Aos 87 anos de idade, o tempo parece que não passa para Murray Walker. O narrador mais famoso da história da Fórmula 1 discorreu a mesma voz potente e a clareza de raciocínio das transmissões nesta entrevista exclusiva para o TotalRace, falando sobre a F-1 do presente e do passado, especialmente dos pilotos brasileiros. Confira:
Sente falta da Fórmula 1?
Quando você faz uma coisa que ama tanto, como eu amava, e por tanto tempo, é claro que vai sentir falta. Mas você não pode seguir para sempre. A idade vai chegando e eu queria parar enquanto ainda estava à frente dela. (Risos) Foi o que fiz.
Estamos vendo agora uma geração brilhante de pilotos duelando na pista. Como você a compara com as outras que já viu?
Como uma das melhores. Sempre disse que os “anos dourados” para mim aconteceram na década de 1980, com Nigel Mansell, Nelson Piquet, Alain Prost e Ayrton Senna, todos eles campeões mundiais muito especiais e disputando entre si. Mas acho que estamos numa era dourada agora também, com cinco campeões na pista. E, apesar de alguns dizerem que Michael Schumacher é passado, eu discordo. Acho que ele pode voltar a vencer se tiver um carro que o permita fazer isso. Vivemos um período fantástico nesse momento.
Você citou os anos 1980, e havia dois brasileiros entre os grandes que você mencionou. O que dizer...
Desculpe! Desculpe interrompê-lo mas não posso me furtar a comentar sobre o possivelmente maior piloto brasileiro da história: Emerson Fittipaldi. Ele foi o primeiro piloto da Brasil a vir aqui e foi campeão do mundo em 1972. Depois, ganhou novamente por outra equipe em 1974. Ele ainda está ativo, o encontrei no final de semana passado no Festival de Goodwood e ele continua ainda o bom e velho Emerson Fittipaldi, um cara adorável.
Sem dúvida alguma! E como foi a experiência de conviver e de entrevistar os outros brasileros campeões: Piquet e Senna?
Eles possuem personalidades completamente diferentes, claro. Nelson Piquet nunca prestou atenção ao que diziam sobre ele. Simplesmente não lia o que os jornais falavam dele por achar que quase tudo era um grande lixo e não iria prestar atenção a isso. Eu sempre me dei bem com Nelson e ele é muito simpático quando vem para a Inglaterra e nos encontramos. Ayrton (n.R.: aqui Murray capricha na pronúncia em português, dizendo claramente “A-ír-ton”, em vez do tradicional “Ér-ton” que os ingleses costumam dizer), como vocês falam, foi a personalidade mais impressionante que eu conheci no automobilismo. Seu carisma e seu misticismo eram mesmo especiais e acho que foram poucos os pilotos que pensavam sobre o que eles faziam, sob todos os aspectos, de uma forma tão profunda como Ayrton fazia.
Você assistiu ao documentário sobre ele?
Sim, assisti e achei um filme excelente. Mas tive sorte o bastante de ter visto a maior parte das coisas que o filme mostra e de falar com ele todo esse tempo. O entrevistava desde seus dias na Fórmula Ford, em 1981, quando veio para esta fria e chuvosa Inglaterra saindo do quente Brasil. Infelizmente, também estava narrando no dia em que ele morreu em Ímola, então cobri sua carreira inteira. Como todos os outros pilotos, Ayrton também me considerava bem. Lembro-me uma vez em que o perguntei, em Mônaco, se poderíamos fazer uma entrevista e ele disse ‘sim, vamos falar depois da reunião técnica do time’. Mas Ayrton costumava discutir essas questões da maneira mais detalhada e obsessiva que se possa imaginar. A reunião durou quatro horas, mas esperei do lado de fora do motorhome até que ele saísse, porque eu sabia que ele me daria a entrevista que tinha prometido. Foi o que aconteceu, gravamos uma boa conversa, depois ele voltou para o seu apartamento e ganhou a corrida no dia seguinte, como ele costumava fazer (risos).
Já fiz esta pergunta para Frank Williams e quero repassá-la para você. No Brasil, tanto José Carlos Pace como Rubens Barrichello são tidos como grandes pilotos, vencedores de corrida, mas que nunca conseguiram um título mundial por motivos além da capacidade deles. Você concorda com essa visão?
É difícil dizer. Carlos morreu num acidente com um avião particular e isso aconteceu antes que ele pudesse atingir seu verdadeiro potencial. Mas quem sabe se ele seria campeão do mundo? Isso só acontece se você estiver em um carro bom o suficiente para levá-lo ao título. Carlos esteve por vezes num carro assim, mas nem sempre. E o mesmo vale para Rubens, que está na Williams agora e não vai ganhar corridas com este carro. Mas a pergunta é: Rubens poderia ter superado Michael Schumacher quando ambos pilotaram pela Ferrari e, todos nós sabemos, o time favorecia a Schumacher? Sou da opinião, mas não é algo que eu possa provar, que Schumacher teria batido Rubens mesmo que não houvesse nenhum tipo de preferência. Mas, quem sabe? Sempre digo que na F-1 tudo pode acontecer e talvez Rubens teria conseguido. O que eu sei é que Rubens é de uma excelente personalidade, uma das pessoas mais legais que eu já conheci e ele já pilotou mais GPs de Fórmula 1 que qualquer outro. E parece que vai continuar pilotando por mais um tempo. Tomara que sim.
Para encerrar, Murray: a “voz da Fórmula 1” na Inglaterra hoje é a de um ex-piloto, Martin Brundle. Ele é um bom narrador?
Ele é muito bom! Tem todos os requisitos necessários para a função. É uma pessoa muito agradável, para começar. Tem um ótimo senso de humor, algo que eu acho importante. Ele sabe também do que está falando, foi campeão de esporte-protótipo, correu em Le Mans, esteve em oito equipes na F-1, superou a Michael Schumacher e a Ayrton Senna... E não é só saber do que se fala, mas saber como se fala. E ele sabe. Acho que Brundle e David Coulthard formam uma ótima dupla para a transmissão.
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Luis Fernando Ramos
Fórmula 1
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