Análise

OPINIÃO: Vexame de Vettel e apoteose de Leclerc deixam alemão em mato sem cachorro

Editor-chefe do Motorsport.com Brasil, Felipe Motta comenta a situação dos pilotos da Ferrari no atual estágio da temporada

Sebastian Vettel, Ferrari

Não há como negar. O GP da Itália de Fórmula 1 foi um dos retratos mais fortes que vimos de um (multi) campeão mundial chafurdar na lama. Não bastasse ver Charles Leclerc levando a torcida ferrarista ao delírio na mais impactante imagem "vermelha" da década, o triunfo aconteceu minutos depois de um erro bisonho de Sebastian Vettel. Não podia haver registro mais definitivo do momento (e por que não do dilema) em que Ferrari está envolvida.

Se Leclerc tivesse vencido com Vettel fazendo um bom trabalho e terminando em segundo de forma segura, já haveria constrangimento. Mas o triunfo foi retumbante. Primeiro porque o monegasco já havia levado a melhor no domingo anterior, em Spa, na Bélgica, pista que costuma separar os gênios dos pilotos comuns. Leclerc superou Vettel amplamente, e venceu horas depois da morte de um dos maiores amigos, Anthoine Hubert.

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A chegada em Monza já trazia expectativa. Seria Leclerc o piloto a ser recebido com mais impacto pela torcida da Ferrari? Ou Vettel ainda gozaria de maior respeito? Se fosse esse o caso, a situação mudou em três dias. O jovem de 21 anos foi novamente muito superior e saiu consolidado como um novo xodó, não apenas da escuderia, mas de todos que amam a Fórmula 1.

Leclerc é uma realidade. Não há sorte, acaso ou estrela que justifiquem o que está fazendo ao longo de todo o ano. Possui talento incontestável. E neste duelo entre o jovem em ascensão versus o campeão em crise, temos um Vettel no "outro lado do ringue", nas cordas, abanado pelo córner e sem mostrar forças de reagir. Sua fase ruim é longa e sem sinais de terminar em curto prazo (relembre abaixo os episódios marcantes). A esperança é reagir em Singapura, onde detém o recorde de vitórias da pista. Mas ninguém aposta nisso.

GP de Singapura, 2017
Vettel largou na pole, mas toda a vantagem foi por água abaixo: logo no salto iniciou, o alemão espremeu a Red Bull de Max Verstappen, que também via a Ferrari de Kimi Raikkonen por fora. Batida tripla que beneficiou Lewis Hamilton, da Mercedes.
GP da França, 2018
Tentando superar a Mercedes de Valtteri Bottas na largada, o alemão encheu a traseira do finlandês na primeira curva, destruiu sua asa dianteira e teve que ir aos pits. Saindo em terceiro, ele chegou em quarto no dia de mais uma vitória de Hamilton.
GP da Alemanha, 2018
Com uma boa vantagem à frente, Vettel foi vítima de uma garoa que caia no circuito de Hockenheim. Ele acabou errando e bateu contra a barreira. Com o safety car, Hamilton – que largara em 14º após problema mecânico na classificação – viu Bottas e Kimi indo para os pits e ficou na pista. O inglês assumiu a liderança e venceu.
GP da Itália, 2018
Após atacar Raikkonen sem sucesso na primeira chicane da corrida, Vettel foi atacado por Hamilton chegando na segunda chicane. Por dentro, o alemão arriscou frear tarde para se defender, mas bateu no carro do rival e acabou rodando. Vettel, que tinha provavelmente o melhor conjunto para a pista de Monza, chegou apenas em quarto na vitória de Hamilton.
GP do Japão, 2018
Saindo de nono após um erro da Ferrari na classificação, Vettel arriscou uma ultrapassagem em Verstappen no início da corrida na curva Spoon, tocou com o holandês e rodou. Ele só pôde ser o sexto em mais uma vitória de Hamilton.
GP dos EUA, 2018
Saindo de quinto, o alemão foi para cima de Daniel Ricciardo na primeira volta, arriscou em uma freada e novamente rodou. Depois de cair diversas posições, subiu para quarto evitando o título de Hamilton, terceiro. Mas Lewis foi campeão na prova seguinte.
GP do Bahrein, 2019
Depois de superar o parceiro Leclerc na largada pela liderança, ele viu o monegasco dando o troco após algumas voltas. Em seguida, Sebastian começou seu duelo com Hamilton. Ele foi atacado pelo britânico depois de sua segunda parada. Tentando se manter à frente de Lewis, errou e acabou rodando. Ovalizando os pneus, acabou perdendo a asa após voltar à pista. Vettel ficou em quinto.
GP do Canadá, 2019
Neste caso, Vettel não pagou mico, mas se prejudicou. Em batalha com Hamilton pela vitória, o alemão escapou na chicane de Montreal e acabou fechando o rival quando retornou à pista. Vettel venceu, mas tomou controversa punição de 5 segundos no tempo de prova e caiu para segundo.
GP da Grã-Bretanha, 2019
O circuito de Silverstone foi palco para o penúltimo erro crasso de Vettel na F1. Em briga com Verstappen, o alemão encheu a traseira da Red Bull e acabou caindo para o fim do grid. O tetracampeão terminou a prova da Inglaterra em penúltimo.
GP da Itália, 2019
A corrida de Monza marcou a última pataquada de Vettel. O alemão rodou no começo da prova e cometeu barbeiragem ainda maior na volta à pista: fechou a Racing Point de Lance Stroll, colidindo com o canadense e prejudicando ambos. Já Leclerc venceu.
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Mais um deslize no GP da Itália

