ANÁLISE: Entenda por que Alpine aposta em mudanças radicais na busca pela glória na F1
Laurent Rossi, CEO da equipe na F1, tem um plano muito bem delimitado, apostando em um avanço constante, sem apressar algo complexo
A Fórmula 1 tem uma longa história de equipes oficiais de montadoras delimitando planos de cinco anos para chegar às vitórias e lutas por títulos, com muitas não conseguindo cumprir com as expectativas. Vários fatores se mostram problemáticos, mas um fio comum é que os gastos para chegar à ponta se provam insustentáveis, além da impaciência da gerência com progressos de curto prazo.
Então quando o atual CEO da Alpine, Laurent Rossi, fala sobre um plano de 100 corridas para colocar a equipe na luta pela ponta da F1, é perdoável pensar que a história está prestes a se repetir. Com quase 20 provas em seu currículo, a Alpine pode ter um triunfo com Esteban Ocon na Hungria para se vangloriar, mas seu ritmo geral na categoria parece ter atingido uma barreira.
Se terminar a temporada onde se encontra atualmente, esse será o terceiro ano seguido com a equipe não conseguindo passar da quinta posição no Mundial de Construtores, sendo 2019 e 2020 com o nome de Renault.
A fase de crescimento da Alpine em direção à ponta parece ter emperrado, então é fácil de duvidar que, com mais 80 corridas, tal visão possa ser executada. Mas, como explicado por Rossi em uma entrevista exclusiva ao Motorsportcom, a situação parece ser bem diferente daquela que outras equipes de montadoras enfrentaram no passado.
A combinação do teto orçamentário na F1, a chegada do novo regulamento técnico e uma imagem positiva dele e do novo CEO da Renault, Luca de Meo, colocam a equipe em uma posição de força a longo prazo. Não existe mais aquela preocupação de jogar dinheiro em um buraco sem fundo, e não há mais a pressão de atingir objetivos de performance a curto prazo.
Em vez disso, independente de onde a Alpine estiver quando os carros de 2022 chegarem à pista, o foco estará em entregar o progresso e performance que é necessário para estar onde o plano prevê. É uma corrida sprint, não uma maratona.
"Independente de onde estivermos no próximo ano, não desviarei do objetivo", disse Rossi. "Vamos levar corrida a corrida, ano após ano. Não vamos mudar o objetivo e vocês não me verão mudando o programa apenas para mostrar uma performance melhor após duas corridas na temporada. Vamos tirar o tempo para chegar lá".
Laurent Rossi, CEO, Alpine F1, and Esteban Ocon, Alpine F1, 1st position, on the podium
Photo by: Andy Hone / Motorsport Images
"Queremos evitar os problemas de construir a curto prazo, que já custou muito a várias equipes no passado. Queremos ter a capacidade de construir a longo prazo. É uma mudança radical na abordagem que geralmente vemos na F1, e o modo como construímos nossa performance, mas é o modo que você deveria fazer".
"As equipes de ponta hoje, seus resultados são frutos de vários anos de resultados ruins, de estar no fundo, de colocar pedra em cima de pedra para criar uma nova organização, que entrega quando importa. É isso que quero fazer".
Confiança sobre ser capaz de tomar decisões a longo prazo é aumentada pelo apoio incondicional de de Meo, que aprovou a visão como parte de uma mudança radical nas marcas individuais do grupo francês no ano passado. A habilidade da Alpine de pensar no futuro é exatamente o que de Meo busca.
Rossi acrescenta: "O contexto é incrivelmente favorável, porque Luca de Meo é o arquiteto por trás disso. Ele tem uma visão clara do que é necessário para crescer, e o tempo que leva para isso. Então ele está completamente alinhado com o plano de 100 corridas e o tempo necessário para chegarmos ao topo".
Além disso, a habilidade de de Meo em ser paciente é aumentada pela mudança significativa na estrutura financeira da F1, com gastos bem menores que no passado. Com isso, os orçamentos não correm mais o risco de sair fora de controle.
Esteban Ocon, Alpine F1
Photo by: Mark Sutton / Motorsport Images
"Um teto orçamentário no chassi é algo que muda o jogo de modo incrível. Antes, você poderia decidir investir 200 milhões de dólares em três ou quatro anos para chegar onde queria. Mas aí chegaria um novato colocando 400 milhões por ano. Mesmo não tendo a experiência, eles nos alcançariam rapidamente, mudando a ordem natural".
"Isso acabou. Agora todos jogam com o mesmo dinheiro no lado chassi. Além disso, não somos apenas uma equipe de F1. Temos uma divisão de carros de rua, e essa área também terá seus frutos em termos de lucros, porque teremos mais do que apenas um carro".
"Vamos ter três carros pelo menos, em 2024, 2025 e 2026 e, possivelmente, outros que seguirão. E esses carros gerarão lucros que contribuirão ao financiamento de nossas atividades. No final do dia, nosso objetivo é para 2025. Além de estarmos no topo do pódio com a Alpine, queremos bancar nossas operações".
