Análise

Análise: Porque a F1 deveria olhar para a NFL

A NFL está léguas à frente da Fórmula 1 quando o assunto é mídias sociais; Kate Walker cita liga norte-americana como exemplo de uso eficiente das mídias sociais e questiona o porquê de a F1 ainda engatinhar neste sentido

Nico Rosberg, Mercedes AMG F1 through a smart phone

Os leitores que nasceram quando a União Soviética ainda existia e Berlim era mais conhecida pelo muro que a dividia, talvez se recordem de que enquanto Margaret Thatcher e Ronald Reagan estavam liderando a aliança conservadora transatlântica, nas residências ao redor do 'mundo livre', uma guerra menor acontecia: VHS versus Betamax.

O Betamax era reconhecidamente um formato tecnologicamente superior, mas o VHS venceu a guerra e veio a dominar as casas do mundo todo (até que as duas tecnologias se tornassem obsoletas). Quanto mais popular o VHS se tornava, mais difícil ficava para os usuários de Betamax encontrar filmes compatíveis. Tornou-se inevitável, então, que estes usuários fossem obrigados a mudar para o VHS.

O episódio Betamax versus VHS é comumente citado em situações em que o objetivo é dar um exemplo de algo adotado cedo demais, mas também é um aviso de que nem sempre oferecer o melhor produto é suficiente. A popularidade conta muito.

As equipes de Fórmula 1 e grande parte dos pilotos da categoria têm sido ágeis em adotar as mais variadas mídias sociais como um meio de interagir com os fãs e se tornarem cada vez mais populares. A FIA (Federação Internacional de Automobilismo), entretanto, tem duas posturas com as mídias sociais: alguns campeonatos estão intensamente envolvidos neste tipo de engajamento, enquanto outros se limitam a publicar pouco mais do que resultados e fotos de pódio.

E a FOM (Formula One Management), que agora possui uma equipe de mídias sociais, finalmente se deu conta de que uma simples hashtag que apareça na tela durante as corridas não terá impacto negativo nas imagens dos anunciantes.

F1 camera blimp
Câmera aérea da F1

Foto: XPB Images

Início tardio

Ainda que a resistência da FOM em abraçar as mídias sociais faça algum sentido -  não custa lembrar a fracassada tentativa de entrada na TV digital com a F1 Digital+, que durou de 1996 a 2002 e custou US$ 100 milhões a Bernie Ecclestone - já passamos do ponto que seria considerado uma adoção apressada.

As mídias sociais vieram para ficar e, embora o formato possa variar, o conceito de interação direta e engajamento com uma comunidade ou fã-clube é algo enraizado na mente das novas gerações.

2016 marca o aniversário de dez anos do Twitter, que agora conta com mais de 320 milhões de usuários ativos. O Facebook, rede social largamente utilizada por pessoas de todas as idades, transcende o conceito de internet nas mentes de uma porção significativa de seus usuários.

Em algumas regiões da África e da Ásia, há milhões de usuários ativos do Facebook que alegam não utilizar a internet. Um estudo de 2015 envolvendo jovens por volta dos 20 anos de Indonésia e Nigéria que utilizam o Facebook indicou que 11% dos indonésios e 9% dos nigerianos disseram que não entram na internet. Em termos globais, estima-se que 10% dos mais de um bilhão de usuários da rede social não fazem ideia de que estão ativos na internet.

Uma pesquisa online conduzida pela empresa Quartz, em 2015, perguntava se o usuário concordava ou discordava da afirmação "o Facebook é a internet. 5% dos norte-americanos que responderam à pesquisa disseram 'sim', enquanto no Brasil este percentual chegou a 55%. Na Índia, este número sobe para 58%, na indonésia para 61% e o maior percentual está na Nigéria, onde 61% dos que responderam à pesquisa concordaram com a afirmação.

Ecclestone utilizou algumas vezes o pouco lucro como justificativa para evitar a questão das mídias sociais. Mas com mais de uma década de dados disponíveis, hoje é impossível negar que as mídias sociais podem e tem sido monetizadas, particularmente nos esportes transmitidos pela TV.

Indianapolis quarterback Peyton Manning watches early race action
Peyton Manning, recentemente aposentado da NFL, acompanha uma edição das 500 Milhas de Indianápolis

Foto: Ron McQueeney

NFL: pioneira

Um caso que merece destaque é o da NFL, que simplesmente tomou a iniciativa de entrar nas redes sociais e monetizou a presença ali. Como a F1, a NFL possui uma base mundial de fãs. Para muitos dos que gostam de futebol americano, os jogos da liga são transmitidos em horários desagradáveis -  o equivalente a acordar às 2h da madrugada na Europa para assistir ao primeiro treino livre em Suzuka.

