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COLUNA: o dia em que menti para ter uma exclusiva e pagar mico com Lauda

O histórico com GP do Brasil de 2006 teve título de Alonso, aposentadoria de Schumacher e vitória de Massa; no paddock, uma entrevista marcou minha vida

Felipe Motta e Niki Lauda

Foto de: Acervo pessoal

Todo Grande Prêmio do Brasil era um evento em nossa cobertura de rádio. Eu viajava o calendário todo sozinho com o microfone da Jovem Pan, transmitia as corridas ao lado de Téo José e Claudio Carsughi e em Interlagos tínhamos reforços de mais oito profissionais. Dois eram operadores de áudio. Os demais, repórteres.

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Em 2006, o GP do Brasil era histórico antes mesmo de começar. Havia disputa pelo título entre Fernando Alonso e Michael Schumacher, embora a situação do espanhol fosse confortável. O alemão faria na ocasião sua última prova (mudaria de ideia 3 anos depois) e o Brasil tinha chance de vencer a corrida pela primeira vez desde Ayrton Senna, em 1993, com Felipe Massa.
Michael Schumacher, Ferrari 248F1

Michael Schumacher, Ferrari 248F1

Photo by: Charles Coates / LAT Images

Por esse motivo, a preparação foi diferente em nossa cobertura. Durante todos os dias eu ia e voltava da pista com os colegas Bruno Vicari e Ulisses Neto em meu carro. Juntos, preparamos estratégias para fazer uma cobertura com padrão internacional, já que nós três tínhamos facilidade com idiomas. 
 
A cobertura estava andando bem desde quinta-feira, mas foi no domingo que marcamos "o gol de placa". Queria muito entrevistar Niki Lauda ao vivo. Já o tinha entrevistado algumas vezes, mas sempre aquela perguntinha rápida de paddock. Ao vivo era arriscado!
 
Na cabine estava Claudio Carsughi. Italiano e torcedor da Ferrari, seria um grande barato colocar Lauda na escuta da Jovem Pan (quando o entrevistado põe os fones de ouvido do repórter e conversa com a equipe inteira). Parecia uma ideia megalomaníaca, já que nem mesmo o futebol brasileiro adotava tal prática. Imagine então um tricampeão mundial austríaco. Mas por que não tentar?
 
Quando me aproximei de Lauda, com aquele frio na barriga bem claro, soltei uma lorota daquelas. No bom português, uma mentira, do bem é verdade, mas ainda assim uma mentira. "Lauda, o comentarista da minha rádio tem 75 anos, é italiano e acha que você é o maior da Ferrari de todos os tempos (não sei se isso é verdade ou não, mas absurdo não é, porque até Luca di Montezemolo pensa o mesmo). Poderia responder UMA pergunta dele?". Para minha surpresa, Lauda disse "sim".
 
Parecendo que tiraria minha mãe da forca, berrei para quem estivesse falando: "fulano!" (não faço ideia quem estava no ar naquele momento porque estava concentrado na "negociação" com Lauda). Quando o repórter em questão parou de falar, comecei a dizer com a voz firme escondendo o calor na garganta que tinha.
 
Eu, Vicari e Ulisses tínhamos um código de que sempre que começássemos uma entrevista deveríamos falar atrás de que box estávamos. A ideia era que os demais, ao ouvirem a informação, que era quase um grito de socorro, corressem para dar a própria escuta ao entrevistado. No entanto, jamais imaginávamos que poderia ser com alguém como Lauda.
 
Fiz apenas uma pergunta (em inglês) e assim que ele terminou traduzi a resposta. Então, soltei o famoso: "toma essa escuta que o mestre Claudio Carsughi vai te fazer uma pergunta. Diga lá, mestre!"
 
Carsughi fez uma, duas, três. Foram cinco! Sempre em italiano. Lauda, que falava o idioma, respondia. Quando terminava a resposta, Carsughi, que não é conhecido por falar rápido, traduzia a resposta por completo. E eu pensando "porra, mestre, resume isso aí que homem tá me olhando e sei lá se está puto da vida". O tricampeão era engraçado demais, mas quando sério tinha uma cara sisuda, enigmática.
 
