Análise

ANÁLISE: Após polêmicas de Melbourne-2020 e Spa-2021, F1 acerta com Ímola-2023

Repórter que cobre a F1 in loco pelo Motorsport.com, Alex Kalinauckas analisa a decisão desta quarta-feira

A view of the wet track

Foto de: Steve Etherington / Motorsport Images

Pela primeira vez desde o GP do Bahrein de 2011, a Fórmula 1 cancelou um evento de última hora, desconsiderando a pandemia em 2020. Mas, no caso de agora envolvendo o GP da Emilia Romagna, a F1 não esperou para agir quando já era tarde demais, diferentemente de episódios anteriores.

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Para quem trabalha no evento, a sensação foi a mesma: pela segunda vez em três anos, pegar um voo para estar numa corrida cercada por um desastre. Entretanto, o desfecho em Ímola é bom, ao contrário da polêmica conclusão a que se chegou no GP da Austrália de 2020 por causa da Covid-19.

Naquela época, a elite global do esporte a motor estava bastantes hesitante sobre o que fazer diante do terrível coronavírus. A situação na época não era tão clara para alguns. Ainda não se sabia o quanto tudo iria piorar.

Porém, os horrores hospitalares na China e na Itália já haviam dado uma pista do que estava se espalhando pelo mundo. E houve tempo suficiente, bem como referências, uma vez que a NBA e outras categorias de automobilismo já haviam decidido cancelar eventos.

Criticada por Lewis Hamilton em função de seu 'dinheirismo', a F1 começou aquele fim de semana como se tudo estivesse normal, com os fãs inclusive indo para a pista de Albert Park a fim de assistir treinos que nunca aconteceriam. No fim, um cancelamento tardio que manchou a reputação da F1.

Só 17 meses depois do que aconteceu em Melbourne, uma série de atualizações sobre condições climáticas em Spa-Francorchamps em meio à chuva na região levou a uma decisão no mínimo controversa de iniciar o GP da Bélgica de 2021 que, na prática, não aconteceu, embora tenha valido.

Agora, em Ímola, os encaminhamentos do GP da Emilia Romagna vinham sendo seguidos de forma normal mesmo com as chuvas na Itália -- nesta quinta-feira ocorreria o 'dia de mídia' antes da prova, de modo que jornalistas, equipes e afins já estavam por lá --, mas a decisão final foi, sim, acertada.

GP da Bélgica de 2021

GP da Bélgica de 2021

Photo by: Erik Junius

No momento em que o cancelamento foi confirmado, muitos ainda chegavam a Ímola. Alguns citaram a possibilidade de levar a corrida para Mugello, pista perto da sede do GP da Emilia Romagna, mas a logística impediria tal alteração, além de a Toscana também estar sob chuva.

Nesta quarta-feira, 21 rios da região transbordaram - com oito pessoas mortas e mais de 5.000 deslocadas pelas crescentes chuvas torrenciais. Algumas pessoas ficaram presas em suas casas perto da água, outras escalaram os telhados para evitá-la. Em Riolo Terme, uma enorme peça de equipamento industrial de perfuração foi parar no rio Senio. Pontes desabaram em outras cidades, com perda de energia generalizada nas residências.

Nyck de Vries, da equipe AlphaTauri, cuja fábrica fica em Faenza, cidade afetada pelas chuvas

Nyck de Vries, da equipe AlphaTauri, cuja fábrica fica em Faenza, cidade afetada pelas chuvas

Photo by: Red Bull Content Pool

Em Faenza, cidade que é a casa de AlphaTauri, o prefeito Massimo Isola chamou a situação de "uma noite que nunca esqueceremos -- nunca vimos tanta inundação em nossa cidade, é algo inimaginável".

Na própria Ímola, o caudaloso rio Santermo fica a poucos metros do paddock da pista em sua borda norte, e o parque Acque Minerali no interior. Suas margens exigem a travessia de uma ponte para acessar o local que agora está pouco acima da água.

Nos dois dias entre as autoridades da Emilia Romagna emitindo um alerta vermelho de alerta meteorológico e a etapa sendo cancelada, o rio Santermo teve grande elevação em seus níveis de água.

Ele subiu de 1m para 3,8m na terça-feira – criticamente acima do limite de segurança declarado, de 3,5m. Ele diminuiu para uma altura de 2,9 m durante a noite antes de subir novamente quando a chuva se intensificou mais uma vez nas primeiras horas de quarta-feira. Depois, recuou para 2m.

O Santermo, aliás, é indiretamente um dos responsáveis pela fama sombria de Ímola: a proximidade do rio à pista, no trecho onde está a famigerada curva Tamburello, dificultou o alongamento da área de escape. Foi ali que Ayrton Senna perdeu a vida e que Gerhard Berger teve seu icônico acidente.

Mas, embora a água tenha rompido às margens do Santermo o suficiente para inundar a área de transmissão da F1 e o paddock na terça e na quarta-feira, esse não foi o motivo pelo qual o GP foi cancelado. Afinal, as previsões apontavam para a chuva finalmente abrandando a partir de quinta.

Gráfico mostra escala dos problemas causados pelas chuvas em Ímola

Gráfico mostra escala dos problemas causados pelas chuvas em Ímola

Photo by: Uncredited

Tudo isso pensando na infraestrutura. A interrupção de estradas causada pela inundação e seu impacto ao redor do circuito -- e em toda a região circundante -- poderia piorar a situação com a chegada de milhares de pessoas e veículos.

