro que aguente”, falou Barrichello.
Ainda que acredite que seja errado tomar decisões precipitadas, Barrichello fala o que acredita ser viável para reformar a Curva do Café. “Há duas situações: ou algo como a Indy, com muros completamente colados na pista, ou uma área de escape muito grande. Eu não sei, fisicamente falando, se existe a possibilidade de haver uma área de escape grande. O muro que foi colocado ali é para que você bata e escorregue pelo muro. O problema é que se a prova fosse no seco, os pilotos teriam desviado. A visibilidade, pelo menos pela televisão, estava limitada. Então, acertaram o Gustavo com pé embaixo”.
Ainda que não avalie como perigosa na F-1, Rubinho acredita que acidentes na mesma curva não são obra do acaso. “Como eu não acredito em coincidência, duas mortes na mesma curva em curto intervalo de tempo me levam a crer que algo precisa ser feito na Curva do Café”, comentou Rubinho.
Como se a experiência como piloto de F-1 e o conhecimento sobre Interlagos não bastassem, hoje, Barrichello ocupa a presidência da Associação dos Pilotos da F-1. Toda a sexta-feira antes de um GP é feito um briefing, em que pedidos são feitos para o Delegado de Segurança da FIA, Charlie Whiting. O piloto da Williams garante que Interlagos não é o maior problema do calendário e que soluções para questões antigas foram encontradas. “Conversamos sempre em vários lugares, em várias pistas. Algumas tem coisas a mais, outras a menos. O GP do Brasil tinha coisa no passado muito falada. Eram os bumps (ondulações), reclamação que hoje inexiste. O asfalto está ótimo. Outras pistas são terríveis e o Brasil nem passa perto”.
Porém, Rubinho garante que há algo que sempre chamou mais atenção do que a própria Curva do Café. “O trecho de entrada dos boxes, desde o Café até o pit, é um que pode ser revisto. Você tem um bico de muro. Uma das curvas mais perigosas em Interlagos para a F-1 é a entrada dos boxes porque você entra pé em baixo e se algo der errado você dá de cara com um bico de muro. Isso sempre é conversado com o Charlie Whiting”.
Mas nem sempre, segundo Rubinho, a FIA atende os pedidos dos pilotos. “Há dois anos reclamamos da largada em Melbourne às 17 horas, pela falta de luz, sol na cara. Não mudaram. Existem outros interesses na F-1 que afetam”.
O que gera apreensão em Rubinho é a possibilidade de melhorar a segurança afetando a força do circuito paulistano. “O traçado de São Paulo é ótimo. Se puderem mudar a área de segurança sem mudar traçado seria excelente”, finalizou Barrichello.