Halo: quando o politicamente correto não é falso
João Corrêa analisa os meios que fazem parte do grande circo da F1 e como decisões - como a do Halo - poderiam ser votadas
Assim como nos países dito democráticos, as decisões da F1 que afetam ao circo como um todo, teoricamente, são tomadas por um colegiado de quatro forças que atuam nessa categoria de espetáculo de competição: a 'prefeitura', o empresário, as empresas associadas na montagem física do circo e a cooperativa independente de artistas.
A prefeitura da cidade virtual onde está instalada as grandes tendas de lona, a FIA, possui peso dois na votação, para compensá-la da responsabilidade que carrega ao emprestar sua credibilidade no sancionamento da competição... ou seja, ao expedir o alvará, na nossa comparação metafórica.
Depois temos o empresário, aquele que coordena a parte comercial e o marketing dos shows, a FOM, a empresa onde Bernie Eclestone, além de acionista, é o CEO.
Na sequência de forças votantes temos as diversas empresas terceirizadas que montam as tendas e os aparelhos utilizados nas apresentações e que também contratam operários e artistas, ou seja, as equipes.
Por último temos a cooperativa de artistas, a GPDA, a associação dos pilotos.
Utilizando a questão do Halo para simularmos essa democracia representativa em atuação temos a chance de compreender com clareza quando e porque determinados impasses só podem ser resolvidos com a convocação de um plebiscito, onde o povo, no caso a plateia do circo, decide diretamente, sem o uso de representantes, a questão que dá origem ao impasse.
Voto a voto
A proposta de uma proteção adicional para o cockpit veio da própria FIA. O Halo foi desenvolvido inicialmente por membros dessa federação e engenheiros da Mercedes. Logo poderíamos imaginar que os dois votos da FIA seriam a favor da adoção do dispositivo para ontem, no entanto, a FIA não quer ser responsável por mais um fator desestimulante de audiência da categoria, ela já possui diversas acusações desse tipo em sua conta. Diversas exigências de segurança deixaram os carros feios e complicados, como se não bastasse todas as asas e aletas da aerodinâmica. É como se a prefeitura não quisesse correr o risco de forçar o circo a ser montado em outro bairro e a população, por causa da distância, se desinteressar em ir assistir as apresentações.
Não querem também causar uma rebelião dos demais 'parceiros' da grande atração. A FIA não é dona do circo, este pode decidir mudar de cidade e entrar em acordo com outra entidade como a IMSA americana, por exemplo. Então para não dar provas de fraqueza em seu papel de fabricante de regras, politicamente falando, a FIA pode 'empurrar com a barriga' uma posição mandatória na questão sob a alegação de que o Halo, como um novo fio de segurança de metal do trapézio, ainda não foi totalmente testado e aprovado.
Igualmente pode admitir que ainda pairam dúvidas sobre o quanto atrapalha a visibilidade dos pilotos ou quanto aquilo possa dificultar a retirada dos mesmos de dentro do cockpit, a depender do tipo de acidente que ocorra.
A FOM, com a necessária frieza do comportamento empresarial, só pensa na audiência do espetáculo. Se por um lado sabe que existe uma grande parte do público que só se sente atraída pelos malabarismos do trapézio quando estes são executado sem a proteção de uma rede e/ou fios de segurança, do outro lado, já conheceu tanto no passado remoto quanto no recente a tremenda queda de audiência que ocorre a cada acidente fatal. Os marqueteiros da empresa ficam na dúvida entre a atratividade do midiático esporte radical e a acusação de atração apelativa, ou 'freak show' imposta pelo parecer do politicamente correto.
Em qualquer modificação dos carros, a principal preocupação das equipes é com os custos. Instalar uma proteção para o cockpit é uma ninharia para qualquer equipe da F1, desde que isso seja avisado em tempo hábil para sua instalação. Algumas horas em um túnel de vento sai mais caro do que todo o projeto do Halo e congêneres. Sendo algo igual para todos, elas jamais se oporão a ideia. Não podemos esperar que ela obtenham uma diminuição nos diversos seguros que pagam, mas até que não seria uma má ideia lembrar-lhes que pelo normal isso seria possível. Todavia as equipes, nesse caso específico, tendem a ter as mesmas dúvidas que a FOM.
Pelas entrevistas concedidas pelos pilotos chegamos a três grupos: os que seriamente desejam uma proteção adicional, os que não ligam muito mas aceitam porque percebem que é a coisa 'comportada' a ser dita e aqueles que não querem por uma questão qualquer de autoimagem (a autoafirmação do herói) ou irresponsabilidade pessoal, a mesma que , talvez, tenham-no feito optar por uma profissão de risco.
Carlos Sainz Jr., um dos mais jovens pilotos do grid, considerou que todos os pilotos deveriam testar o dispositivo para depois aceitá-lo ou não. Não poderia ter sido mais feliz em sua singela e óbvia afirmação. Quem deveria decidir a adoção do novo dispositivo ou não são os pilotos, a GPDA, afinal é a vida deles que vai ser salva, atrapalhada ou condenada. Todavia, a decisão dos pilotos não é isenta de erros, suas opiniões tendem a não contrariar as equipes, seu tempo de profissão na F1 é curto, tem que maximizar seus ganhos de forma empresarial...
E como acontece um plebiscito?
A urna, mais eletrônica do que nunca, é a mídia que transporta a questão aos aficionados. As redes sociais e os sites especializados são de natureza interativa... A questão está posta e ela em si mesma se torna em mais uma atração do circo. O feedback dessa interação conterá o resultado da consulta popular.
Contudo, ao adiarem a adoção do novo dispositivo para depois das modificações a serem introduzidas no próximo ano, onde já foi adiantado que aumentarão a velocidade dos carros, todos os envolvidos na função do circo estão assumindo o risco de cair do trapézio. Não é preciso a A.S.O., outra fabricante de regras, resolver promover uma corrida sprint de uma hora e meia com os carros da LMP1 e daí começar um campeonato a parte...
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