Família di Mauro: uma história de esforço, dificuldades e superação
Melhor novato da Stock na temporada, Gaetano constrói trajetória sólida ao lado do pai; Barrichello vira "padrinho" das pistas
Domingo será o melhor Dia dos Pais dos últimos anos para Francesco di Mauro. Com a sexta etapa da Stock Car agendada para Campo Grande, a oportunidade de comemorar a data com o filho, Gaetano, será da forma que os dois mais gostam: numa garagem.
Motivos para celebrar não faltam. Gaetano di Mauro, 21 anos, é o melhor novato da temporada da Stock, principal categoria do Brasil, com 42 pontos. Mas, para chegar onde estão o caminho não foi fácil. "Não tínhamos dinheiro para carregá-lo no esporte", afirma o pai, de 47 anos, que nasceu em São Paulo, mas é filho de italiano.
O INÍCIO NO ESPORTE
A família di Mauro sempre foi ligada ao esporte a motor. O tio de Francesco, Salvatore Amato, competia em motos, e é o recordista no antigo traçado de Interlagos. O pai, que também chama Gaetano, ajudava na preparação do motor. Apaixonado pela velocidade, Fran deu o primeiro kart ao filho aos 4 anos para ver "o que rolava".
"Comprei o kart para brincar, mas nunca brincamos. Já pensava que podia dar certo", relata Fran. A estreia foi marcante. Mesmo com poucos treinos, largou em quarto e chegou em segundo, o suficiente para garantir o primeiro patrocínio, da Loctite. A parceria durou 7 anos.
Com 7 anos, Gaetano já era piloto de fábrica da importante marca Mini. Venceu competições e aos poucos construía uma reputação nos kartódromos. Foi então que aos 12 anos viveu um marco. "Houve um campeonato na Granja Viana. De 6 corridas, quem ganhasse tinha vaga no mundial de kart em Dubai. Com a ajuda da família, conseguimos comprar motor pra ele correr. O Zé Bolão (primo de Rubens Barrichello, Luis Sergio, conhecido como Zé Bolão, é personagem importante no kartismo brasileiro) acreditou no projeto, fez o kart dele e nos ajudou."
O apoio foi retribuído com juros e muito talento. "Gaetano foi campeão invicto, foi para o mundial e andou muito bem lá. Andou em terceiro na final, sofreu toque e terminou em sétimo. Foi chamado pra fazer teste na Europa."
Mas aí, surgia um dos maiores dilemas de Francesco di Mauro. Formado em Administração e funcionário de uma empresa como Gestor de TI, não havia como continuar trabalhando e acompanhar o filho no que poderia ser a grande oportunidade da vida do piloto. "Conversei com meu pai, temendo pelo meu emprego. Ele me disse 'vai, acredita, que o menino precisa de ajuda. Eu te apoio, não vai faltar nada'. Eu fui, fiquei 45 dias na Europa, e ele foi contratado. Quando voltei não tinha emprego, foi uma confusão dos diabos."
Gaetano di Mauro conversa com pai, observado pelo avô, Nonno (camisa branca e vermelha)
Photo by: Brazilian Stock Car
UMA CRIANÇA GANHANDO O MUNDO SOZINHA
Com 12 anos, Gaetano vivia na Itália sozinho. A fábrica de kart (Energy Corse) o acolheu, mas em troca ele tinha de fazer mais do que simplesmente acelerar. "Eu fui seguir meu sonho, que era andar na Europa, mas eu não tinha condição pra isso. Quando apareceu essa oportunidade de morar lá, poder correr para uma fábrica, não dava para perder."
"Quando eu não estava correndo eu tinha de trabalhar como mecânico dos pequenininhos, ajudava a montar e desmontar a barraca quando íamos para pista. Na fábrica, ajudava a montar karts novos e essa foi uma experiência muito diferente para minha vida. Deixei de ser menino, de ficar perto dos meus pais, para viver sozinho e aprender a me virar, fazer minha comida, dormir cedo. A dedicação era de 100% para o esporte."
Engana-se quem imagina que Gaetano lamenta o difícil período. "Não troco isso por nada. Foi uma experiência incrível! Tive a oportunidade na minha vida, e eu não a teria se não fosse desse jeito."
O pai se orgulha da batalha do filho: "Ele competia cansado, a internet não era como hoje, falávamos menos do que gostaríamos. Ele fez tudo na raça e isso o ajudou a ser quem é."
A VOLTA AO BRASIL E O "PADRINHO" FAMOSO
Gaetano di Mauro, Rubens Barrichello, Felipe Ferraretto e Tony Kanaan
Photo by: Acervo pessoal
Após os dois anos na Europa, Gaetano di Mauro retornou ao Brasil. Competia de shifter (kart com marcha), de novo, ao lado de Zé Bolão. Foi campeão brasileiro de imediato (hoje, tem cinco títulos no currículo). Em uma das provas, Zé Bolão alertou o primo mais famoso da família Barrichello.
