ANÁLISE: Por que a F1 e as equipes ainda não apoiam projeto da Andretti-Cadillac?
Existem três pontos fundamentais que 'travam' avanço do processo, incluindo questionamentos sobre o real envolvimento da General Motors
Quando Michael Andretti anunciou sua parceria com a General Motors e a Cadillac para formar uma nova equipe de Fórmula 1, ele tinha certeza de que isso faria com que o esporte o recebesse de braços abertos. Após meses de um tratamento frio das rivais, da própria categoria e da Liberty Media, parecia que ele teria acertado todos os pontos.
Mohammed ben Sulayem, presidente da FIA, tornou público seu desejo de receber mais equipes no grid, e o apoio da GM com a marca Cadillac na operação certamente dava a impressão de ser algo grande o suficiente para provar o valor que essa nova equipe traria ao esporte.
Falando com a mídia sobre o projeto e o peso a mais que ele teria com uma montadora ao lado, Andretti disse: "Uma das maiores discussões eram: o que a Andretti traz para a festa? Bem, agora trazemos uma das maiores montadoras do mundo, com a General Motors e a Cadillac".
"Sentíamos que esse era um dos pontos que faltavam, e que agora resolvemos. Acho que traremos um grande apoio para a F1. É difícil para alguém argumentar contra isso agora".
Recepção 'morna'
Mas se Andretti esperava que esse forço fosse mudar o jogo em termos de viabilizar sua entrada, não demorou muito para perceber que as opiniões pouco haviam mudado. Mesmo antes do fim do embargo da notícia sobre a Cadillac, a própria F1 divulgou uma resposta morna (para dizer o mínimo), enfatizando que a equipe não é a única buscando entrar no grid, e que a decisão não depende apenas da FIA.
Além disso, com as equipes rivais digerindo os planos da Andretti, rapidamente eles reforçaram sua resistência à F1 abrir os braços dando à Andretti uma vaga automática no grid. O modo como essas respostas foram dadas, além do posicionamento da F1, fez com que Sulayem expressasse sua surpresa durante o fim de semana.
"É surpreendente que tenhamos visto reações adversas às notícias da Andretti com a Caidllac. A FIA já aceitou a entrada de equipes menores e de sucesso nos últimos anos. Devemos encorajar entradas potenciais na F1 de montadoras globais como a GM além de marcas importantes como a Andretti e outras".
"O interesse das equipes em mercados de expansão acrescenta diversidade e aumenta o apelo da F1".
Enquanto Sulayem está correto ao dizer que a F1 deveria encorajar projetos de montadoras como a GM e equipes como a Andretti, a situação não é tão preto no branco assim.
É como um chefe de equipe, que pediu para não ser identificado, disse ao Motorsport.com: "Há muita festa e fumaça".
De fato, após falar com múltiplas fontes com bom conhecimento da situação e do clima dentro das equipes, há três elementos interligados que são importantes para este posicionamento.
O principal deles segue sendo o financeiro: as novas equipes precisam demonstrar que trarão mais aos rivais com sua presença no grid do que o que será perdido com a diluição do fundo de prêmios atual (que será discutido posteriormente). Mas há outros fatores em jogo também.
Presidente da FIA, Mohammed ben Sulayem
Photo by: Sam Bloxham / Motorsport Images
Os jogos públicos
A primeira linha da resposta oficial da F1 ao anúncio da Andretti foi bastante enigmático: "Há um grande interesse por um projeto na F1 neste momento, com várias conversas acontecendo que não são tão visíveis quanto outras".
Apesar disso ser obviamente uma referência à existência de outras equipes e montadoras que consideram seriamente uma entrada na F1, há um segundo aspecto nisso. Fontes indicaram que equipes rivais e a F1 não ficaram surpresas pelo modo como a Andretti fez um anúncio público, buscando apoio ao seu projeto, sendo bem agressivo em fazer política, pública e privada.
Enquanto outras potenciais e sérias entradas mantêm seu trabalho nos bastidores, Andretti é muito público sobre suas ambições, chegando ao ponto de fazer uma coletiva de imprensa para avisar sobre sua expressão de interesse (nome dado aos projetos apresentados à FIA).
Os rivais sentem que há muito lobby em jogo, e o Motorsport.com apurou que os esforços de Andretti, feitos no GP de Miami do ano passado, em conseguir o apoio das equipes em uma carta, não acabou muito bem. Na verdade, o fato de ter conseguido apenas duas assinaturas, da Alpine e da McLaren, já diz demais.