Ficamos no ar dez minutos. DEZ! Lauda de frente para mim, com Vicari e Ulisses ao lado quase pendurados em seus ombros, Carsughi na cabine e o resto da equipe espalhada por Interlagos. Parecia um sonho....
 
Quando terminamos, ele saiu. Não parecia irritado, mas certamente não tinha sido o melhor momento da vida dele em um paddock. Nós três ali em puro transe. E Carsughi, que costuma ser frio, disse que aquele era um dos maiores momentos da história da Jovem Pan. (A considerar que a emissora transmitia corridas desde os anos 40 com Wilson Fittipaldi, o Barão, não era pouca coisa o que ele dizia).
Podium: race winner Felipe Massa, Ferrari, second place Fernando Alonso, Renault, third place Jenson

Podium: race winner Felipe Massa, Ferrari, second place Fernando Alonso, Renault, third place Jenson

Photo by: Lorenzo Bellanca / LAT Images

O FONE "DESBEIÇADO"
 
Quando nós três ainda nos olhávamos no paddock, Vicari, que havia emprestado a Lauda o fone, com o qual fazia a cobertura, segurava o aparelho nas mãos. 
 
"Puta merda. Olha só o fone que o Lauda usou. Todo empenado". O fone, de fato, não estava em boas condições. Era do mesmo tamanho que o meu na foto acima (eu até tenho um foto com o trio cercando Lauda, mas infelizmente não a encontrei a tempo). Só que a espuma estava toda pra fora, parecendo aqueles colchões desencapados. Era uma vergonha completa.
 
Seguimos a nossa cobertura, que ainda teve outros bons momentos, como uma exclusiva com Gerhard Berger, e no final voltamos à cabine da emissora, na reta dos boxes. Estávamos podres, afônicos e muito felizes.
 
Quando chegamos lá, Luiz Alexandre Rodrigues, o Choquito, chefe da equipe técnica da Jovem Pan, nos esperava. O Bruno de imediato soltou: "cacete hein, Choquito, metemos escuta no Niki Lauda, um dos maiores de todos os tempos, com esse fone todo ferrado. Que vergonha, cara".
Choquito, cara mega dedicado, mas pouco interessado em corridas, pensou alguns segundos e soltou, sem constrangimento. "O fone é ruim? É. Mas e daí? 'Esse tal' de Lauda nem a orelha tem."
 
ÍCONE
 
Já tive a honra de entrevistar algumas lendas, mas jamais um esportista me causou impacto tão grande à primeira vista como Niki Lauda. Agradeço ter podido acompanhade perto por 10 anos. 
 
Lauda inspirou a muitos. Lauda me inspirou. Na vida precisamos de inspiração, seja divina ou humana. Qual seria a dele? Acho que um pouco das duas....
 
