Análise: A Formula E é um sucesso?
João Correa faz um raio-x do atual momento da Fórmula E, após o término de sua segunda temporada
Nem tanto quanto seria desejável, nem tão pouco para ser uma decepção, seria a resposta prudente para uma avaliação do sucesso que a Formula E tem obtido. O noticiário acerca dos problemas ambientais que o planeta enfrenta e o aumento crescente da oferta de carros híbridos e elétricos são mais importantes na promoção da categoria do que a competição automobilística que ela apresenta.
A categoria tem contado com um tipo de apoio que transcende o entusiasmo esportivo e a paixão pela velocidade. Afinal é inquestionável que se fosse possível economicamente e tecnologicamente um mundo somente com veículos elétricos, teríamos um mundo ambientalmente muito mais saudável.
Um mundo que nos foi negado com a linha de produção desenvolvida por Henri Ford no início do século passado e que barateou dramaticamente o preço dos carros equipados com motor a explosão, queimando combustíveis fósseis. Até aquele ponto da historia, a maioria dos automóveis eram elétricos, mesmo sendo muito caros e usando as velhas e ineficientes baterias de chumbo-ácido.
Como fomentadora tecnológica dessa imensa mudança que haveremos de atravessar, a Formula E deveria obter mais apoio de organismo internacionais e dos governos. Apoio esse que se traduziria em isenções fiscais para organizadores e equipes. Estariam todos como que lutando para salvar o mundo... Todavia, não é bem assim que a carroça elétrica anda... Até porque a competição de mercado ainda é a maior fomentadora de avanços tecnológicos.
Qualquer hipótese conspiratória que imagine uma sabotagem advinda de elementos ligados a velha matriz energética não procede. Quem explora petróleo são os mesmos que exploram o gás natural e termoelétricas funcionando a base de óleo combustível e gás natural representam a maioria da energia elétrica hoje produzida no planeta, superando a geração em usinas movidas a carvão mineral (altamente poluidoras), hidroelétricas, parques eólicos, plantas solares fotovoltaicas, assim como das caríssimas e temíveis usinas nucleares.
Quem pensou no uso do hidrogênio para uso em 'fuel cells' de veículos elétricos deve se lembrar que 90% da produção industrial do hidrogênio advém da reformatação do gás natural, já que não inventaram uma maneira mais barata de extraí-lo.
Alguém poderia dizer que o futuro do carro elétrico está assegurado a partir do momento que existem vários indícios que o centro da disputa na concorrência entre matrizes energéticas não passará mais pela ponta do consumo energético dos veículos, outrossim na geração de energia elétrica, ou seja, no consumo das usinas.
A eletricidade pode ser gerada por diversas fontes inesgotáveis enquanto combustíveis fósseis são finitos. Sendo assim, os carros elétricos crescerão no mercado em conjunto com o aumento da oferta de energia elétrica, já que o atual grid elétrico não suportaria nenhum significativo aumento de consumo na maioria dos países.
O aumento da produção de gás natural nos EUA, principal mercado mundial, será o fator decisivo na rapidez da popularização dos veículos elétricos, até que esses se tornem majoritários em todo o mundo.
A Formula E conseguiu se transformar em símbolo da mudança ?
Os organizadores possuem interesses comerciais para ressarcir seus investimentos, Alejandro Agag é um Bernie Eclestone do futuro negociando direitos de transmissão, patrocínios diversos e até regulamentos técnicos das competições com ajuda da FIA, a co-fundadora do projeto.
O sucesso da categoria passa por um tremendo esforço promocional como é característico à introdução de qualquer novo produto no mercado.
As vésperas do início no próximo mês de outubro da terceira temporada da categoria uma avaliação do projeto é necessária. Além da própria resposta do público no comparecimento aos eventos e a audiência televisiva, os críticos são ultra necessários para explicar tanto os sucessos quanto os fracassos.
Vejamos a seguir o que os críticos mais tem comentado.
O Visual
Os carros da Fórmula E são tão feios quanto os da F1 e tão iguais quanto os da Indy, existe um consenso que os carros da Formula E deveriam ter o aspecto e variedade dos protótipos de Le Mans com a cabine fechada, outros falam até que deveriam se parecer com o Panoz DeltaWing.
A formula estética do Open Wheel parece ter perdido seu charme em décadas passadas. As 'baratinhas' de antigamente lembravam carros esportivos que qualquer um poderia ter... A identificação dos fãs com o tipo de carro usado nas competições é um forte elemento de popularidade, o sucesso da NASCAR com carros que possuem a aparência de carros de passeio tradicionais deve ser lembrado.
Com a introdução das primeiras asas aerodinâmicas os carros de 'roda aberta' passaram a lembrar caças a jatos, o que ainda era bonito... Todavia, com a sofisticação dos conceitos aerodinâmicos e a introdução de tantas asas e asinhas os carros passaram a se parecer mais como delicados peixinhos de aquário da Lego.