As equipes também se preocupam com o fato de Andretti estar usando o apoio de Sulayem para forçar sua entrada, em um momento na qual F1 e FIA não estão nos melhores termos políticos. Eles sentem também que podem ser forçados pelas mensagens de Sulayem e o anúncio da Andretti.
Como disse uma fonte: "Ele irritou as outras equipes, o que não é um bom começo".
Enquanto Zak Brown, da McLaren, tem apoiado seu amigo Michael Andretti, outros, incluindo Toto Wolff, da Mercedes, são mais céticos sobre o valor que a Andretti traria ao esporte
Photo by: Erik Junius
A questão da montadora
Quando a Andretti tentou conseguir apoio pela primeira vez, uma das questões discutidas no paddock era: quais benefícios ela traria ao esporte? Apesar do nome Andretti ser gigante nos EUA, um mercado-chave para a F1, a habilidade do time em aumentar a visibilidade global do esporte não estava no mesmo patamar de Audi e Porsche.
É por isso que a F1 apoiou tanto o anúncio da Audi, feito no GP da Bélgica do ano passado, incluindo uma coletiva de imprensa formal e a presença de um carro. O investimento da Audi na tecnologia de motor, sua compra da Sauber e a grande máquina de marketing que está em jogo, tudo isso tornará a F1 mais forte.
Quando falamos da Andretti, Toto Wolff, da Mercedes, deixou claro que qualquer nova equipe realmente precisa do apoio de uma montadora para beneficiar os rivais, de forma a trazer mais positivos do que os negativos, especialmente a diluição do fundo de prêmios.
Falando no ano passado, Wolff disse: "A F1 prospera porque temos 10 equipes, cada um com um DNA diferente que mostrou comprometimento ao esporte, e a maioria delas contribuiu com gastos que já passaram de bilhões nos últimos anos. É isso que tornou a F1 o que a F1 é hoje".
"Se alguém quiser fazer parte, fazer o pedido à FIA é algo livre. Aí a FIA e a F1 precisam entender o quão criativa essa equipe pode ser para nossos negócios. E esse não tem sido o caso até agora. Se uma equipe vem com uma montadora e diz que quer fazer isso, aí é obviamente algo diferente. Isso trará considerações diferentes".
O fato da Andretti ter conseguido trazer a GM a bordo parecia uma resposta direta a isso. Porém, com as equipes tendo mais informações sobre os planos da GM, eles deixaram de ver esse projeto como no mesmo nível de outras montadoras e do que eles esperam em termos de esforços delas.
A GM manteve baixo seus planos sobre o que pretende fazer em termos de motor, sugerindo que enquanto deve começar com uma colaboração com outra montadora, a empresa passaria a desenvolver sua tecnologia com o passar do tempo.
Mark Reuss, presidente da GM, disse: "Temos um acordo assinado com uma fornecedora de motores para iniciar e, com o passar do tempo, traremos nossa expertise para criar coisas no futuro também".
Essa conversa sobre uma 'colaboração' tornou lógico assumir que a Cadillac mira uma parceria com a Honda, com as duas empresas já trabalhando junto nas tecnologias de carros de rua. Porque, no mundo da F1, seria inconcebível achar que a Andretti faria um acordo de motores com a Renault, e que a montadora francesa permitiria que a GM mudasse os elementos na unidade de potência.
Reuss certamente não descartou a ideia da Honda semana passada: "No lado dos elétricos, obviamente temos uma grande parceria com a Honda. E competimos contra eles em categorias como a Indy. Então temos um respeito natural, um relacionamento que não é problemático".
Porém, parece que o elemento da Honda é uma pista falsa, e que tal ligação não está sendo considerada. Enquanto não há uma confirmação da própria Andretti, as equipes acreditam que o plano seja muito simples: ter a montadora americana levando adiante o acordo com a Renault, usando motores que levarão o nome da Cadillac.
Enquanto a Andretti possui uma forte parecia com a Honda na Indy, parece que um motor Renault é a saída mais provável para a Andretti-Cadillac. Isso também levanta dúvidas sobre o real envolvimento da General Motors como uma montadora de fato na F1
Photo by: Jake Galstad / Motorsport Images
Por isso, os rivais deixaram de ver a entrada da GM como um esforço de uma nova montadora na F1, algo que mudaria o jogo, mas sim algo mais próximo de um acordo de patrocínio, que não seria mais importante do que a Alfa Romeo fez com a Sauber.
