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O espetáculo é o risco

Será mesmo que as inovações dos motores híbridos afastaram o fã comum da Fórmula 1?

Carlos Sainz Jr., Scuderia Toro Rosso STR10
Valtteri Bottas, Williams no grid
Nico Hulkenberg, Sahara Force India F1 no grid
Pastor Maldonado, Lotus F1 Team e Romain Grosjean, Lotus F1 Team no grid, durante o Hino Nacional
Will Stevens, Manor F1 Team no grid
Lewis Hamilton, Mercedes AMG F1 W06 no grid
Max Verstappen, Scuderia Toro Rosso no grid
Derek Warwick, com Ron Dennis, presidente executivo da McLaren no grid
Dr Helmut Marko, Conselheiro da Red Bull com Lindsey Vonn, corredora de Alpine Ski no grid

Se atribui a Bernie Ecclestone a afirmação de que a ‘era Schumacher’ quase acabou com o ‘esporte’, se referindo a queda da audiência televisiva e de comparecimento de público às pistas, ocasionada pela superioridade da dobradinha do piloto alemão com a Ferrari, entre os anos 2000 e 2004. O relativamente recente tetracampeonato da RBR com Sebastian Vettel, pode ter sido decisivo na introdução dos novos motores V6 turbo com propriedades híbridas, que concedeu a atual vantagem da Mercedes... A mesma equipe de fábrica que, nesses mesmos anos de gloria do projetista Adrian Newey da Red Bull, se via ameaçada por seus próprios acionistas, que reclamavam da queda de prestígio da marca ao não conseguir resultados expressivos com a dupla Schumacher e Rosberg.

Agora, diante da projeção inquestionável do bicampeonato da dupla da Mercedes, novamente, escutamos rumores de tentativas de mudanças na F1 para dar mais competitividade ou equilíbrio ao campeonato mundial de F1, objetivando de forma nítida acabar com a supremacia daquela equipe alemã sem que os concorrentes tenham que gastar muito, ou... serem tão brilhantes, inovadores e eficientes.

Poderíamos imaginar que tudo na F1 gira em torno de chamar à atenção do público, até mesmo os rumores e propostas bizarras... Que diversos factóides e balões de ensaio são criados para aquecer o noticiário esportivo... Mas, fica a dúvida se realmente falam sério quando divulgam que há quem pense que o atraso tecnológico proposital representado pelo retorno dos motores V8 aspirados possa ser uma solução aceitável pelos aficionados...

O mau exemplo do desperdício de inovações

No passado já foram capazes de vetar a primeira geração de motores turbo, o controle automático de tração e outros itens que nasceram ou foram desenvolvidos na Fórmula 1 e acabaram parar em nossos carros de passeio e em diversos outros setores da indústria... Inovações que justificam o alto investimento de fabricantes em colaboração com as equipes, pois representam patentes que valem fortunas e o espírito do progresso como um todo, algo que não podemos sabotar em nome de enfeitar o picadeiro.

No futebol, ninguém reclama, ou falta público, para às equipes que são campeãs de forma sucessiva, ou que mantenham por diversos anos seguidos uma superioridade esportiva. Ninguém critica o fato dessa superioridade ser obtida por uma maior capacidade financeira dos clubes em destaque. Muito pelo contrário, apresentar grandes jogadores em campo é garantia certa de melhores arrecadações... Todavia, temos que admitir: existe uma grande diferença de visualização entre essas distintas competições; o que explicaria esse paradoxo. Como na NASCAR, que ainda possui uma audiência rentável, o expectador do futebol, tem uma boa visualização de toda a competição... Na F1 o público presente olha mais para os telões dispostos nos autódromos do que para o relativamente pequeno trecho de pista que conseguem enxergar. Quando apenas uma equipe se destaca na F1, as câmaras da TV são obrigadas a buscar atividade de disputa, possíveis ultrapassagens e manobras arrojadas, nos carros que estão longe da disputa principal da prova, o espetáculo televisivo perde muito com isso, queremos o ‘pega’ na disputa pelas primeiras posições.

Circus Maximus

Acho que chegou o momento de tentarmos finalmente entender o que de fato gera audiência e comparecimento nas pistas, isto é, o tão necessário faturamento, antes que assistamos a uma troca dos elegantes tons pasteis do Cirque du Soleil pelas cores berrantes do circo americano clássico, tipo Ringling Bros. A F1 não é a NASCAR...

A já antiga comparação do mundo da Fórmula 1 com um circo não é maldosa como muitos pensam. Quem é contra a comparação, acertadamente, consideraria que nos circos de hoje em dia não há competição, tudo que acontece é predeterminado com antecedência, é tudo combinado, portanto, não é esporte. Todavia, se esquecem ou não sabem que o primeiro grande circo – palavra que expressa um círculo, a concepção da arena ou do próprio picadeiro – que a humanidade conheceu, retrocedendo ao Império Romano, o ‘Circus Maximus’, só tinha, inicialmente, um único espetáculo, justamente uma corrida de bigas, aquelas charretes romanas... com mais ou menos cavalos, poderíamos comentar, aumentando a alegoria comparativa com os cavalos de força dos motores de hoje em dia...

