Le Mans 1955: maior tragédia da história do esporte a motor completa 70 anos
84 mortos, 120 feridos e impactos que são sentidos no automobilismo mundial até hoje

Há exatos 70 anos, em 11 de junho de 1955, o esporte a motor mundial vivia o dia mais sombrio de sua história. Durante a edição daquele ano das 24h de Le Mans, um grave acidente causou a morte de 83 espectadores e do piloto Pierre Levegh, da Mercedes, e deixou outros 120 feridos, criando impactos no automobilismo que são vistos até hoje.

Juan Manuel Fangio / Stirling Moss, Daimler Benz AG, Mercedes-Benz 300 SLR.
Foto de: Motorsport Images
A chegada à Le Mans
As 24h de Le Mans de 1955 eram muito aguardadas pelo público, com a expectativa de uma briga tripla pela vitória entre Ferrari, Jaguar e Mercedes, que chegavam à prova francesa com versões atualizadas de seus carros.
Le Mans era a quarta etapa da temporada 2025 do Mundial de Carros Esportivos, e cada marca acumulava uma vitória: 1000km de Buenos Aires para a Ferrari (mas que sofria com um carro frágil), 12h de Sebring para a Jaguar (que havia focado o desenvolvimento do carro para Le Mans) e Mille Miglia para a Mercedes (que estreava o novo 300 SLR, marcado por uma carenagem mais leve e discos de freio de ponta).
A Mercedes chegava a Le Mans com três carros e duplas formadas por Juan Manuel Fangio e Stirling Moss, Karl Kling e André Simon e Pierre Levegh com John Fitch.
Ao longo de suas primeiras edições (a de 1955 era a 23ª após interrupções por conta de greves e a 2ª Guerra Mundial), o Circuit de la Sarthe não havia passado por grandes modificações e, com o desenvolvimento dos carros, as médias de velocidade aumentavam consideravelmente. Se, na prova inaugural, as velocidades máximas estavam na casa de 100 km/h, em 1955, elas já haviam subido para 270 km/h. As áreas adjacentes também haviam passado por reformas, mas as arquibancadas seguiam sem barreiras de proteção.

Pierre Levegh crashed into the crowd
Foto de: Motorsport Images
O acidente
As 24h de Le Mans de 1955 teve sua largada às 16h, horário local, do sábado, e as três montadoras mantiveram o domínio da prova ao final da primeira hora. O acidente ocorreu às 18h26, no final da volta 35, durante a primeira janela de pit stops dos ponteiros.
Hawthorn (Jaguar) e Fangio (Mercedes) estavam disputando a liderança, com o piloto da marca britânica surpreso com a boa performance dos rivais. A Jaguar indicou que Hawthorn deveria entrar nos boxes na volta seguinte. Ele havia dado uma volta em cima de Levegh, que vinha em sexto. Saindo da Maison Blanche, ele alcançou rapidamente Lance Macklin, na Austin-Healey 100S, que o deixou passar.
Chegando na reta principal, Hawthorn levantou a mão para indicar que entraria nos boxes e jogou o carro para a direita. Macklin ficou surpreso ao ver como o carro da Jaguar conseguiu frear tão rapidamente. Macklin freou forte e acabou jogando o carro para a direita, seja uma reação para evitar a batida ou apenas uma perda momentânea de controle do seu carro. Isso o colocou em frente à Mercedes de Levegh, que vinha a 200 km/h, com Fangio logo atrás.
Sem espaço para evadir, Levegh levantou rapidamente sua mão, alertando Fangio. O argentino conseguiu se livrar por pouco do acidente. Já a outra Mercedes acertou o pneu traseiro esquerdo de Macklin, com o carro atuando como uma rampa, elevando Levegh no ar e parando apenas 80 metros à frente. O britânico foi ejetado do carro, morrendo na hora.
A trajetória do carro foi fundamental na tragédia. A Mercedes voltou ao chão no espaço livre entre a pista e as arquibancadas. Na sequência, ele bateu em uma parede de concreto, desintegrando. Neste momento, vários componentes do carro saíram voando, incluindo peças pesadas, como motor, radiador e suspensão, por mais de 100 metros, atingindo em cheio o público.
Duncan Hamilton, piloto da Jaguar, estava no pit wall e relembrou sobre o acidente em entrevista: "A imagem do outro lado da estrada é indescritível. Os mortos e os feridos estavam em todo lugar; os choros de dor, agonia e desespero eram uma verdadeira catástrofe. Parecia que eu estava em um sonho, horrorizado demais para pensar em qualquer coisa".
A produtora British Pathé disponibiliza no YouTube um cinejornal divulgado à época sobre o acidente. Veja abaixo:

Juan Manuel Fangio, Mercedes W196
Foto de: Michael Tee / Motorsport Images
As repercussões e consequências
Segundo a organização, a prova não foi interrompida para evitar um êxodo em massa das pessoas presentes na prova. A expectativa é de que haviam mais de 300 mil pessoas presentes e, caso estes fossem embora, dificultariam o acesso aos feridos e o envio destes aos hospitais da região.
Eventualmente, a Mercedes tomou a decisão de abandonar a prova, enquanto as Ferraris não conseguiram concluir as 24h, deixando o caminho livre para a vitória de Mike Hawthorn e Ivor Bueb da Jaguar, com cinco voltas de vantagem para o segundo colocado, o Aston Martin #23 de Peter Collins e Paul Frère. Não houve cerimônia do pódio em respeito aos mortos.
O impacto mais imediato veio através de uma reforma extensa da pista e da infraestrutura do Circuit de la Sarthe, incluindo uma remodelagem total da reta dos pits e um aumento do espaço de trabalho para as equipes. Por outro lado, isso reduziu o número de participantes de 60 para 52 carros nos anos seguintes.
As arquibancadas também passaram por reformas, ficando mais afastadas do limite da pista, para evitar que detritos de futuros acidentes pudessem atingir os espectadores presentes.
O Austin-Healey de Macklin foi vendido a um comprador privado após o acidente, antes de aparecer em um leilão público. Em 1969, o modelo foi comprado por apenas 155 libras, equivalente a mais de 3 mil libras em 2023 (pouco mais de R$ 23 mil). Mas, em dezembro de 2011, ele foi arrematado por 843 mil libras (R$6,3 milhões).
Uma das consequências mais mais chamativas foi a decisão da Mercedes de se retirar das competições de automobilismo, algo que se manteve até 1985. Mas o que poucos sabem é que, na verdade, essa decisão já havia sido tomada antes da prova, com o acidente não tendo envolvimento nesta discussão. A marca alemã volta a Le Mans no fim dos anos 1980, vencendo em 1989 em parceria com a Sauber.
Fangio nunca mais retornou a Le Mans, encerrando sua participação na prova com quatro abandonos. A saída da Mercedes do automobilismo também fez com que o argentino buscasse outra casa na F1 para 1956, encontrando na Ferrari o meio de conquistar o tetracampeonato.
As repercussões também foram além da região de Le Mans. Governos como o da França e da Alemanha interromperam temporariamente a prática do automobilismo até que os autódromos passassem por inspeções. Mas um país foi além: a Suíça proibiu de vez o esporte a motor, uma decisão que persistiu até 2022.
A proibição havia sido parcialmente reduzida na década passada, mas com a prática do automobilismo precisando estar atrelada a normas rígidas de sustentabilidade, o que explica a presença da Fórmula E no país. O Mundial Elétrico correu na Suíça em 2018, com o ePrix de Zurique, e em 2019, com o ePrix da Suíça, em Berna.
Curta de animação relembra história, e quase chegou ao Oscar
Em 2018, o diretor Quentin Bailleux e o roteirista Julien Liti lançaram o curta de animação "Le Mans 1955", que reconta a história do acidente dos pontos de vista de Alfred Neubauer e John Fitch, que acompanharam o desenrolar da história à distância, dos boxes do circuito.
Com 15 minutos de duração, o filme teve destaque internacional, participando de importantes festivais da área como o de Ánnency, na França, considerado o "Oscar da animação" e o Animamundi Fest, do Brasil. "Le Mans 1955" chegou a ser colocado entre os potenciais indicados ao Oscar de Melhor Curta de Animação no ano seguinte, mas acabou ficando de fora da lista final. Assista abaixo:
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