Opinion

ANÁLISE: Os atributos que tornaram Gil de Ferran uma força potente no automobilismo

Gil venceu as 500 Milhas e dois títulos da Indy em uma carreira brilhante que lhe rendeu uma grande admiração pelo mundo, além de sua personalidade. Além de uma velocidade inquestionável, uma abordagem analítica e um background em engenharia, que o tornaram um gigante dentro e fora do carro

Gil de Ferran, Walker Racing, Reynard 99i Honda.

Foto de: Phillip Abbott / Motorsport Images

Gil de Ferran significava muito para várias pessoas no automobilismo. O alto número de homenagens e reações de choque à sua morte aos 56 anos foram universais em seu respeito por um piloto que tinha todos os atributos que o tornaram eficiente como piloto, chefe de equipe, diretor esportivo e no desenvolvimento de pilotos.

Roger Penske, seu chefe na Indy entre 2000 e 2003, um período que reposicionou a equipe na ponta das categorias norte-americanas, foi quem melhor definiu Gil como "uma pessoa que era a definição de classe como piloto e como um cavalheiro".

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O brasileiro nunca correu como piloto na F1, apesar de dominar a F3 Britânica em 1992 e vencer três vezes na Fórmula Internacional 3000. Mas a perda da F1 foi o ganho da Indy, em uma era considerada a melhor da categoria, com chassis competitivos, fornecedoras de pneus e de motores, onde de Ferran foi uma força potente com uma compreensão técnica que o tornavam o sonho de qualquer engenheiro.

Na verdade, Gil era um engenheiro, exceto pelo título. Ele passou três anos estudando engenharia mecânica na universidade antes de ir para o Reino Unido perseguir seu sonho de ser um piloto profissional.

"Eu passava meu tempo estudando matemática e física, coisas que eu amava, e nunca voltei, então sou um estudante de engenharia não-formado", relembrou no Autosport International em 2018. "Era algo que sempre havia me interessado. Fui para a faculdade porque era o que eu queria fazer. Eu amava matemática, amava física, design, tudo que era relacionado".

"Me lembro de estar na Fórmula Ford no Brasil e dizia 'por que não tentamos uma geometria diferente de suspensão? Corta aqui e solda ali', coisas assim. Não era sofisticado nem nada, mas você fazia a mudança, pilotava o carro e ia aprendendo com isso. Eram lições valiosas".

A paixão veio desde cedo. Aprendendo como criança como desmontar seu kart e reconstruí-lo para entender como tudo funcionava. O mesmo método analítico foi aplicado em suas corridas.

De Ferran utilised his engineering background from the very start of his racing career

Photo by: Motorsport Images

De Ferran utilised his engineering background from the very start of his racing career

"No kart, não tínhamos um mecânico, éramos meu pai, minha mãe, um amigo e eu, só. Mexer nas coisas e a mecânica estavam no meu sangue. Meu pai era engenheiro também. Sempre amei isso e, pela minha carreira, eu lia muito, tentava conversar com vários engenheiros para entender o assunto melhor. Acho que, por saber bem matemática e física, conseguia absorver a informação".

Mesmo se de Ferran tivesse vencido a F3000 com a Paul Stewart Racing, ele revelou que não teria mudado o destino de sua carreira. Ele aceitou a oferta de Jim Hall para fazer a mudança em 1995 no meio de 1994, e, correndo pela Hall/VDS Racing, ele já havia vencido na sua temporada de estreia, em Laguna Seca.

A primeira equipe para a equipe desde Surfers Paradise 1991, fica ainda mais impressionante pelo fato de Gil ter feito toda sua aprendizagem sendo uma equipe de carro único. Seria justo dizer que sua expertise técnica foi um fator significativo em fazer isso funcionar, em uma condição na qual vários pilotos de renome na Europa falhariam.

"Cada um é diferente. Eu conheci vários pilotos de sucesso que não sabiam diferenciar uma coisa da outra. Mas para mim e como eu fui formado, isso me ajudou a entender o que eu estava fazendo, como o carro respondia, os pneus, como eu precisava adaptar minha pilotagem".

"Também tive a sorte de fazer a transição entre um ambiente rico de dados para outro quase sem nada. Quando comecei a correr, não havia registro de dados, sensores, e aprender como usar essa informação foi útil no meu desenvolvimento como piloto".

"Hoje você pega um piloto e, boom, 'está tudo aqui'. Mas naquela época era 'ok, o que vamos fazer com isso? Como interpretar?'. Estávamos aprendendo a tirar o máximo de um cenário rico de dados que vinham dos sensores no carro".

While F1 never came calling, he found great success in the US and proved his worth in single-car teams before getting his break at Penske

Photo by: LAT Photographic

While F1 never came calling, he found great success in the US and proved his worth in single-car teams before getting his break at Penske

Um relacionamento frutífero de seis anos com a Honda começou em 1996, quando ele compensou a decepção de perder uma vitória certa em Long Beach com uma vitória em Cleveland, antes de ir para a equipe de Derrick Walker em 1997 junto de seu engenheiro Bill Pappas. Apesar de não ter vencido naquele ano, ele foi uma ameaça constante, terminando com o vice-campeonato, atrás de Álex Zanardi.

Com pneus Goodyear, inferiores aos Firestones da Ganassi, seu input de desenvolvimento foi crucial na limitação de danos, tirando o máximo deles. Apesar de terminar 1998 em 12º, a culpa ficou com as quatro perdas de motor, e, em 1999, esse foi o foco da equipe.

"No pico da guerra de pneus, estávamos fazendo muitos testes. Acho que meu recorde foi de 75 dias em uma temporada além de 22 corridas. Você acaba aprendendo muito e absorvendo muita informação! Não consigo explicar o quanto que você aprende e se desenvolve como piloto, porque hoje é muito diferente - é outro ambiente".

