Análise técnica: os avanços que salvaram a vida de Alonso
O fato de Fernando Alonso ter saído ileso após o forte acidente em Melbourne é prova da eficiência das medidas de segurança da Fórmula 1 moderna; Matt Somerfield e Giorgio Piola analisam como a F1 tem cuidado da integridade física dos pilotos
Análise técnica de Giorgio Piola
Análise técnica de Giorgio Piola
A busca da Fórmula 1 por mais segurança é uma constante, mas somente em acidentes como o de Fernando Alonso no GP da Austrália é que fica evidente o quão longe a categoria já chegou no sentido de proteger os pilotos.
Grande parte da pesquisa e do desenvolvimento busca entender como dissipar a energia criada no momento de um impacto.
Acidentes como o de Alonso são visualmente impressionante, mas mais impressionante ainda são as estruturas e mecanismos que atuaram para que o espanhol saísse ileso do incidente.
Em vez de rígidas e com a menor compressão possível - que era o caso há algumas décadas - as estruturas do carro agora são construídas intencionalmente para desacelerar um corpo estranho, para absorver a energia cinética enquanto se deforma.
A fim de controlar os riscos em acidentes, a FIA (Federação Internacional de Automobilismo) regula as dimensões de muitas áreas dos carros, além de submeter estruturas importantes a testes de impacto cada vez mais rigorosos.
O bico das asas dianteiras dos carros passa por diversos testes, não somente porque é uma parte importante, mas também porque está em uma posição aerodinâmica fundamental - o que faz com que as equipes trabalhem constantemente nesta área, modificando-a, buscando materiais e formas que aliviem o peso. Ao mesmo tempo, as peças ainda precisam passar nos testes de impacto.
Com o objetivo de maximizar a performance do carro dentro do regulamento atual, as equipes buscam caminhos para ter o nariz da asa dianteira o mais curto possível. Isso coloca ainda mais demanda sobre a peça, já que isso culmina em uma área menor para absorver a desaceleração em um impacto.
Os cabos de segurança têm sido utilizados na F1 desde 2001, em um esforço para reduzir a chance de uma roda escapar dos carros e atingir a cabeça dos pilotos ou se tornar uma ameaça à integridade física dos espectadores e dos comissários de pista.
Após a morte trágica de Henry Surtees - atingido na cabeça por uma roda que se desconectou do carro de um adversário - a FIA atualizou os requisitos para os cabos de segurança. Em 2011, a FIA adicionou um segundo cabo a cada uma das rodas - que devem absorver uma carga mínima de 6kj.
Durante um acidente, uma roda pode se desprender do carro em velocidades acima de 150 km/h, o que corresponde a uma energia cinética de 17kj para uma roda de 20 kg (montada com o pneu), fazendo com que seja fundamental que tal energia seja contida.
Para 2017, as exigências vão aumentar, levando-se em conta que os carros serão mais largos: a carga mínima a ser absorvida pelos cabos será de 8kj.
No 'coração' do carro está o monocoque, feito basicamente de fibra de carbono. Introduzido pela primeira vez na categoria através da McLaren (em parceria com a Hercules) em 1981, o monocoque acabou revolucionando o esporte.
Em um primeiro momento, houve ceticismo dentro da categoria sobre a resistência do material e sobre o formato, mas não demorou muito para que todas as equipes começassem a construir monocoques semelhantes e abandonassem as estruturas de metal utilizadas até então.
A fibra de carbono é mais leve e resistente do que qualquer material usado anteriormente e, desde então, tem permitido aos times construir estruturas complexas - algo que seria impossível com os materiais e métodos antigos.
A célula de sobrevivência também possui dimensões mínimas para garantir que os pilotos estejam adequadamente protegidos, enquanto a abertura do cockpit é controlada por regras rígidas para garantir que as equipes tenham o mesmo formato nesta área. O objetivo é garantir que tais dimensões sejam seguras em caso de acidente e, ao mesmo tempo, permitam que o piloto deixe o carro sem grandes dificuldades.
Desde 1988, o regulamento exige que os pés dos pilotos fiquem posicionados atrás da barra de direção - antes disso, muitos acidentes culminaram em fraturas nas pernas dos pilotos. Tal modificação transformou significativamente a posição de pilotagem, com os pés dos pilotos em uma posição mais elevada se comparada ao passado.
As mudanças no regulamento para a temporada 2014 foram acompanhadas de mudanças nas proteções de impacto laterais - as primeiras linhas de defesa em um acidente nesta região.
Após o acidente impressionante de Robert Kubica no GP do Canadá de 2007, a FIA fez um trabalho em conjunto com as equipes para pesquisas adicionais para entender melhor o que acontece quando as estruturas de impacto batem em um ângulo oblíquo.
Tal pesquisa resultou nas estruturas utilizadas atualmente, que são capazes de absorver 40kj de energia, tanto em um impacto normal quanto em um oblíquo.
A padronização dessas estruturas fez com que as equipes criassem apêndices aerodinâmicos sobre eles (ver foto da Mercedes, acima), que não somente guardam as estruturas mas aperfeiçoam a aerodinâmica em uma área sensível.