Os hotéis próximos também ficam em situações inundadas. E a Ferrari, por exemplo, também é baseada bem perto de Ímola, em Maranello. Quando a escuderia chegou para instalar as garagens como de costume na terça-feira, com o alerta vermelho em mente e sentindo a chuva forte, os gerentes e coordenadores estavam em contato regular com a F1 – a principal fonte de informações e guia para equipes devido à sua posição como detentora dos direitos comerciais e promotora de GPs.

Seguir em frente com a programação completa e, por consequência, começar algo tão trivial quanto uma corrida de automóveis em meio a essas cenas não seria apenas impraticável: teria sido moralmente errado

Por volta das 16h, horário local, na terça-feira, foi feito o pedido de evacuação do paddock, pois havia começado a ser difícil navegar caminhar à forte chuva que caía, além da maior inundação na extremidade norte do local.

Esta foi uma instrução ordenada para os cerca de 150 funcionários de times (além de outros que passaram pelo restante das dependências do evento para preparar o trabalho dos organizadores, incluindo montar os trailers e terminar de instalar os quilômetros de cabos e outros sistemas críticos para o show da F1 ) até então no local. Este número é típico para uma corrida europeia da categoria, aliás.

A evacuação ocorreu após uma nota oficial emitida pela F1, em vez de uma fuga dramática e repentina. A essa altura, outros funcionários mais críticos para eventos ao vivo começaram a chegar -- e para as equipes isso incluía seus mecânicos.

Ímola

Ímola

Photo by: Carl Bingham / Motorsport Images

Por volta das 22h de terça-feira, foram dadas instruções para não comparecer à pista e permanecer em suas acomodações, se possível -- a mesma mensagem também foi enviada aos dirigentes e à mídia. Foi retransmitida novamente na quarta-feira.

A essa altura, porém, a equipe de suporte adicional estava embarcando em suas agendas típicas -- os pilotos e chefes de equipe deveriam vir ainda mais tarde, com a dupla da Mercedes, Hamilton e George Russell, ainda na base em Brackley, fazendo preparação no simulador pré-cancelamento.

Muitos dos ônibus e carros alugados associados ao evento começaram a ficar presos no trânsito --com equipamentos de resgate, incluindo caminhões de bombeiros e balsas elevatórias sendo acionados por isso com prioridade -- mesmo quando mal haviam saído de Bolonha, a cidade grande mais próxima do autódromo. O tráfego era melhor vindo de Florença, mas as rotas convergiam nas áreas mais atingidas pelas enchentes.

Então, aqui vem a segunda consideração, muito mais importante, de toda essa saga: não cancelar a corrida e permitir que milhares dessas pessoas e veículos cheguem à cidade inevitavelmente interromperia os esforços para ajudar os ameaçados pelas enchentes.

Certamente é por isso que o vice-primeiro-ministro italiano, Matteo Salvini, que também é ministro dos Transportes, pediu aos que têm poder para "adiar" a corrida "à luz da emergência do mau tempo que está assolando a Emilia Romagna".

É também o que o CEO da F1, o italiano Stefano Domenicali, quis dizer quando mencionou a necessidade de “garantir a segurança e não criar um fardo extra para as autoridades enquanto lidam com esta situação terrível” no comunicado da F1 anunciando a notícia. Este chegou às 13h15, horário local, na quarta-feira, assim como muitos voos, incluindo fretamentos especiais organizados por algumas equipes. A corrida estava finalmente encerrada.

Eventos desta semana impactam economicamente a região

Eventos desta semana impactam economicamente a região

Photo by: Erik Junius

A F1 simplesmente não queria tirar dos serviços de emergência necessários a resposta às enchentes e a prioridade de salvar vidas. A decisão pode não ter sido rápida o suficiente para interromper alguns voos para aqueles que já acumulam milhares de milhas aéreas por ano, e alguns fãs estrangeiros que também não deveriam ser esquecidos, mas isso é secundário. Quanto menos pessoas tentarem fazer a viagem para a região, melhor.

Agora, fica a questão contratual do GP da Emilia Romagna, que aparentemente não acontecerá em outro momento de 2024, mas o episódio desta semana em Ímola deixa um sinal amarelo, relativo ao perigo de se programar tantas provas seguidas -- no próximo domingo, Mônaco, depois, Espanha.

Quanto à compensação para os promotores do evento de Ímola, a sugestão é dar ao GP da Emilia Romagna a garantia da realização de uma corrida 'extra' em relação ao seu contrato atual, que termina em 2025. Ou seja, uma prova em 2026.

F1 deve levar em conta questões climáticas para montar calendários; chuvas de primavera são comuns nessa época na Itália

F1 deve levar em conta questões climáticas para montar calendários; chuvas de primavera são comuns nessa época na Itália

Photo by: Williams

Mas o importante agora é que a F1, pela primeira vez, não pode ser criticada por não ter agido, ou então por agir tarde demais, como foi em Melbourne-2020.

Em nossos tempos de crises climáticas, essas catástrofes estão ocorrendo com mais regularidade. Apenas duas semanas atrás, duas pessoas morreram em uma enchente em Faenza. Quando se trata de reencenar este evento para 2024, talvez o período de tais eventos climáticos seja considerado quando a F1 pensar no plano de agrupar corridas. A chuva de primavera europeia é comum. Mas esta inundação devastadora não é.

Não há desculpa para não pensar nisso. Agora, a F1 está pensando corretamente nas pessoas que morreram nesta parte da Itália esta semana e minimizando seu impacto sobre aqueles que ainda estão em perigo. De todo modo, o planejamento tem de ser bem feito para evitar os riscos.

Pensamentos estão nos habitantes da Emilia Romagna

Pensamentos estão nos habitantes da Emilia Romagna

Photo by: Erik Junius

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