TODOS OS CAMPEÕES
 
Nos últimos anos, três campeões nos deixaram: Lauda, Brabham e Surtees. Tive a honra de entrevistar os três. É como chegar ao Olimpo sem sair da Terra. Abaixo uma galeria que mostra os 33 campeões, sendo que 19 estão vivos e 14, infelizmente, que já partiram.
Giuseppe Farina, 1950
O primeiro campeão mundial nasceu na Itália em 1906 e faleceu na França em 1966. Foi o grande adversário de Fangio no começo dos anos 50.
Juan Manuel Fangio, 1951, 54, 55, 56 e 57
O pentacampeão, que reinou como maior campeão do mundo entre 1957 e 2002, nasceu e faleceu na Argentina (1911 - 1995). Fangio venceu seus campeonatos por quatro equipes diferentes: Alfa Romeo, Maserati, Mercedes e Ferrari.
Alberto Ascari, 1952 e 1953
O italiano foi a primeira lenda da Ferrari, dominando o mundial entre 1952 e 1953. Nasceu em 1918 e faleceu na pista de Monza quando testava um carro, em 1955.
Mike Hawthorn, 1958
Primeiro campeão mundial após domínio de Fangio, Hawthorn bateu o favorito Stirling Moss para ser o grande nome de 1958. Nasceu no Reino Unido em 1929 e faleceu 30 anos depois no mesmo país.
Jack Brabham, 1959, 60 e 66
O australiano tricampeão da F1 nasceu em 1926 e faleceu em sua terra natal aos 88 anos, em 2014. Brabham ganhou seu terceiro título corerndo pela própria equipe, que marcou a história da F1 com outros pilotos como Carlos Reutemann e Nelson Piquet.
Phil Hill, 1961
Primeiro norte-americano campeão da F1, Hill nasceu em 1927 e faleceu em 2008 nos Estados Unidos.
Graham Hill, 1962 e 1968
O bicampeão do mundo e único vencedor da tríplice coroa (500 milhas de Indianápolis, GP de Mônaco e 24 horas de Le Mans), Hill nasceu em 1929 na Inglaterra e faleceu em 1975 no mesmo país. Seu filho também fez sucesso na F1, veja mais à frente.
Jim Clark, 1963 e 1965
Piloto que se transformaria em uma das lendas da F1, nasceu na Escócia em 1936 e faleceu na pista alemã de Hockenheim, durante uma prova de Fórmula 2 em 1968.
John Surtees, 1965
Campeão pela Ferrari na F1, Surtees foi tetracampeão das 500cc de MotoGP antes de entrar para a Fórmula 1. Nasceu e morreu na Inglaterra (1934 - 2017).
Denny Hulme, 1967
Hulme foi campeão pela Brabham, quando disputou o título com o próprio patrão. Neozelandês nasceu em 1936 e faleceu na Austrália em 1992.
Jackie Stewart, 1969, 71 e73
Aos 79 anos, é o campeão mais velho ainda vivo. O escocês três vezes campeão foi o grande nome de sua época, estabelecendo recorde de vitórias em 1973, sendo superado apenas 14 anos depois. Nasceu em 1939 na Inglaterra.
Jochen Rindt, 1970
Único campeão póstumo da F1, Rindt nasceu em 1942 e faleceu durante o GP de Monza em 1970, pouco antes de ser campeão daquele ano.
Emerson Fittipaldi, 1972 e 1974
Primeiro campeão brasileiro, Fittipaldi rivalizou Stewart no início dos anos 70 a bordo dos carros da Lotus e da McLaren. Depois da Fórmula 1, Emerson passou a disputar corridas nos Estados Unidos, onde venceu as 500 milhas de Indianápolis. Fittipaldi nasceu em 1946 e tem 72 anos.
Niki Lauda, 1975, 77 e 84
Austríaco tricampeão da F1, veio a óbito nessa segunda feira aos 70 anos de idade. Lauda se aposentou das pistas em 1979 mas retornou em 1982 para conquistar mais um título antes de se retirar das pistas em definitivo. O piloto venceu 25 provas por Ferrari, Brabham e McLaren. Nasceu em 1949.
James Hunt, 1976
James Hunt era famoso por seu estilo de vida playboy e foi protagonista de uma das maiores rivalidades do automobilismo ao lado de Lauda. Nasceu em 1947 no Reino Unido e faleceu em 1993 no mesmo país.
Mario Andretti, 1978
Americano nascido na Itália em 1940, é uma das lendas das pistas, tendo vencido corridas em várias categorias diferentes, como indycar, Nascar e Fórmula 1. Aos 79 anos é o segundo campeão mais velho e ainda está envolvido com o automobilismo através das equipes que levam seu sobrenome.
Jody Scheckter, 1979
Responsável pelo último título da Ferrari antes de o time entrar em um período de seca que durou 21 anos. Nasceu em 1950 e está com 69 anos.
