Análise

Entenda argumentos da Ferrari no pedido de revisão da punição a Vettel no Canadá

Escuderia vai usar os regulamentos desportivos para tentar convencer a FIA a reavaliar o gancho que tirou da equipe a 1ª vitória em 2019

Sebastian Vettel, Ferrari SF90

A decisão da Ferrari de pedir à FIA que revise a penalidade imposta a Sebastian Vettel no GP do Canadá de Fórmula 1 levou muitos a questionarem se a equipe italiana tem um argumento forte o suficiente para sustentar suas alegações de que a punição não foi justificada.

Vettel perdeu sua vitória em Montreal graças a uma penalidade de cinco segundos por ter retornado à pista de maneira insegura e forçado Lewis Hamilton para fora depois que o alemão cometeu um erro na primeira chicane na 48ª volta.

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A Ferrari optou por apresentar uma papelada junto à FIA na segunda-feira, solicitando uma revisão nos termos do Artigo 14 do Código Internacional do Esporte (ISC, sigla em inglês).

A equipe não falou ao público sobre o que está reunindo, mas entende-se que a nova evidência "significativa e relevante" que apresentará inclui dados de GPS, telemetria extra e o testemunho do próprio Vettel - que não foi questionado sobre o incidente antes que os comissários o punissem.

Se os novos elementos forem aceitos pelos comissários como suficientes para justificar a revisão do caso, as coisas podem ficar interessantes, porque o argumento central da Ferrari provavelmente será o uso do próprio livro de regras da FIA para mostrar que Vettel não errou.

O que as regras dizem

A primeira violação de que Vettel é acusado é voltar à pista de forma insegura.

As regras relativas a isso são abordadas no ISC e no Regulamento do Esporte e são claras sobre o que se espera dos pilotos que saem do traçado.

O Artigo 27.3 do Regulamento do Esporte declara: "Os pilotos serão julgados como tendo deixado a pista se nenhuma parte do carro permanecer em contato com ela e, para evitar dúvidas, quaisquer linhas brancas que definam as bordas da pista serão consideradas como parte dela, mas não zebras. Se um carro deixar a pista, o piloto pode voltar, no entanto, isso só pode ser feito quando for seguro fazê-lo e sem obter uma vantagem”.

A FIA diz que Vettel voltou perigosamente ao traçado no Canadá, forçando Hamilton para fora. Uma das principais razões para os comissários chegarem a essa conclusão foi o uso do volante quando o alemão voltou à pista.

O argumento é que, no momento em que Vettel estava de volta ao controle do carro, em vez de puxar o carro para a esquerda para dar espaço a Hamilton, o tetracampeão foi para a direita deliberadamente para bloquear o britânico.

São três as regras que tratam de quando um piloto será considerado culpado quando se trata de defender a posição neste tipo de situação.

O Artigo 27.4 do Regulamento Desportivo declara: "Em nenhum momento um carro pode ser pilotado desnecessariamente devagar, erraticamente ou de maneira que possa ser considerada potencialmente perigosa para outros pilotos ou para qualquer outra pessoa".

Já o Apêndice L do ISC, Capítulo IV., Art. 2 a) afirma: "Um carro sozinho na pista pode usar toda a largura do traçado”. Mas o Artigo 2 b) acrescenta: "Mais de uma mudança de direção para defender uma posição não é permitida”.

"Qualquer piloto que volte para a linha de corrida, tendo anteriormente defendido a sua posição, deverá deixar pelo menos a largura de um carro entre o seu e a outra extremidade da pista na aproximação da curva. No entanto, as manobras que podem fechar outros pilotos, como o bloqueio deliberado de um carro para além da borda da pista ou qualquer outra mudança anormal de direção, são estritamente proibidas".

O testemunho de Vettel, aliado a imagens de vídeo e os dados do GPS e telemetria, pode fornecer uma riqueza de informações a respeito de porque Ferrari sente que o alemão não bloqueou Hamilton deliberadamente, nem pilotou erraticamente - especialmente porque quando o tetracampeão voltou ao traçado a Mercedes ainda estava um pouco atrás.

GPS

A Ferrari crê que dados de GPS mostrando a linha de Vettel naquela curva nas voltas anteriores em comparação ao momento que gerou a punição vão deixar claro que o posicionamento do carro na saída da curva 4 não é dramaticamente diferente do que ocorreu nos giros anteriores. Portanto, é provável que o argumento seja de que Vettel não colocou seu carro em um local surpreendente para Hamilton.