Na verdade, o plano da GM, que é efetivamente oferecer às montadoras uma oportunidade barata de entrar na F1, vem irritando áreas do paddock a ponto de existirem conversas nos bastidores para mudar o regulamento e impedir que motores passem por mudanças de nome no futuro (como foi o caso da Red Bull e os motores Renault, chamados de TAG-Heuer por um tempo).
A questão é de que, a longo prazo, qual é o ponto de uma montadora gastar bilhões no desenvolvimento de seus próprios motores para obter sucesso na F1, se a porta está aberta para que as rivais assinem acordos de patrocínio por 20 milhões de dólares para ter a mesma visibilidade?
Mesmo as discussões atuais entre a Ford e a Red Bull para 2026 envolvem um envolvimento de fato da marca americana na operação técnica da equipe austríaca, não sendo apenas um nome para o motor.
A questão dos 600 milhões de dólares
Nenhuma das questões, do posicionamento público e do motor, são insuperáveis em termos de permitir a presença da Andretti no grid. Na verdade, os planos da equipe dependem de uma simples equação financeira: a presença da Andretti como o 11º time traz um valor acrescido para o esporte que vá além do que as demais perderão com a diluição do fundo de prêmios?
As equipes sabem há tempos do que está fundamentalmente em jogo com a expansão do grid: dividir a receita do esporte em 11 partes em vez de 10. Efetivamente, todas perderiam 10% de seus rendimentos.
É por isso que, quando o último Pacto de Concórdia foi assinado, para o período 2021-2025, ele incluiu uma cláusula de que novas entradas teriam que pagar uma taxa de diluição de 200 milhões de dólares para compensar as rivais.
Naqueles dias, as equipes sentiam que um pagamento de 20 milhões para cada seria suficiente para compensar as perdas, que devem variar entre 5 e 10 milhões, dependendo da posição final no Mundial.
Mas muita coisa mudou desde que o documento foi assinado, em 2020, com a saúde financeira do esporte atingindo novos patamares. Agora, o pagamento de 20 milhões não é visto como um bom valor, já que cobriria três ou quatro anos no máximo.
Várias equipes citaram o exemplo da NHL, a liga de hóquei norte-americana, que expandiu recentemente seu número de equipes. Ela possui um pagamento de 'diluição', mas que foi chamado 'taxa de expansão'. Nesse processo, o Vegas Golden Knights pagou 500 milhões para entrar em 2017, enquanto o Seattle Krakem pagou 650 milhões para os rivais no ano passado.
Com uma projeção de que o valor de uma franquia na F1 esteja na casa de 1 bilhão, o valor da taxa de diluição seria em torno de 500, 600 milhões de dólares, em vez de 200. Pelo menos é o que as equipes pedem.
As equipes da F1 já falam abertamente sobre isso, defendendo que o novo Pacto de Concórdia, que será assinado em 2025 para o período 2026-2030, já inclua um valor nessa área. Até lá, Andretti descobrirá que, a menos que tenha como bancar esse valor, ele não terá o apoio que espera.
Equipes pedem um aumento no valor da taxa de diluição, podendo ser até 3x maior
Photo by: Erik Junius
O posicionamento da F1
Apesar das equipes da F1 não terem um papel formal na aceitação de uma nova equipe, o que está claro é que a FOM (Formula One Management) e, especialmente, o CEO Stefano Domenicali, agirão tendo em consideração os interesses dos competidores atuais em termos de expansão do grid.
Porque, se as equipes atuais não ficarem felizes com o aumento das entradas, e se houver o mínimo risco de que a chegada de uma 11ª possa arriscar a continuidade de uma das atuais, a situação não vai mudar.
Cada equipe extra no grid complica financeiramente a situação dos times atuais, então há compromissos que precisam ser feitos.
Só se uma equipe trouxer valor para todos ela receberá o apoio necessário; e há outros projetos em potencial além da Andretti. O papel da F1 é escolher aquela que irá agregar mais ao esporte como um todo, e podem existir opções melhores que a Andretti mas que não falam publicamente ainda.
Enquanto Domenicali não falou publicamente desde o anúncio da Andretti, o que se sabe é que seu posicionamento não mudou desde o meio do ano passado, fazendo de tudo para proteger o grid atual.
"Hoje não é um problema de ter mais equipes, porque temos uma lista. Alguns deles são mais vocais que outros, mas temos várias pessoas, investidores, que querem estar na F1. Mas precisamos proteger as equipes. Isso é um sinal de um sistema muito saudável".
Então em vez de ver a relutância da expansão de equipes como um problema, como faz Sulayem, Domenicali vê de forma totalmente oposta: um sinal do quão forte e comprometida a F1 está com a saúde do grid atual a longo prazo.
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