Alan Jones, 1980
Australiano foi responsável pelo primeiro título da Williams na Fórmula 1. Nasceu em 1946 e tem 72 anos de idade.
Nelson Piquet, 1981, 83 e 87
Com 66 anos de idade, primeiro tricampeão brasileiro, vê seu sobrenome se perpetuar no automobilismo com seus filhos Nelsinho e Pedro que disputam campeonatos ao redor do mundo. Nasceu em 1952.
Keke Rosberg, 1982
Finlandês nascido na Suécia em 1948, foi campeão pela Williams no campeonato com mais vencedores diferentes, superando 10 pilotos na disputa pelo título. Aos 70 anos de idade, é assim como Graham Hill, pai de outro campeão da categoria.
Alain Prost, 1985, 86, 89 e 93
Tetracampeão é considerado o maior piloto francês de todos os tempos e manteve o recorde de maior vencedor da categoria entre 1993 e 2001. Aos 64 anos, piloto que já possuiu equipe própria, atua como consultor da equipe Renault na F1. Nasceu em 1955.
Ayrton Senna, 1988, 89 e 91
Ayrton Senna nasceu em 1960 e faleceu nas primeiras voltas do GP de San Marino em 1994. Em 2015. O brasileiro foi escolhido pela associação dos pilotos de grandes prêmios (GPDA), como o maior piloto da história da Fórmula 1 .
Nigel Mansell, 1992
O Leão inglês, como era conhecido, rivalizou Piquet, Senna e Prost no fim dos anos 80 e começo dos anos 90. Nasceu em 1953 e completa nesse ano 66 anos.
Michael Schumacher, 1994, 95, 00, 01, 02, 03 e 04.
Maior campeão e vencedor de todos os tempos, alemão nascido em 1969, sofreu grave acidente enquanto esquiava em 2014 e apesar de estar vivo, pouco se sabe sobre seu estado de saúde desde então. Seu filho, Mick Schumacher, disputa a atual temporada de F2 e é um dos cotados para a F1 nos próximos anos.
Damon Hill, 1996
Filho do lendário Graham Hill, piloto nascido em 1960 fez sua estréia na F1 apenas aos 31 anos de idade e foi campeão com o veloz carro da Williams. Atualmente é dirigente do circuito de Silverstone e comentarista da TV britânica.
Jacques Villeneuve, 1997
Filho de mítico piloto Gilles Villeneuve, Jacques seguiu os passos do pai e conseguiu finalmente conquistar um título para a família em 1997. Villeneuve nasceu em 1971 no Canadá e tem 48 anos.
Mika Hakkinen, 1998 e 1999
Bicampeão pela McLaren, finlandês nascido em 1968, rivalizou Schumacher no final dos anos 90. Atualmente é empresário de pilotos e embaixador da marca Mercedes.
Fernando Alonso, 2005 e 2006
Espanhol nascido em 1981, quebrou a hegemonia de Schumacher e da Ferrari e se tornou um dos maiores nomes do esporte. Aposentado da F1 em 2018, segue disputando corridas em várias categorias. Sua maior meta é igualar Graham Hill como vencedor da tríplice coroa.
Kimi Raikkonen, 2007
Raikkonen continua em atividade pela equipe Sauber. Nascido em 1979, é o piloto mais velho do grid e tem vaga garantida até 2020 quando completará 41 anos.
Lewis Hamilton, 2008, 14, 15, 17 e 18
Britânico nascido em 1985, Hamilton dominou os últimos campeonatos com a Mercedes e se mantiver o ritmo poderá derrubar todos os recordes de Michael Schumacher. Aos 34 anos, Hamilton é em números o segundo maior de todos os tempos.
Jenson Button, 2009
Button era dado como carta fora do baralho, quando a bordo de um carro surpreendentemente rápido, venceu seis provas e levou o título de 2009. Piloto britânico nasceu em 1980 e se aposentou em definitivo da F1 em 2017.
Sebastian Vettel, 2010, 11, 12 e 13
Os anos de domínio pela Red Bull tornaram Vettel no tetracampeão mais jovem da história. Piloto que atualmente corre pela Ferrari tenta nessa temporada vencer o título e por fim a hegemonia de Hamilton. Tem 31 anos e nasceu na Alemanha em 1987.
Nico Rosberg, 2016
Filho de campeão Keke Rosberg, alemão superou todos os números do pai, exceto o de títulos. Nico surpreendeu o mundo em 2016 ao encerrar sua carreira aos 31 anos de idade, logo após ser campeão. Atualmente se dedica a gerenciar a carreira de pilotos e participar de eventos promocionais.
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