"Ele ligou para o Rubinho. Disse que tinha um menino especial com ele e que seria legal que o Gaetano participasse das 500 Milhas de kart na Granja Viana. Rubinho aceitou, mas no segundo kart da equipe", conta Francesco. Gaetano foi "promovido" durante o próprio fim de semana, correu ao lado de Barrichello e Tony Kanaan no kart 1 e foram campeões juntos.
Dali em diante, o elo só se fortaleceu entre os dois. Rubinho "adotou" Gaetano, que retribuía a gratidão na pista. "Eles fizeram uma prova de shifter, em que dois campeões mundiais estavam correndo. Meu filho e o Rubens largaram em 4º e 5º. Gaetano veio passando todo mundo e fazia gestos para Rubinho, que vinha no embalo."
Se Francesco define Rubinho como "muito importante" para o filho Gaetano, o piloto com mais GPs na história da F1 é só elogios ao "afilhado" das pistas. "Desde quando eu o vi pela primeira vez dava para ver que ele era muito, muito talentoso. Ele tem uma história muito parecida com a minha de ser muito aguerrido por não ter tido as condições ideais para competir. Mas as condições que não foram as ideias fizeram dele um grande guerreiro."
O lado emotivo de Barrichello é conhecido desde os tempos da F1, quando se derretia no pódio. Mas para orientar o pupilo, Rubinho deixa claro o que não aceita. "A humildade dele é uma grande qualidade. Eu falei, inclusive, que é a única coisa que peço em troca por ter o ajudado é que ele não perca o jeito simples e humilde que tem. Essa é sua força."
CONSTRUÇÃO DA CARREIRA NO TURISMO
Anúncio de Gaetano di Mauro na Shell Racing, ao lado de Maurício Ferreira (esquerda) e Vicente Sfeir (direita)
Photo by: Divulgacao
Ajudado por Barrichello, Gaetano competiu na F4 Inglesa em 2014. Foi vice-campeão no primeiro ano, mas na segunda temporada na Europa a equipe em que estava teve dificuldades. Retornou ao Brasil pela segunda vez. E por uma falta de "timing" ficou ameaçado de não competir.
"O Vicente Sfeir (gerente de patrocínio e motorsport da Raízen e colunista de mercado do Motorsport.com) fez um convite para que o Gaetano corresse de F3 no Brasil. Dissemos não por estarmos certos na Europa. Dias depois, o projeto caiu por lá. E aqui a oportunidade tinha passado", explica Francesco. Pouco depois, surgiu novo convite de Vicente para que Gaetano corresse na Porsche Cup, onde foi vice-campeão. O próximo passo foi se juntar ao um dos grids mais qualificados do mundo: o da Stock Car.
Na categoria de carros de turismo, o jovem piloto mais uma vez se viu perto do mentor Barrichello. "Estou junto nessa empreitada e está sendo um grande prazer ser colocado ao lado dele na equipe, apesar dele estar na time 'irmão' (a Full Time tem quatro carro). É um momento muito especial estar dividindo com ele o box. Vou sempre me dedicar a pessoas que tenham esse tipo de perfil. Gosto muito disso", afirma Rubinho.
O TRABALHO EM EQUIPE DE PAI E FILHO
Anos suados, de luta e dificuldades, mas com muitas conquistas. Embora uma batalha como essa de um pai e um filho seja quase poética, poderia gerar um grande estremecimento entre ambos, como aconteceu com Lewis Hamilton e o pai Anthony na F1. A intimidade, quando se fala de trabalho, nem sempre joga a favor. Não foi o caso com "Eu nunca precisei nem aumentar a voz. Ele sempre tinha certeza do que queria. Se dedicou a isso. Se cobrava muito para poder evoluir. Nosso relacionamento é muito bom. Não cobrei nada. Eu faço o que o gosto e ele faz o que gosta", garante o pai, Francesco, que atualmente é coach de Gabriel Bortoleto, kartista de talento que compete na Europa.
O filho corrobora a versão do pai: "eu não tenho palavras para descrever o que ele fez por mim. Sempre foi uma paixão do meu pai, que também queria ser piloto. Quando eu nasci tinha autorama, carrinho de controle remoto, carrinho no chão. Ele me apoiou em tudo. Quando me deu meu primeiro kart, ele me deu a maior oportunidade da minha vida de fazer o que eu amo. Além de grande companheiro e entender muito do assunto, ele me ensinou tudo."
TEMPORADA ESPECIAL
Quis o destino que Gaetano di Mauro chegasse à Stock Car, em sua primeira temporada completa, quando a categoria completasse 40 anos. Seu "mentor", Rubens Barrichello, já faz parte do hall de campeões, relatada na galeria abaixo.
Confira todos os campeões da história da Stock Car
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