Análise: GPs da F1 sem apoio governamental estão em risco pelo coronavírus
Pela primeira vez em 70 anos, o GP da Itália e outros GPs históricos estão em risco, caso precisem receber as provas com portões fechados
"Partida com portões fechados". Quantas vezes já ouvimos essa frase saindo da sentença de um juiz desportivo? Mas, claro, estamos falando sobre o futebol, no contexto onde jogar sem a presença do público é uma medida disciplinar tomada como resultado de alguma ofensa.
Os "portões fechados" são sinônimos de condenação, sanção, punição. Em alguns meses (realmente esperamos que sim!), a Fórmula 1 deve retomar suas atividades de pista, mas deve voltar em circuitos desertos, onde a única presença permitida será daqueles estritamente necessários para fazer um GP acontecer.
Será uma situação inédita para o circo da F1, que deverá cumprir essa regra, apesar de não ter cometido nenhuma ilegalidade. Mas essa imposição é compreensível devido às medidas restritivas relacionadas à situação que estamos enfrentando e, como tal, devem ser respeitadas.
Porém, isso não será uma transição simples para a F1, cujo modelo de negócios tem a presença do público como uma das pedras angulares para a sobrevivência do sistema.
As condiçoes atuais exigem que as decisões sejam tomadas levando como base o que seria "menos pior", e, no momento, a opção de correr com portões fechados é, de fato, a única maneira de iniciar a temporada no verão europeu.
Mas, por quanto tempo a F1 poderá se dar ao luxo de organizar corridas com portões fechados? E, acima de tudo, quais são os GPs que podem bancar uma prova sem a presença do público?
Pierre Gasly, Red Bull RB15
Photo by: Evgeniy Safronov
Templos da F1 em risco
A má notícia (para os torcedores) é que, nessa situação, os locais históricos do mundial são os que mais sofrerão. Estamos falando de circuitos como Mônaco (já cancelado), Monza, Spa, em geral, todas as pistas com GPs promovidos por organizadores que não podem contar com grandes recursos vindos do governo.
Mesmo que sejam inferiores aos custos daqueles que precisam estabelecer um circuito urbano, as pistas permanentes devem, em qualquer caso, alocar fundos significativos para os acessórios necessários para a F1.
O primeiro ponto é que um circuito (como Monza) deve ter certeza de que não pode receber o público pelo menos seis semanas antes do evento, o tempo necessário para montar as arquibancadas.
Este é um número significativo, já que os custos de montagem e desmontagem variam de 25 euros para um local descoberto a 60 para um coberto, por pessoa. Levando em conta o número de espectadores que se reúnem nas diversas arquibancadas (entre 35 e 40 mil no caso da Itália), isso representa uma despesa que varia entre um e 1,5 milhão de euros. Se houvesse um cancelamento de última hora do evento, como aconteceu em Melbourne, seria um banho de sangue para as finanças da pista, que colocaria em risco sua própria sobrevivência.
Valtteri Bottas, Mercedes AMG F1, Race winner Charles Leclerc, Ferrari and Lewis Hamilton, Mercedes AMG F1 celebrate on the podium
Photo by: Andy Hone / Motorsport Images
Sem público, a ajuda externa se mostra indispensável
Mas, mesmo que tenha sido deixado claro de antemão que o evento será realizado com portões fechados, ainda existem outros grandes problemas que precisam ser superados.
Supondo que a Liberty pare de solicitar a taxa que os organizadores dos GPs geralmente pagam, os custos de ter o circuito pronto permanecem, além dos relacionados ao pessoal essencial para o evento: administradores, equipe interna, segurança, instalações médicas e outras menores. Quem assume isso? A única chance seria da Liberty assumir esses gastos, mas é pouco provável, devido ao momento difícil que todos estão passando.
A falta de público dificulta o caminho do financiamento público, que Monza já desfrutou no passado. De fato, a despesa é um investimento, amplamente reembolsado pelos lucros gerados pelo evento.
Segundo um estudo realizado pela Câmara de Comércio de Monza e Brianza, o efeito direto do Grand Prix do ano passado foi de 24,6 milhões de euros, dividido entre acomodações (8,1 milhões), restaurantes (6,6 milhões), transporte e estacionamento (1,8 milhão), além de compras e outras áreas (8 milhões). Obviamente, tudo isso está relacionado à presença dos espectadores (200 mil no ano passado pelos três dias) e, sem o público, tudo cai.
Valtteri Bottas, Mercedes AMG F1, 2nd position, Charles Leclerc, Ferrari, 1st position, and Lewis Hamilton, Mercedes AMG F1, 3rd position, on the podium
Photo by: Jerry Andre / Motorsport Images
Os únicos GPs seguros são os "estatais"
No plano elaborado pela Liberty, FIA e equipes, há a previsão de início da temporada de 2020 em 05 de julho na Áustria, com uma segunda corrida a ser realizada no mesmo local na semana seguinte.
Porém, o Red Bull Ring é uma instalação privada, de propriedade do grupo que é líder no setor de bebidas energéticas, e um tirar dinheiro do próprio bolso para garantir os serviços necessários para realizar essas corridas não é algo que tira o sono do proprietário do local e da empresa, Dietrich Mateschitz.
Nos dias 19 e 26 de julho, a intenção é replicar o roteiro em Silverstone, e, neste caso, especula-se que a Liberty vá arcar com os custos, sendo a corrida "de casa" de 7 das 10 equipes do mundial, o que traria uma economia significativa em termos de logística.
O grande ponto de interrogação é o que acontecerá depois da rodada britânica. A possibilidade da prova da Hungria em sua data original permanece, mas nenhum comentário sobre a questão é feita.
Há outras provas no calendário cujo foco é diferente, Rússia, Azerbaijão, China, Vietnã, Bahrein e Abu Dhabi são eventos garantidos com fundos do governo, alocados para promover a imagem dos respectivos países diante do mundo, através da exploração de um evento mundial.
Nesses casos, a presença do público na pista não é um elemento essencial para a realização do evento. Se tiver, melhor, mas, se não tiver, não é de muita importância. Durante anos, a arquibancada do lado de fora da primeira curva do circuito de Xangai tem sido usada como um outdoor gigante.
No momento, estes são os locais mais seguros para a F1 em caso de emergência, mas a categoria trabalha para garantir que possa realizar o calendário mais completo possível. Os rumores falam de provas fora da Europa entre setembro e dezembro, com as provas no continente americano, Estados Unidos, México e Brasil, em outubro.
A Europa está destinada a pagar um preço alto pelos efeitos da Covid-19, mas, no momento, há algo a mais em jogo além das grandes tradições cimentadas pelas provas históricas em sete décadas de campeonato.
Hoje, o futuro da F1 está em jogo, e, em uma situação de emergência, a prioridade é iniciar a temporada. Se, como esperado, os planos seguirem em frente, as boas novas serão mais importantes que o sacrifício temporário de qualquer circuito, desde que seja apenas um caso excepcional, como o que o planeta inteiro está enfrentando atualmente.
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