"Com isso, o Grupo Renault passaria a investir cada vez menos na equipe. Esse é um ciclo importante. E é esse o plano que fizemos com Luca de Meo. Ele é o arquiteto de tudo isso, e é ótimo ter esse tipo de alinhamento comum entre o Grupo e nós. Porque sei o que estou fazendo e sei onde quero ir".
Apesar da Alpine estar oficialmente apenas em seu primeiro ano, com a estrutura que Rossi colocou em ação quando assumiu no início do ano, o francês não teme a possibilidade de já mudar muitas coisas.
Ele está aberto ao fato de que a equipe não tem um carro tão rápido quanto gostaria de ter visto. Mas, operacionalmente, ele diz que a Alpine tem sido forte, e segurar o quinto lugar nos construtores até o fim do ano será uma boa recompensa.
Fernando Alonso, Alpine A521
Photo by: Zak Mauger / Motorsport Images
Mas, com a natureza da F1 mudando no próximo ano, graças à chegada do novo regulamento, Rossi sugere que a equipe deve passar por mudanças: com realocações de recursos para garantir que o retorno na pista será maximizado.
"Precisamos evoluir como equipe um pouco. A equipe evoluiu de nono para quinto muito bem nos últimos anos, antes dessa barreira que temos hoje. Mas, agora, para atingir o novo estágio, tornando-se a melhor equipe da ponta, em vez de ser a melhor do resto, precisamos de outra evolução".
"Então o que eu quero é manter o momento da temporada anterior. É por isso que eu quero manter a quinta posição, não quero regredir. Aprendemos muito neste ano operacionalmente, então isso é sempre algo a mais. Vamos aplicar isso no próximo ano".
"Mas precisaremos construir músculos, para crescer e subir de quinto para primeiro, corrida após corrida, temporada após temporada. Essa é outra história. Esse é outro capítulo. Mas definitivamente quero mais do que a quinta posição, com certeza".
O plano de 100 corridas da Alpine coloca a equipe mais ou menos no mesmo caminho da Aston Martin, que revelou recentemente seu projeto de investimentos pesados e construção de uma nova fábrica em busca da ponta na F1.
Mas em meio a um grid ultracompetitivo que já inclui gigantes como Mercedes, Red Bull, Ferrari e McLaren, o que Rossi acha que a Alpine tem que a permita atingir tal objetivo?
"Uma coisa é certa, o fato de que trabalhamos como uma equipe oficial de montadora. Honestamente, os dados mostram que há momentos em que chassi e aerodinâmica foram mais importantes. Aí foi o motor, em outro o piloto. No final das contas, hoje é uma combinação dos três".
"É certo, e temos a possibilidade de termos a melhor integração possível entre motor e chassi, porque somos uma equipe de montadora. Outros não têm esse luxo, eles precisam adotar o motor como ele é fabricado, tentando adaptar ao seu chassi".
"Temos uma abordagem muito diferente, algo que apenas três equipes podem fazer: Mercedes, Ferrari e nós mesmos. Então esse já é um grande diferencial nosso".
Esteban Ocon, Alpine A521, Valtteri Bottas, Mercedes W12
Photo by: Mark Sutton / Motorsport Images
"Temos também 45 anos de experiência na F1, o que é muito importante, porque mesmo se você trouxer muito investimento, vimos no passado recente que várias equipes com finanças consideráveis não conseguiram superar sua falta de experiência ao projetar e desenvolver um carro".
"Há vários parâmetros em que não é possível comprar experiência. Temos isso. Então é outro diferencial. E temos também um grande grupo industrial por trás. Parece uma piada, mas isso é importante. A F1, assim como qualquer outra disciplina ou indústria, será, cada vez mais, sobre como lidar com dados, inteligência artificial e novos modos de construir performance".
"Então quando você está lidando e tem o apoio de um grupo que faz isso há mais de 20 anos, com uma experiência tremenda na área, é outro diferencial. Você pode usar uma grande fonte de recursos que normalmente está fora do alcance".
"Temos especialistas em várias áreas que podem ser convocados a qualquer momento. E isso é também muito importante, porque pode ser algo crítico no futuro, em construção de performance junto com os pontos mais tradicionais que mencionei antes: experiência e conhecimento".
"Conseguir entregar performance em campos de evolução crítica como dados, inteligência artificial, machine learning e mais, será fundamental".
Para Rossi, enquanto 2021 não entregou tudo que gostaria de ter visto, sua ambição para a equipe não foi reduzida. Ele sabe onde quer levar a equipe e sabe o plano necessário para isso.
"Queremos voltar ao pódio e quero ver a equipe vencendo. Simples assim. Não quero que nosso objetivo seja ser melhor do resto. Temos que mirar as vitórias. Precisamos mirar isso, e esse objetivo não está inalcançável em uma era de teto orçamentário quando se é uma equipe de montadora com uma experiência de 45 anos".
"Não é algo completamente impossível. Na verdade, é muito possível, bastante razoável. Então esse é o objetivo para a equipe. Eu o determinei por eles".
Esteban Ocon, Alpine A521, 1st position, takes victory to the delight of his team on the pit wall
Photo by: Jerry Andre / Motorsport Images
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