Em 2007, a FIA introduziu medidas que obrigaram as equipes a reforçar o cockpit com fibras de Zylon - utilizadas em coletes à prova de balas por serem extremamente resistentes. A escolha da FIA foi uma maneira de proteger os pilotos contra detritos ou qualquer outro elemento que poderia acabar penetrando o cockpit.
O Zylon é instalado em volta da estrutura interna do cockpit, que está 20mm mais alta em 2016 e, além disso, foram obrigadas a suportar uma carga de 50kn nos testes de impacto - contra 15kn em 2015.
O leitor certamente já ouviu a expressão 'molde do assento' - normalmente nos períodos entre as temporadas - que é o momento em que os pilotos vão até a fábrica para servirem de 'modelos' para os respectivos assentos que utilizarão durante a disputa do campeonato.
Durante o procedimento, eles entram no cockpit, que está preenchido com uma resina dentro de um plástico. Quando a resina seca, está formado o molde para a construção do assento, construído em fibra de carbono de baixo peso - que pode ser facilmente removida do cockpit com o piloto no caso deste não conseguir sair do carro com as próprias forças.
O assento é fixado no chassi com dois parafusos, que podem ser liberados utilizando uma ferramenta padrão, disponibilizada para todas as equipes de resgate. Embora pareça inimaginável hoje em dia, o cinto de segurança de seis pontos só se tornou obrigatório em 1972.
Além disso, os assentos possuem mais tiras afixadas para o caso de uma retirada completa (com o piloto) e há também uma entrada na parte superior, atrás da cabeça do piloto, que permite à equipe médica colocar um estabilizador para impedir que a cabeça ou o pescoço do piloto se movimente enquanto ele é removido do carro.
O monocoque possui duas estruturas anti-capotagem: a principal está acima e atrás da cabeça dos pilotos (a, no mínimo, 940mm acima do ponto de referência plano e 30mm atrás da estrutura do cockpit) enquanto a estrutura secundária fica localizada à frente do volante, na parte superior da dianteira do carro.
A triangulação destes dois pontos deve garantir que a cabeça do piloto não toque o solo em caso de capotagem. A estrutura primária é construída levando em consideração a entrada de ar superior, que leva ar para o sistema de combustão interno dos carros.
Um grande esforço tem sido feito para aperfeiçoar a forma desta estrutura com o objetivo de reduzir o peso e ampliar a eficiência aerodinâmica. É o ponto mais alto e possui efeito significativo no centro de gravidade dos carros.
Entretanto, a FIA obriga tais estruturas a resistir a cargas intensas: lateralmente, a 50kN, longitudinalmente - em um impacto vindo da frente para a traseira - a 60kN e verticalmente, a 90kN. Uma falha nesta proteção poderia ser catastrófica.
Em 2003, quando o HANS se tornou obrigatório na F1 após uma série de testes, muitos questionaram a necessidade do aparato. Hoje em dia, no entanto, o HANS é largamente utilizado nas categorias ao redor do globo e já salvou muitas vidas.
O simples aparato permite que a cabeça dos pilotos não se mova involuntariamente em uma desaceleração causada por um acidente, transferindo a energia para o torso. O movimento da cabeça em acidentes, porém, ainda é alvo de estudos por parte da FIA. Tais estudos devem ser auxiliados pelas imagens geradas por uma câmera de alta velocidade, introduzida na parte superior do chassi, à frente dos pilotos, nesta temporada.
As imagens coletadas durante o acidente de Alonso na Austrália podem ter um valor inestimável em medidas de segurança e estudos futuros por parte do órgão que comanda o esporte.
Nos últimos meses, a discussão sobre uma proteção adicional para a cabeça dos pilotos veio à tona e surgiu então o 'Halo'. Embora boa parte do público tenha se mostrado relutante em relação à eficiência do aparato, a FIA, as equipes e os pilotos parecem ter concordado com a introdução da proteção na próxima temporada.
Embora o 'Halo' não seja um aparato esteticamente agradável, é uma evolução em relação a alguns conceitos testados pela FIA inicialmente. O 'Halo" é uma versão estilizada da primeira cobertura testada pela FIA, ao lado de outras, para evitar que detritos - como uma roda solta, por exemplo - atinjam a cabeça dos pilotos.
O 'Halo' utilizado pela Ferrari durante a pré-temporada em Barcelona não era um aparato estrutural e foi utilizado apenas em voltas de instalação. Os pilotos não reclamaram de problemas de visibilidade enquanto a peça estava instalada no carro.
O conceito do 'Halo' surgiu em meio às críticas sobre a falta de proteção para a cabeça dos pilotos contra detritos - como a mola que se soltou da Brawn de Rubens Barrichello e acertou a cabeça de Felipe Massa no final de semana do GP da Hungria de 2009.
A Red Bull também apresentou a própria versão do 'Halo', com uma proteção de acrílico e dois pilares de apoio na parte frontal. Ainda assim, a peça segue tendo opositores, mais focados nos pontos negativos do que nos benefícios de proteção aos pilotos.
Independentemente de qual solução a FIA escolher para 2017, a decisão mostrará que a entidade que comanda o esporte segue atenta aos incidentes e se esforçando para obter avanços na segurança.
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