Através do próprio site da NFL, os fãs podem acompanhar jogos ao vivo, comprar ingressos para um jogo ou o para a temporada completa. Para ampliar o interesse, os perfis oficiais da liga nas redes sociais postam clipes patrocinados com os melhores momentos das partidas, aumentando a ansiedade dos fãs para os momentos decisivos da temporada enquanto lucra com o dinheiro dos patrocinadores e do público, que fica tentado - por causa dos vídeos - a pagar para ver o jogo na íntegra.

A NFL também se mantém ativa no engajamento de fãs mesmo quando não há competição - isso tem sido feito com sucesso nos últimos cinco anos" Temos tirado vantagem das novas tecnologias disponíveis para gerar engajamento com nossa audiência de uma maneira muito mais intensa do que fazíamos no passado", disse - em 2013, ao site norte-americano Mashable - Duane Munn, gerente de mídias sociais da NFL e do NFL.com.

"Seja através de uma ação na TV que convoque os telespectadores a emitir opiniões via tweets, a participar de uma enquete no Twitter - que em seguida será discutida por nossos analistas - ou simplesmente reagir ao sentimento exposto na rede, um de nossos objetivos principais e fazer um trabalho mais eficiente na comunicação com nossos fãs online", afirmou Munn.

O contraste com a abordagem ocasional da FOM durante as provas com o ‘Join the Conversation' mais a hashtag do respectivo GP é evidente. A F1 possui uma base de fãs ativos no Twitter, mas é uma do tipo que os grupos de usuários interagem apenas em seus microcosmos. O perfil oficial da categoria no Twitter pouco faz para incentivar as conversas mais amplas, postando observações sobre a corrida sem interagir com os fãs ou com as equipes.

Munn, por outro lado, utiliza o cargo na NFL para destacar a conversa orgânica existente na comunidade da NFL. "Sempre vejo tweets apaixonados de fãs que realmente conhecem o futebol americano. Como em qualquer outro assunto no Twitter, se você tem bom humor, é esperto ou apresenta uma perspectiva singular, isso provavelmente gerará reação dos demais. Quando conseguimos fazer isso, eles ficam bastante empolgados", disse.

Fernando Alonso, McLaren MP4-31 in a huge crash
Fernando Alonso vê o mundo ao contrário de dentro do cockpit do McLaren MP4-31 em Melbourne

Foto: Sutton Motorsport Images / sutton-images.com

Oportunidades perdidas

Todo esporte tem seus respectivos momentos dramáticos, mas na F1 o potencial para imagens visualmente impressionantes é bastante alto - basta observar o acidente sofrido por Fernando Alonso no GP da Austrália ou a decolagem de Mark Webber em Valência, no GP da Europa de 2010.

Fotos de acidentes desta magnitude rodam largamente nas mídias sociais, mas qualquer vídeo postado é rapidamente tirado do ar pela questão dos direitos autorais - quando poderia ser utilizado para iniciar uma conversa sobre F1 em larga escala. Goste-se ou não, boa parte do público se interessa por este esporte apenas quando pedaços de fibra de carbono se espalham e carros voam, mas o piloto sai no máximo com alguns arranhões.

Se utilizados de forma correta, estes vídeos podem levar a F1 a novos fãs. A FOM e a FIA deveriam trabalhar em clipes com os melhores momentos das corridas para as emissoras de TV e para usuários de mídias sociais que tenham amplo alcance e que, assim, espalhariam o conteúdo para os respectivos seguidores.

Estas pequenas coisas podem se transformar em virais, mas a F1 insiste em virar as costas para tal possibilidade, chegando até mesmo ao ponto de repreender pilotos por postarem vídeos dos próprios feitos nas pistas.

As mídias sociais se tornaram a norma e, com as transmissões em TV aberta cada vez mais restritas, a esperança do esporte para atrair uma nova geração de fãs está na interatividade. Se hoje vários formatos de mídias sociais brigam para ter uma supremacia tal qual a do VHS no passado, a F1 se posicionou como a fita Stereo 8 (cartucho), o único pedaço de tecnologia do século XX do qual ninguém sente saudade.

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