O erro grotesco que cometeu na volta 6 em Monza foi a "anatomia do caos". Errou sozinho e no retorno à pista fez uma pataquada ainda maior, atrapalhando Lance Stroll, o piloto menos cotado no grid atual. O canadense esbravejou no rádio, chamando Vettel de estúpido. Foi o famoso chutar cachorro morto. Mas o cachorro morto é um tetracampeão mundial.

Tive a honra de acompanhar os principais momentos da carreira de Vettel. Lembro bem da estreia nos Estados Unidos em 2007 e todo o ano de 2008. Porque se a gente lembra sempre do "milagre de Monza", quando venceu de Toro Rosso, vale ressaltar que a temporada inteira foi brilhante, talvez a melhor de um piloto em carro médio no século. Aquela vitória não foi um achado isolado. Ele foi protagonista até mesmo na decisão em Interlagos, no duelo entre Massa e Hamiton.

Por essas e por outras, não diminuo o tamanho de Vettel nessa má fase. Seu lugar na História da F1 está reservado. Mesmo que não fique considerado na mesma prateleira que contemporâneos, como Lewis Hamilton e até Fernando Alonso, que tem dois títulos a menos, está entre os maiores.

Volta por cima?

É cedo ainda pra dizer se conseguirá dar a volta por cima ou se estamos testemunhando o declínio definitivo do alemão. Conversei recentemente com pessoas ligadas ao piloto, que garantem que o tetracampeão acompanha atentamente as mudanças nas regras para o campeonato de 2021, quando as novidades podem gerar um carro que case mais com o estilo de pilotagem que tem.

Até lá, cabe a Vettel, e apenas a ele, sair das cordas. A cada derrota para Leclerc sua confiança ficará abalada, ele ficará sozinho, sem aliados na busca por uma reviravolta. E a Ferrari envolvida em um dilema. Quando será a hora de abraçar Leclerc como número 1, já que gosta tanto de fazer distinções entre os pilotos que sentam em seus bólidos míticos.

Sim, Vettel está num mato sem cachorro. E se não começar a latir sozinho, virará um gatinho indefeso diante de uma geração de prodígios que aos poucos começa a devorá-lo.

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Felipe Motta
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Sebastian Vettel
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