Análise

ANÁLISE: A F1 está sendo ambiciosa demais ao anunciar um calendário de 23 provas?

Calendário tem apenas 22 provas confirmadas, mas espaço deixado pelo Vietnã ficou em aberto

Valtteri Bottas, Mercedes F1 W11 Lewis Hamilton, Mercedes F1 W11 and Daniel Ricciardo, Renault F1 Team R.S.20 at the start of the race

Nesta terça-feira (10), a Fórmula 1 divulgou o calendário provisório para 2021 com um recorde de provas: 23. Com isso, a próxima temporada se tornaria a mais ambiciosa e lucrativa da história da categoria, superando o cronograma proposto inicialmente para 2020, que teria 22 GPs.

A Liberty Media está seguindo o objetivo determinado assim que assumiu a F1 em 2017: expandir o calendário e levar o esporte a novos territórios. E tudo isso mesmo em meio à pandemia da Covid-19, que causou um grande impacto na temporada de 2020, com diversos cancelamentos.

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Por mais popular que o calendário final deste ano se provou, ao trazer velhos conhecidos como Ímola e novidades como Portimão e Mugello, uma versão mais "normal" sempre foi o planejado para 2021, com o primeiro rascunho sendo entregue às equipes no mês passado.

Com 23 corridas planejadas, sendo uma a confirmar após a queda do Vietnã, duas rodadas triplas e término no início de dezembro, o calendário proposto para 2021 é certamente o mais ambicioso que a F1 já revelou. Mais corridas significa, naturalmente, mais renda vinda das taxas de realização das provas, o que resulta em um fundo de premiação maior para as equipes.

Apesar dos benefícios óbvios, 23 provas não seria demais para o paddock da F1? E seria algo realista?

A adição de mais uma corrida ao calendário não é uma surpresa. A Liberty Media tem como objetivo levar a categoria a ter 25 corridas por ano, como parte de seu plano de expandir a F1, apesar das preocupações naturais das equipes sobre o impacto que isso teria sobre os membros.

Os pilotos também sempre expressaram preocupação sobre o impacto que mais corridas teria nas equipes, por mais animador que possa ser a possibilidade de correr mais.

"Como piloto, você quer correr o máximo possível", disse George Russell. "Mas, no final, isso esgota os engenheiros e mecânicos. Temos o luxo de poder ir para a casa entre as corridas, mas eles acabam ficando longe das famílias por três semanas, o que não é sustentável".

"Se o calendário aumentar, as equipes menores definitivamente precisarão de mais ajuda, tendo dois grupos de pessoas para revezar ao longo do ano".

"Eu quero correr o máximo possível, mas precisa ser algo sensível, além de encontrar um bom meio termo para quem está trabalhando. Eles têm suas próprias vidas e famílias".

Max Verstappen sentiu que o fardo causado com a chegada de novas corridas ao calendário era algo que a cúpula da categoria não estava ciente.

"No final, os mecânicos são os que vão sofrer mais, enquanto os chefões da Fórmula 1 chegam mais tarde e não embora mais cedo. Então para eles não muda muita coisa".

Max Verstappen, Red Bull Racing RB16, on the grid

Max Verstappen, Red Bull Racing RB16, on the grid

Photo by: Mark Sutton / Motorsport Images

A ideia de rotacionar os membros é algo que as equipes vinham discutindo com o aumento no número de corridas ao longo dos anos. O chefe interino da Williams, Simon Roberts, disse que já era uma possibilidade para 2021, garantir que os mesmos funcionários não estivessem presentes em todos os GPs.

"É algo que vínhamos analisando já", disse. "Planejamos criar algum tipo de rotação para o pessoal. Estar distante nos 22, 23 eventos do ano é muito, muito cansativo e esgota toda a equipe".

"Felizmente, temos na fábrica um bom número de pessoas com experiência e com a situação atual da Covid-19, já temos eles de reserva de qualquer jeito. No próximo ano, basicamente vamos ficar revezando entre todos".

Mesmo os chefes estão preocupados com a pressão de participar de todas as corridas e o impacto que isso pode criar. Toto Wolff vem falando há algum tempo sobre o fardo que seu tempo à frente da equipe tem causado e considera para o futuro reduzir sua presença in loco nas corridas.

O chefe da Ferrari, Mattia Binotto, revelou que ele considera perder algumas corridas, parcialmente em preparação para uma rotação maior no futuro. Em Ímola, ele confirmou que não estará presente no GP da Turquia, acompanhando o trabalho a partir da fábrica em Maranello.