Contudo, a disputa de velocidade das bigas não foi suficiente para satisfazer os romanos, não bastava apenas as emoções produzidas pelo risco das bigas tombarem ferindo ou matando seu condutor... Assim... Eles introduziram a possibilidade dos condutores se digladiarem entre si enquanto disputavam a corrida... Chicotes, lanças, flechas, machados, martelos, capacetes e armaduras passaram a ser equipamentos obrigatórios exigidos pela FIA (Federação de Imperadores Alucinados) da época, poderíamos dizer brincando...

O limiar entre o ganhar e o perder

Podemos então chegar a conclusão que a grande atração, tanto dos circos quanto de diversos esportes ditos radicais ou não, se resume na palavra RISCO. Sempre lembrando que a sensação de risco pode ser obtida apenas com a apresentação do limiar entre o ganhar e o perder. Tem que haver risco para ser atrativo... Alguém se lembrou da NASCAR? A platéia mundial ainda elege o fator risco como o maior atributo ou tempero do espetáculo que assistem. O pior é que poucos admitem isso ou sabem como satisfazer essa tendência sem declinarmos de nossas conquistas civilizatórias, que nos dizem que não é possível que nos comportemos de forma sádica com os pilotos, como os antigos romanos faziam com seus gladiadores condutores de bigas... Sublimamos a questão admitindo que o risco deve ir para o carro, não para a vida que o conduz. O Cirque du Soleil não precisa acabar com os fios de aço que seguram seus acrobatas, nem o Ringling Bros precisa retirar a rede de proteção do seu show de trapézio... basta sabermos que veremos a falha do artista se ela ocorrer, ou melhor, que existe a forte chance de vermos essa falha.

O mito da velocidade

Pelo caminho temos alguns mitos, a geração artificial de riscos, como o da velocidade... Quanto maior velocidade maior o risco? Sim e não... O fato é que os carros da F1 estão com a velocidade reduzida por regras que visam a segurança do piloto... A velocidade é só um conceito, diversas categorias do automobilismo esportivo oferecem grande emoção sem serem, nem de perto, tão velozes quanto a F1 ou a Indy... Alguém lembrou novamente da NASCAR? Temos diversas disputas em paralelo e a velocidade serve apenas para designar parâmetros para a disputa tecnológica que, de forma insuspeita, atrai muitos aficionadas... As corridas de Enduro são uma total prova desse fenômeno... Quem sustenta financeiramente essas corridas, aborrecidas do ponto de vista de emoções fortes e da visualização de ‘pegas’, já que são dificílimas de serem acompanhadas, tanto por públicos presentes quanto por aqueles de casa? Trata-se de um público que gosta de acompanhar a disputa de marcas e conceitos tecnológicos aplicados nos bólidos, a carreira dos pilotos, etc. Um público exclusivo e muito mais seleto e, por isso mesmo, muito mais reduzido... Mas, se existe dinheiro para os grandes fabricantes colocarem nos seus protótipos que correm em Le Mans, por que faltaria recursos para fazerem o mesmo na Fórmula Um? Audi, Porsche e Toyota gastam fortunas com seus protótipos... Por que Mercedes, Ferrari (leia-se FIAT) e Renault (leia-se Nissan) não podem fazer o mesmo na F1, que possui um retorno muito maior de prestígio para a marca?

No maior mercado do mundo, depois do próprio...

Pressionada pelos custos da crise americana de 2008-2011, a Indy acreditou que a resposta estava na competitividade dos pilotos e equipes com carros praticamente iguais, como ocorre nas corridas de kart... Determinaram que todos os carros usariam a mesma carroceria da Dalara e motores V6 Turbo da Chevrolet ou Honda, ambos queimando Etanol e equalizados por um rígido regulamento. O resultado foi negativo. A categoria tem lutado com a perda de público, mesmo ainda sendo muito veloz e com corridas muito mais acirradas e disputadas que na própria F1 atual... além de contar, também, com algumas pistas ovais que permitem ao público um bom acompanhamento visual da disputa. Nitidamente, falta a corrida tecnológica, as inovações que geram torcedores... O ‘pass button’ da Indy não ocasiona a liberação da energia elétrica acumulada pelo KERS para um motor elétrico que funciona em paralelo com aquele principal à combustão, em seus turbos não sopra nenhuma ventuinha de recuperação de energia... Trata-se de um simples aumento de mistura de combustível controlado pelo computador de bordo, que limita artificialmente o número de vezes que o dispositivo pode ser usado.

Recentemente, a Indy parece ter se dado conta do erro de pretender carros mais ou menos iguais para todos, permitindo que Honda e Chevrolet introduzam kits aerodinâmicos próprios. A última corrida em Fontana, na Califórnia, foi considerada uma das mais disputadas e emocionantes de todos os tempos, ou seja, o fim parcial da ditadura da igualdade parece ter começado a dar certo... Porém, alguns pilotos se queixaram do aumento do risco, pois, obviamente, estão mal acostumados com os novos equipamentos.