Mas se nem todos pilotos curtem testes, com Gil a situação era outra: "Eu adorava fazer isso. Porque, para mim, o esporte não é só sobre o piloto, é sobre uma mistura de pilotar e entender o carro".

"Não é uma questão atlética, é algo um pouco diferente. Você depende do seu equipamento e parte de suas habilidades envolvem aprender e entender não somente como tirar o máximo do equipamento em mãos, mas também ajudá-lo a ir adiante com a equipe. Sempre amei isso".

A vitória em Portland foi a primeira da equipe desde 1995, e seu trabalho se tornava difícil de ser ignorado pelas grandes equipes. O engenheiro da Penske, Nigel Beresford, lembra de assistir a classificação da etapa de Toronto naquele ano ao lado de Roger Penske quando Gil fez a pole.

"Todos saíram com os jogos novos e estavam fazendo isso e aquilo, quase acertando o muro, sendo heroicos para levarem seus carros até a corrida. De Ferran estava apenas guiando, procurando a diferença, acertando os pneus e, boom, conseguiu. Foi uma exibição impressionante de intelecto, paciência e habilidades".

Once Penske came calling, de Ferran hit new heights and remains the holder of the fastest closed circuit speed circuit record

Photo by: Michael L. Levitt

Once Penske came calling, de Ferran hit new heights and remains the holder of the fastest closed circuit speed circuit record

Sua chegada na Penske em 2000 coincidiu com a mudança de um chassi próprio para os Reynard, além dos motores Mercedes pelos Honda e os pneus Goodyears pelos Firestones. E de Ferran foi a peça final do quebra-cabeça. Ele deu à Penske sua 100ª vitória na Indy em Nazareth naquele ano, a primeira desde Paul Tracy em Gateway-1997, fazendo por merecer os títulos consecutivos da CART.

Pelo caminho, ele ainda bateu o recorde mundial de velocidade em um circuito, com 241.428 mph em Fontana em 2000, enquanto sua vitória em Rockingham em 2001, graças a uma manobra na última volta em cima de Kenny Brack foi uma de suas melhores.

O sucesso seguiu vindo após a mudança da Penske para fazer todas as etapas ovais da IRL em 2002, e sua vitória nas 500 Milhas de 2003, sua prova de retorno após uma lesão nas costas em Motegi, foi coisa de lendas.

Ele venceu sua última corrida na categoria em sua despedida no Texas, uma prova lembrada hoje pelo acidente terrível de Brack. E, quando voltou a um cockpit anos depois em sua própria equipe na American Le Mans Series, parecia que nunca tinha saído das pistas.

O impacto de uma mente analítica hoje é menor, sem dúvidas, e Gil admitia isso em 2018, pouco depois de assumir o cargo de diretor esportivo da McLaren.

"O lado positivo daquilo que eu chamo de uma 'compreensão profunda de engenharia' ainda existe, mas é menos importante". Mas isso apenas prova o quão bem equipado Gil estava para o sucesso.

"Naquela época, e parece que estou falando de 50 anos atrás, o piloto era o melhor sensor que existia. Sim, você tinha várias linhas de informação saindo do carro, mas a compreensão de aerodinâmica, dinâmica e mais era bem menor do que hoje. Especialmente os pneus, havia muita subjetividade. Hoje, há menos que o piloto pode contribuir em sua análise".

Talvez não surpreenda que esse input de Gil tenha sido tão bem recebido em sua carreira fora das pistas, primeiro com a Honda e, depois, em duas passagens pela McLaren. Sua impressão dos pilotos não era baseada na performance de uma corrida ou uma temporada. Mantendo uma abordagem de longo prazo, ele adotava uma imagem maior das trajetórias.

"De uma perspectiva de habilidades de desenvolvimento, mas também de onde você está mentalmente", disse em 2022. "Você está melhorando ou não? Os erros que você cometeu há três anos, eles são menos ou mais proeminentes? Você segue cometendo esses erros? É preciso dar um passo atrás e olhar para uma história maior do que somente uma temporada".

De Ferran has mentored many up and coming drivers, while he also oversaw Alonso's Indy 500 debut in 2017

Photo by: Michael L. Levitt / Motorsport Images

De Ferran has mentored many up and coming drivers, while he also oversaw Alonso's Indy 500 debut in 2017

"Os pilotos tendem a ser jovens, e as pessoas amadurecem de formas diferentes. E algumas pessoas começam mais cedo no esporte, outras depois. Quando Jan Magnussen correu na Fórmula Ford, na Inglaterra, lembro de vê-lo correndo e parecia um piloto de F1 por causa das habilidades. Parecia que ele estava brincando com as pessoas, mas ele era um tricampeão mundial de kart, em um estágio diferente de desenvolvimento".

"Quando virei um gestor, um dos meus trabalhos era identificar quem era mais promissor e quem se tornaria um destaque. Era difícil olhar apenas uma imagem sem entender onde o piloto estava em seu desenvolvimento, psicologicamente e em termos de pilotagem".

Em seu período como consultor na McLaren em seu retorno em 2023, o chefe Andrea Stella rasgou elogios às qualidades de Gil como coach e pensador estratégico, citando que "era possível falar com ele mais como engenheiro do que como piloto". E, mesmo tendo ficado nos bastidores, sua influência silenciosa certamente foi sentida. Assim como todos que o conheciam.

Gil de Ferran simplesmente tinha isso. Sua falta será muito sentida.

Tributes have been pouring in for de Ferran since his sad passing

Photo by: Sam Bloxham / Motorsport Images

Tributes have been pouring in for de Ferran since his sad passing

Gil estava como consultor na McLaren, que viveu uma grande evolução em 2023; entenda

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