Análise
Fórmula 1 GP da Austrália

Por que é tão difícil para pilotos da Fórmula 1 correr na chuva?

No último domingo, Lando Norris se tornou o 56° piloto na história a vencer um GP no molhado; entenda os desafios de competir nessas circunstâncias

Gabriel Bortoleto, Sauber crash

Toda geração de pilotos de Fórmula 1 tem seu talento supremo. Raramente a diferença entre esse indivíduo e seus colegas se manifesta mais fortemente do que quando há chuva ou condições adversas, de acordo com a opinião pública. A realidade, no entanto, é mais complexa do que isso.

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Até mesmo esses talentos geracionais tiveram dias em que não se destacaram tanto em comparação aos outros. Tenhamos como exemplo o último domingo na Austrália, quando Max Verstappen foi um dos muitos pilotos de ponta a derrapar na pista; o homem que parecia em outro nível no Brasil no ano passado nunca pareceu tão feliz terminando em segundo lugar.

Fundamentalmente é uma questão de física: quanta borracha do pneu está em contato com a pista e qual sua influência na superfície em um determinado momento.

Graças à ciência de dados moderna e ao formato de um único fornecedor de pneus da Fórmula 1, em condições completamente secas, as variações geralmente são lineares. Pilotos terão estabelecido, durante os treinos, os níveis de aderência em uma curva específica, com um determinado tipo de pneu e como isso muda com a degradação do pneu e a diminuição da carga de combustível. Outros perigos inesperados como óleo ou brita serão sinalizados a eles pelo pitwall.

Correr na chuva introduz mais variáveis porque é quase impossível que a pista se mantenha num estado consistente de umidade: a qualquer momento está ficando mais úmido ou seco. Até certo ponto, existem potenciais recompensas disponíveis para pilotos com mais confiança que estão dispostos a assumir mais riscos.

No molhado, o nível absoluto de aderência é menos definido e, consequentemente, mais difícil de ser descoberto do que no seco - e a aderência disponível em um lugar irá variar de volta a volta. Níveis mais altos de asa podem ajudar o piloto aqui, mas em condições variáveis, o custo (principalmente a penalidade de arrasto em linha reta) pode exceder o benefício quando a pista está seca ou secando.

No entanto, existe um limite: aquele ponto além do qual a velocidade excede a capacidade dos pneus de exercer aderência mecânica e/ou sua capacidade de dispersar a água. Os pneus para pista molhada da Pirelli da geração atual podem dispersar 85 litros de água por segundo - acima desse limite, eles flutuam sobre a superfície da água em vez de entrar em contato com a pista, e o piloto poderia muito bem estar a bordo de um barco.

F1's decision to introduce wider tyres from 1966 created more wet weather issues

F1's decision to introduce wider tyres from 1966 created more wet weather issues

Photo by: Motorsport Images

Até 1966, aquaplanagem era um problema menor na F1 porque os carros corriam com rodas e pneus mais estreitos, que eram menos propensos a andar na superfície da água parada em vez de atravessá-la. Os pneus mais largos pós-66, sem dúvida, aumentaram o desafio de correr no molhado em vez de diminuí-lo.

Isso, você imaginaria, é onde a “sensação” dos maiores pilotos oferece respostas para um problema que nem mesmo a moderna ciência de dados pode resolver rapidamente.

Exceto que não, pois os pneus de chuva da Pirelli são muito raros, mesmo em finais de semana com chuva. Se estiver chovendo o suficiente para exigir a capacidade de eliminação de água desse composto - o dobro dos intermediários -, toda a água que eles estão deslocando no ar cria um risco à segurança. É impossível enxergar através dessa quantidade de spray, portanto, o resultado inevitável é o acionamento do safety car ou uma bandeira vermelha.

Antigamente, antes dos laptops e da telemetria, uma corrida começava mais ou menos de qualquer jeito. Em Nurburgring, em 1968, os competidores não gostaram da chuva constante e da neblina que reduzia a visibilidade a cerca de 180 metros durante todo o fim de semana. Assim, os organizadores, obrigatoriamente, organizaram outra sessão de treinos na manhã de domingo e realizaram a corrida mesmo assim, embora nada tivesse mudado.

Jackie Stewart só foi persuadido a participar daquela sessão extra de treinos porque o chefe da equipe, Ken Tyrrell, disse a ele que era melhor ver onde a água estava antes, do que encontrá-la pela primeira vez em condições de corrida. Saindo da terceira fila do grid, ele assumiu a liderança assim que pôde, para sair da parede de spray criada pelos carros à frente - e venceu por mais de quatro minutos, principalmente porque queria que toda a farsa terminasse o mais rápido possível. “Loucura total”, foi como Jackie descreveu o fato.

Felizmente, a F1 contemporânea é mais aversa a riscos, mas ainda luta com os desafios da corrida com chuva. Na galeria dos GPs imprevisíveis, Spa 2021 - uma com três voltas contratualmente obrigatórias atrás do safety car e uma espera de três horas entre a primeira e a segunda voltas - está no mesmo nível da confusão de Indianápolis em 2005.