O público cativo da NASCAR não se importa com o aparente retrocesso tecnológico dos carros que a categoria principal usa, mesmo considerando que aquelas carrocerias sejam apenas ‘cascas’ que imitam modelos de venda popular... O suficiente para visualizarmos um acidente que poderia acontecer em qualquer rua americana, em uma batida envolvendo um Toyota Camry, um Chevrolet SS ou um Ford Fusion. Carros que praticamente todos da plateia presente no oval poderia possuir caso quisessem. Será que isso explica porque a categoria da NASCAR que corre com Mustangs e Camaros faça menos sucesso? A identificação do público com o risco possível? Apenas um fenômeno de visualização? A transformação dos pilotos em espécies de super heróis do wrestling... com logos publicitários no lugar de máscaras de lutador de catch televisivo? O marketing nacionalista, frango frito, batata frita, hot-dog, pipoca, e muitas latinhas de cerveja... A NASCAR não serve de referência porque, como o futebol americano e o baseball, acabou se transformando em um fenômeno cultural com características absolutamente nacionais ou regionais... Muito embora verifiquemos um esforço para sua exportação para a Europa... todavia, com Mustangs, Camaros, enfim... carros que vendem a imagem esportiva e a da modernidade... Contudo deixa a lição que é necessário haver uma identificação com o mundo real, que artificialismos devem ser evitados.

Provocar inovações: O risco saudável

Um dos ‘fios de aço’ que podem ser retirados da Formula Um, inclusive forçando inovações, é na questão dos pneus... Algumas pesquisas de opinião apontam que o público considera que um pneu deveria durar a corrida inteira, que pilotos deveriam buscar o mérito de saberem administrar sua duração.

Acabar com a coreografia dos mecânicos, nessas muitas vezes lotéricas trocas de pneus traria muito mais emoção e equilíbrio a F1, da mesma forma como a pista molhada pela chuva (não por sprinklers!!!) iguala as equipes e permite que o melhor piloto se destaque, mesmo pilotando um carro menos veloz...

O fim das paradas para troca de pneus ou a permissão da troca de apenas um pneu a cada parada, depende, fundamentalmente, da existência de mais de um fabricante de pneu, todos disputando quem encontra a melhor mistura de borracha e materiais sintéticos para que o pneu aguente uma corrida inteira. Sim. Haverá perda de velocidade, contudo, já vimos que a velocidade é apenas um mito, um conceito, os carros estão limitados, tanto no motor quanto na aerodinâmica... Se quisessem manter o marketing da maior velocidade, bastaria que modificassem os atuais limites...

Ficaria mais inseguro para os pilotos e o Cirque du Solei deve continuar existindo... Arguiriam... O retorno do controle automático de tração deveria ser exigido ou permitido. Todavia, os ganhadores seriam aqueles que pilotassem de forma mais cautelosa, evitando o desgaste dos pneus que não poderiam ser trocados. Seria comum vermos lideres da disputa com o pneu furado a poucas voltas do final, nunca saberíamos se aquele carro com 20 segundos na frente do segundo colocado chegaria ao final... Portanto, a emoção retornaria ao pelotão do meio, garantindo emoções constantes em toda duração da corrida. A possibilidade de erros na troca de pneus, como recentemente ocorreu com Vettel e Massa, deixaria de existir, entretanto, teríamos um retorno à lógica de que pneus devem durar por um trajeto pré-definido. O conceito de troca de pneus é artificial ao uso automobilístico regular, acontece uma perda de identidade com o motorista do dia-a-dia, o fã da Fórmula Um que se pretende conquistar.

Muitos querem acabar com o limite no consumo de combustível... ou permitir o abastecimento... Mais uma maneira de anular a vantagem da Mercedes que se saiu melhor na construção de um motor com maior resposta de potência e ainda assim mais econômico. Todavia, à abdicação da busca por maior desenvolvimento, nesse caso, é o mesmo que se negar ajuda a humanidade com seu problema com a poluição dos combustíveis fósseis, além dos problemas políticos gerados pela dependência dos países produtores de petróleo, esgotamento das reservas, efeito estufa, etc. Politicamente, algo totalmente inaceitável para o esporte nos dias atuais. Se assemelha a bizarria de se pretender aumentar o ruído dos motores V6 para faze-los dar as mesmas sensações sonoras do antiquado motor V8, quando, na realidade, para à audiência televisiva, aquela onde está a maior fatia de faturamento, pouca ou nenhuma diferença esse ruído importa ou faz diferença.

Os donos da Fórmula Um e os pilotos não estão errados em provocar todas essas discussões. Não é só uma maneira de atrair à atenção dos aficionados, é chamá-los para a interação nas decisões, colocar o público na mesma rede social em um processo democrático, afinal, se errarem em atender o gosto da maioria, o prejuízo que querem evitar será muito maior. Os limites impostos ao esporte devem ser no sentido de provocar inovações e modernidade. O Cirque du Solei não precisa se transformar no Ringling Bros. e vice-versa, já que cada um tem o público que faz por merecer.

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João Corrêa
Fórmula 1
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