F1: FIA descobriu escândalo do Crashgate no GP do Brasil de 2008, mas não agiu

Entrevistas que não foram usadas na versão final do documentário sobre a vida do ex-presidente da FIA Max Mosley mostram a cronologia do caso

Nelson Piquet Jr., Renault F1 Team R28 crashes into the wall

A revelação de Felipe Massa de que ele busca entender se há uma forma legal de desafiar o título de 2008 da Fórmula 1 (veja vídeo no fim da nota) abriu novamente a controvérsia em torno do Crashgate no GP de Singapura daquele ano.

A decisão de Massa foi tomada com base em comentários recentes do ex-chefão da F1 Bernie Ecclestone sobre as consequências da batida proposital de Nelsinho Piquet na etapa de Marina Bay, que terminou com a vitória de Fernando Alonso.

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Ecclestone sugeriu que ele e o então presidente da FIA, Max Mosley, descobriram a manipulação ainda na temporada de 2008, tendo tempo hábil para responder antes da decisão.

Em entrevista com o F1-Insider no mês passado, Ecclestone disse: "Queríamos proteger o esporte de um escândalo gigante. É por isso que eu usei da lábia para persuadir meu ex-piloto Nelson Piquet para manter a situação calma naquele momento".

"Naquela época, havia uma regra de que a classificação do mundial era intocável após a Cerimônia de Gala da FIA. Então Hamilton recebeu o troféu e tudo estava bem. Tínhamos informações suficientes para investigar o caso. Segundo o estatuto, deveríamos ter cancelado o GP de Singapura pelas condições".

Os comentários de Ecclestone apontam para um possível acobertamento do caso como forma de proteger a F1 de comentários negativos, suficientes para Massa sentir a necessidade de levar isso adiante.

O brasileiro tem toda razão de se sentir irritado. Se a FIA sabia disso ainda em 2008, quando o resultado poderia ter sido modificado, por que nada foi feito imediatamente?

Boa parte dessa resposta foi caçada há alguns anos, quando Mosley e o ex-diretor de provas da F1, Charlie Whiting, foram entrevistados para o documentário Mosley: It's Complicated, lançado em 2021. Apesar de parte dessa conversa não ter entrado na versão final, o Motorsport.com teve acesso às entrevistas completas à época, confirmando quando que a FIA descobriu o caso, e por que nada foi feito.

A confissão no GP do Brasil

Felipe Massa, Ferrari F2008

Felipe Massa, Ferrari F2008

Photo by: Steven Tee / Motorsport Images

A revelação de que Nelsinho havia batido deliberadamente no GP de Singapura de 2008 foi feita a Whiting no Brasil naquele mesmo ano, palco da final entre Massa e Hamilton. Whiting, que morreu em 2019, explicou: "Haviam algumas teorias da conspiração no ar após o GP, mas nada concreto".

"Mas foi no Brasil. Eu estava falando com Nelson Piquet. Eu fui seu mecânico por anos, e seguimos bons amigos. Ele veio ao meu escritório e estávamos conversando. Aí, de repente, ele fechou a porta".

"Ele colocou seu pé diante da porta, para que ninguém pudesse abrir, e me disse o que aconteceu em Singapura. O alvo era Flavio [Briatore] porque, basicamente, o que ele queria dizer era: 'Flavio fez meu filho bater'".

"Eu disse 'uau, isso é muito grave'. Não sei se ele havia dito isso a outras pessoas, mas ele me pediu para não contar a ninguém. Ele sabia que eu diria isso a Max [Mosley]".

A versão de Whiting foi confirmada por Nelsão à época, dizendo aos investigadores em 2009 que havia informado Whiting.

"No Brasil, eu falei com Charlie", disse Piquet à época. "Eu cheguei nele e perguntei o que poderia acontecer com Nelsinho se eu revelasse isso? Eu estava com medo de ferrar com a carreira dele".

A falta de evidências

Charlie Whiting, Race Director, FIA

Charlie Whiting, Race Director, FIA

Photo by: Zak Mauger / Motorsport Images

Enquanto Whiting chegou a falar para Mosley o que Piquet havia lhe dito, a FIA evitou lançar uma investigação formal de cara. Refletindo sobre isso, Mosley, um ex-advogado, disse que apesar das palavras de Nelson, a Federação não poderia sair acusando porque não haviam provas de que Nelsinho havia sido instruído a bater deliberadamente.

"A conversa de Piquet com Whiting confirmou o que eu suspeitava, e confirmou o que muitos acreditavam", disse Mosley ao documentário. "Mas, claro, não disse nada a ninguém. Não haviam evidências. Aí Nelsinho foi demitido pela Renault [em 2009], e Piquet veio falar comigo em Mônaco e me contou a história. Eu não falei que já sabia, apenas disse que era terrível".

Mosley explicou que, neste momento, ele recrutou investigadores para falar com Nelsinho, visando lançar uma declaração oficial sobre o que aconteceu. Mas, mesmo assim, ele sentia que não haviam provas para uma ação concreta.

"Tínhamos a declaração assinada por ele. Mas claro, isso não era suficiente, porque eu sabia que, mesmo com essa declaração e as evidências, a defesa da Renault seria: 'Acabamos de demiti-lo. Ele está buscando vingança, causar problemas".

As conversas em Spa-Francorchamps

Nelson Piquet Jr., Renault R28 crashes into the wall

Nelson Piquet Jr., Renault R28 crashes into the wall

Photo by: Sutton Images

Mosley disse que foi apenas depois da FIA enviar investigadores e advogados para o GP da Bélgica de 2009 com o objetivo de conversar com pessoas da Renault que a Federação tinha um caso concreto para trabalhar.

"Ele entraram escondidos no paddock, porque pra mim ninguém tinha que saber, nem mesmo Bernie. Se Flavio descobrisse, ele teria encerrado tudo na hora".

Enquanto as entrevistas de Spa convenceram oficialmente a FIA de que haviam provas suficientes para levar o caso ao Conselho Mundial do Esporte a Motor, elas também deram uma ideia do quanto que Alonso sabia.

"A primeira pessoa convocada foi Alonso, que negou saber sobre o que havia acontecido", disse Mosley. "Muitas pessoas provavelmente acham que Alonso sabia, mas é interessante que o superintendente, alguém com enorme experiência de interrogação, disse pra mim que estava convencido que Alonso estava dizendo a verdade. Então tudo bem".

"O próximo convocado foi Pat Symonds, porque ele era uma das quatro pessoas envolvidas. E Pat, claro, é uma pessoa das mais honestas. Então quando ele foi questionado sobre o óbvio, ele disse que não podia responder à pergunta".

"Assim que ele disse isso, tínhamos uma confissão. Então convocamos Flavio perante o Conselho Mundial e o resto é história. Eles foram banidos e mais".

Enquanto as declarações deixam claro que a FIA queria as evidências antes de tomar uma ação, para Massa a questão real é se ele acredita que a Federação poderia ter agido antes, quando soube do que havia acontecido.

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