Dois anos mais tarde, o microclima inconsistente da Floresta das Ardenas trouxe mais problemas para a F1 quando a sprint race começou atrás do carro de segurança, com todo o grid usando os pneus de chuva, conforme exigido pelas regras em tais circunstâncias. Os únicos pilotos que não pararam para colocar pneus intermediários assim que o carro de segurança estacionou foram aqueles que não podiam se dar ao luxo de ficar em fila dupla atrás de seus companheiros de equipe no box.

The full wet tyre's limited usefulness can lead to some busy pitlanes when drivers switch to inters

The full wet tyre's limited usefulness can lead to some busy pitlanes when drivers switch to inters

Photo by: Andy Hone / Motorsport Images

A Pirelli cogitou um pneu “superintermediário”, com especificações mais próximas ao de chuva, o que evitaria cenas como essa, mas nada foi feito, em parte devido às dificuldades de testar em condições semelhantes. A maioria dos testes teve de ser realizada em superfícies molhadas artificialmente.

As “proteções contra borrifos” propostas pela FIA eram, em princípio, uma boa ideia, mas os testes realizados no ano passado revelaram que elas faziam pouca diferença, porque grande parte dos borrifos não era gerada pelas rodas e pneus, mas pela aerodinâmica do assoalho, da qual a atual geração de carros depende.

Assim como correr “totalmente na chuva” está fora de questão, as condições variáveis, como as de Melbourne no último fim de semana, continuam a se mostrar vexatórias devido às limitações do composto intermediário. Assim que uma linha seca começa a se desenvolver, os pneus se deterioram, a menos que os pilotos os levem para um mergulho rápido na água restante, longe da linha de corrida. Mesmo assim, isso está atrasando o inevitável.

O resultado é, geralmente, uma procissão, porque sair da linha de secagem por muito tempo incorre em um risco muito grande.

Calcular o momento para trocar para os slicks - ou voltar a eles - envolve tanto sorte quanto bom julgamento. Quando Lando Norris, George Russell e Alex Albon se dirigiram aos boxes para colocar intermediários no final da 44ª volta em Albert Park, eles pareciam um pouco adiantados, dado o estado relativamente seco dos setores um e dois. As circunstâncias viraram a favor deles quando a chuva começou a cair no resto da pista. As apostas muitas vezes podem parecer geniais em retrospectiva.

E o que dizer do “mito” do mega-talento que consegue transcender tanto o seu maquinário quanto as leis da física? Pode-se argumentar que os pilotos modernos de F1 estão na sombra do desempenho de Ayrton Senna no GP da Europa de 1993 em Donington Park, quando ele passou de quinto para primeiro na primeira volta e terminou uma volta inteira à frente de seu antigo inimigo Alain Prost.

Senna's Donington display in 1993 was aided by traction control

Senna's Donington display in 1993 was aided by traction control

Para alguns leitores, será equivalente a uma blasfêmia escrever isso, mas Donington 1993 foi uma demonstração de talento na pilotagem, aumentada por um conjunto completo de componentes eletrônicos inteligentes de controle de tração em um carro bem equilibrado. Senna aproveitou ao máximo as ferramentas à sua disposição em um dia em que Prost parecia bizarramente sem noção.

Portugal 1985, quando 26 carros largaram e apenas nove terminaram, forneceu um argumento mais convincente para que o talento fosse o fator decisivo em uma vitória em tempo chuvoso sobre pilotos com equipamento semelhante: os oito primeiros estavam todos com pneus Goodyear e Senna terminou uma volta à frente do companheiro de equipe Elio de Angelis. Voltamos ao ponto em que as recompensas estão disponíveis para os pilotos com mais confiança ou mais apetite por riscos.

Ainda assim, até mesmo os campeões podem colocar uma roda no lugar errado, especialmente em circuitos de rua onde há muitas linhas brancas pintadas. O molhado GP de Mônaco de 1984 foi um desses famosos “o que poderia ter sido”, já que o diretor de prova Jacky Ickx deu bandeira vermelha no início da corrida enquanto Senna perseguia Prost. Mais cedo, Nigel Mansell havia saído da liderança, depois de ter batido com a roda em uma das linhas brancas que margeavam a estrada na saída de Ste Devote.

O chefe de equipe da Lotus, Peter Warr, ficou comovido com isso e declarou: “Nigel Mansell nunca vencerá uma corrida enquanto eu tiver um buraco no meu traseiro”. Ele estava errado quanto a isso. E será que Mansell não tinha confiança, bravura ou propensão a correr riscos? Com certeza não.

No molhado, não há absolutos. Esses dias, como o de Michael Schumacher em Barcelona, em 1996, o de Juan Manuel Fangio em Nurburgring, em 1957, e o de Lewis Hamilton em Silverstone, em 2008, se destacam por serem excepcionais, mesmo entre os melhores dos melhores.

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