O Local dos Eventos
Apontam que ao terem optado por corridas de rua, optaram por uma má visualização das corridas nas telas de TV. Alegam nesse caso que a cobertura televisiva em autódromos é muito mais eficiente e barata, além de proporcionar melhores acomodações e visualização a quem assiste as corridas ao vivo. Que houve um engano ao imaginar que essas corridas de rua se transformariam em um sucesso ululante como a corrida de Mônaco, por exemplo. Inclusive, a própria corrida da Formula E ocorrida em Mônaco na temporada inaugural não se repetiu na segunda... Em Miami - que no passado deixou de abrigar corridas da Indy por conta do barulho - a silenciosa corrida elétrica não empolgou e também não se repetiu.
O distúrbio citadino em locais que anteriormente nunca houveram corridas se provaram tão fortes que na 'grand finale' em um circuito montado dentro de um parque público de Londres, causou protestos dos moradores do bairro adjacente.
Em autódromos regulares seria possível a introdução de filmagens a partir de drones, inovar a formula de transmissão e visualização das corridas é uma necessidade patente até para a F1, em virtude das novas visualizações surgidas com os videogames.
A ditadura das regras
Ao ter nascido dentro da FIA, digamos assim, a categoria teria herdado o mesmo excesso de regulamentação do qual a F1 padece. Seja sob o pretexto de impedir que a força do dinheiro crie equipes dominantes, seja pela ideia de que equipamentos iguais gerem uma maior competitividade, seja por uma excessiva preocupação com a segurança...
O fato é que o excesso de regulamentação tem obtido sucesso apenas no campo da segurança, existem equipes dominantes e elas são as mais ricas em todas as categorias, mesmo na Indy onde os carros são muito semelhantes.
No caso da Formula E tivemos chassis, baterias e motores iguais na primeira temporada e o resultado foi que apesar do campeão Nelson Piquet Jr. ter saído de uma equipe de médio porte, a equipe campeã foi a poderosa Renault e-DAM, que foi quem construiu os carros usados por todas as equipes.
Na segunda temporada, onde apenas chassis e baterias eram iguais, quem ganhou tudo foi a mesma equipe francesa... A Renault é a maior fabricante de carros elétricos da Europa, sem nos esquecermos que a Nissan, sua controladora global, é fabricante do Leaf, talvez o carro elétrico mais vendido no mundo. A equipe que tirou o segundo lugar junto com o nosso Lucas di Grassi, a Abt, tem parceria forte com a Audi e é patrocinada pela gigantesca Schaeffler que produz entre diversos outros itens, motores elétricos. Ou seja, os investimentos maiores já preponderam antes mesmo que a quinta temporada – onde será permitida uma mudança total dos carros e maior independência de fabricação – seja atingida.
O problema das regulamentações é que elas engessam as pequenas e grandes inovações experimentais; se o grande fica proibido de alugar autódromos e túneis de vento para fazer seus testes, o pequeno é impedido de fazer gambiarras que deixe o carro mais leve ou pesado, ficam proibidos de fazer uns 'furinhos geniais' que resfriariam as baterias com maior eficiência, por exemplo.
Não traduz o mais importante, a competição tecnológica
O formato adotado para as competições não consegue capturar a imensa disputa tecnológica que a categoria deve e pode oferecer. Trocar de carro no meio das corridas porque as atuais baterias não aguentam o tempo necessário para uma corrida é uma solução ridícula, seria preferível sacrificar a velocidade então e deixar que as baterias deixassem o piloto na pista por falta de energia. A ideia de provar que os carros elétricos podem ser tão bons quanto aqueles com motor a explosão é menos importante do que criar o desafio do desenvolvimento ainda necessário.
Deveriam ter pensado em um formato híbrido de corrida livre 'sprint' com 'endurance' ou de resistência, ou variar de formatos dentro do mesmo campeonato, algo que a Blancpain GT tem experimentado, mesmo ainda com dois campeonatos em separado, correndo com as mesmas equipes, carros e pilotos.
O fã ficaria muito mais envolvido com uma disputa onde o objetivo fosse alcançar uma maior quilometragem em determinado tempo, sendo que esse tempo seria superior ao que baterias normalmente suportariam. As provas terminariam sempre com carros parando por falta de energia.
Qual o problema? Ocorreriam emocionantes finais com carros andando apenas no embalo já sem energia para acelerarem. Diversas táticas seriam possíveis e 'pegas' não deixariam de ocorrer, já que estar na frente sempre seria o objetivo final.
Críticos que pensam assim, também são favoráveis a poucos limites para a construção dos carros, onde apenas dimensões e pesos máximos e mínimos seriam dados, o que possibilitaria diversos projetos e conceitos diferentes. Ao tentar reproduzir as emoções corriqueiras de outras categorias de velocidade a Formula E não está indo além das emoções já ofertadas em outras categorias com sucesso de público já consolidado.
A prova de sucesso
A maior prova de sucesso da Formula E será alcançada quando surgirem outras categorias que se utilizem de carros elétricos, justamente explorando os erros e acertos desse primeiro grande esforço de mostrar que os carros que queimam combustíveis fósseis podem ser substituídos em todos os segmentos de uso, inclusive no esportivo. As futuras categorias elétricas terão uma eterna dívida para com o que está sendo desenvolvido agora pela Formula E.
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