"Você precisa ter um balanço entre as funções na pista e na fábrica. Para mim, eu não estarei em todas as corridas. Mesmo em 2020 eu devo perder algumas provas na parte final do ano a partir da Turquia, mas essa é mais ligada com a preparação para o próximo ano".

"Para aumentar o número de corridas, é necessário um julgamento para ver o que pode ser feito, encontrar um balanço para engenheiros e técnicos".

E não é apenas o número de corridas que cria um desafio para as equipes, mas também a sua regularidade.

A primeira tentativa de uma rodada tripla na F1 foi em 2018, com GPs da França, Áustria e Grã-Bretanha, e as críticas foram tão grandes que foi acordado que isso não aconteceria novamente devido à pressão que era criada.

O calendário de 2020 conta com quatro rodadas triplas, mas pela necessidade de completar uma temporada, enquanto os chefes de equipe seguiam alertando que isso não pode virar a norma da F1.

Já o cronograma de 2021 tem duas rodadas triplas, separadas por apenas uma semana. Bélgica, Holanda e Monza acontecerão no final de agosto e início de setembro e, após uma semana, uma ainda mais ousada, com Rússia, Singapura e Japão.

São seis provas em sete semanas, uma tarefa árdua. Mas alguns seguem otimistas que isso pode funcionar, graças à rotação dos membros e pelo aprendizado com 2020.

"Para ser honesto, não estou tão preocupado", disse o diretor esportivo da Renault Alan Permane. "Temos quatro rodadas triplas neste ano e, se minhas contas estão certas, lidamos bem com isso. Então não me preocupo tanto".

"O modo como organizamos nossos membros que viajam, seus tempos de folga e o processo de reconstrução entre corridas está funcionando bem para nós. Estou feliz por voltar a algo mais normal e se tivermos 23 corridas, ótimo".

Alan Permane, Sporting Director, Renault Sport F1 Team, in a Press Conference

Alan Permane, Sporting Director, Renault Sport F1 Team, in a Press Conference

Photo by: Mark Sutton / Motorsport Images

O uso do "se" na fala de Permane é correto, já que a situação fluida da pandemia da Covid-19 ao redor do mundo deixa uma incerteza se a F1 será capaz de realizar de fato o calendário completo.

Com o mundo voltando ao confinamento o número de casos crescendo, os países podem ter desconfortos ao se comprometer com a realização de eventos esportivos de tal porte. As restrições de entrada e saída dos países também é algo que pode afetar a viabilidade dos eventos, especialmente no início da temporada.

Mas a F1 provou que seus protocolos de testes funcionam, dando à FIA a confiança de que a categoria pode correr com segurança onde quiser. E apesar das equipes não terem sido informadas de possíveis substitutas para o próximo ano, o modo como o cronograma foi montado cria espaços que podem ser preenchidos. O alto nível de demanda das pistas significa que há poucas chances de que o espaço deixado pelo Vietnã não será substituído por outra.

O colapso do Vietnã é um grande golpe para a F1, já que seria o primeiro novo evento da Liberty Media que encontra com seu modelo de turismo atrelado ao esporte. Mas foi apurado que o GP foi muito afetado por dificuldades no planejamento, e a omissão do calendário se deu por razões políticas internas.

O presidente do Comitê Popular de Hanói, Nguyen Duc Chung foi preso em agosto sob suspeitas de corrupção. Ele foi prefeito da cidade e era um grande apoiador do evento.

Uma das maiores interrogações sobre o calendário do próximo ano parece ser o GP do Brasil, devido aos planos antigos de mudança para o Rio de Janeiro. Mas as notícias da noite passada, confirmadas nesta terça, mostram a permanência de Interlagos em meio a problemas envolvendo o projeto do Rio, que ainda não recebeu a licença para iniciar a construção do autódromo.

Por outro lado, Interlagos terá um novo organizador no comando após o fim do acordo feito com Bernie Ecclestone que isentou o GP do pagamento de taxas e chegou ao fim em 2020.

Um calendário de 23 corridas para 2021 é altamente ambicioso, mas com a F1 buscando se recuperar do impacto da pandemia e visando se preparar para o que vem pela frente, mirar alto é uma tática sábia, mesmo que não acabe sendo completamente cumprida.

Agora, determinar o tamanho do custo humano envolvendo todos os membros das equipes e do paddock é algo que vamos descobrir apenas quando o próximo ano acabar, em um momento em que a F1 pode até ter ultrapassado o número de 23 provas pensando no futuro.

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