Para comparar, muito foi mencionado o incidente entre Hamilton e Daniel Ricciardo no GP de Mônaco de 2016, que teve uma situação semelhante à vivida pelo pentacampeão e Vettel no Canadá, mas terminou sem punições.

No entanto, o regulamento se aplica de forma diferente entre as duas situações, uma vez que a regra, quando lida na íntegra, faz referência somente aos pilotos que anteriormente defenderam a sua posição, deslocando-se da linha. Vettel não fez nenhum movimento anterior para defender sua posição em Montreal.

Com relação ao argumento de que Vettel deveria ter guiado mais para a esquerda depois que voltou ao circuito, não há nenhuma regulamentação que indique que um piloto deve se afastar da linha de corrida e conceder uma posição em tais circunstâncias. De fato, os pilotos só são solicitados a deixar os rivais passarem se eles tiverem obtido uma vantagem injusta. No caso de Vettel, isso não se aplica, já que o alemão não ganhou vantagem alguma no incidente.

O papel de Hamilton

Um fator para o gancho aplicado a Vettel foi o fato de que Hamilton teve que evitar um contato, freando e se afastando para a direita. Foi a reação do britânico que deixou os comissários convencidos de que Vettel forçara o piloto da Mercedes para fora. Mas há duas questões que podem ser importantes para o posicionamento do carro de Hamilton durante o incidente.

A primeira é que a linha de corrida normal através dessa curva já está bem rente ao muro à direita, com os pilotos mergulhando regularmente para o lado direito sobre as guias, como pode ser visto na imagem abaixo:

Lewis Hamilton, Mercedes AMG F1 W10

Lewis Hamilton, Mercedes AMG F1 W10

Photo by: Zak Mauger / LAT Images

Assim, mesmo evitando uma colisão com Vettel, Hamilton ainda estava substancialmente na mesma posição que em uma volta normal - e certamente não em uma posição extrema que poderia ser vista facilmente através dos espelhos de Vettel e demandasse um desvio abrupto do alemão.

Em segundo lugar, pode haver algum escrutínio sobre se Hamilton saiu ou não do circuito durante o incidente. Os regulamentos da F1 são claros sobre qual é a definição dos limites da pista, como já citado acima e reforçado abaixo:

"Os pilotos devem usar a pista em todos os momentos. Para evitar dúvidas, as linhas brancas que definem as bordas da pista são consideradas parte da pista, mas as zebras não são”, diz o Apêndice L ao ISC, Capítulo IV., Art. 2.

O Artigo 27.3 do Regulamento do Esporte reforça: "Os pilotos serão julgados como tendo deixado a pista se nenhuma parte do carro permanecer em contato com ela e, para evitar dúvidas, quaisquer linhas brancas que definam as bordas da pista serão consideradas como parte dela, mas não zebras. Se um carro deixar a pista, o piloto pode voltar, no entanto, isso só pode ser feito quando for seguro fazê-lo e sem obter uma vantagem”.

A explicação da linha branca é crucial porque não é cristalino a partir de imagens de vídeo e fotografias se Hamilton estava com todas as rodas para além das bordas brancas no incidente pelo qual Vettel foi punido. Assim, a opinião da Ferrari pode negar que Hamilton tenha realmente saído oficialmente do circuito.

Sebastian Vettel, Ferrari SF90, leads Lewis Hamilton, Mercedes AMG F1 W10

Sebastian Vettel, Ferrari SF90, leads Lewis Hamilton, Mercedes AMG F1 W10

Photo by: Zak Mauger / LAT Images

Embora nem todos os argumentos e interpretações de regras possam ser aceitos pela FIA - e o caso pode ser encerrado rapidamente se for considerado que a nova evidência não é boa o suficiente - o que está claro é que a punição a Vettel não simples como alguns sugeriram. E o assunto pode se tornar crítico para basilar como a F1 avança no que diz respeito à condução de normas padrões. A ver.

Pódios constrangedores na Fórmula 1

A polêmica punição a Vettel no GP do Canadá causou um grande 'climão' no pódio, para o qual o alemão inicialmente se recusou a ir após trocar as placas de 1º e 2º entre o seu carro e o de Hamilton. O episódio nos remete a outras premiações constrangedores na história da F1. O Motorsport.com Brasil relembra algumas delas, inclusive com casos clássicos de pilotos brasileiros, na galeria especial abaixo. Confira:

GP da Rússia de 2018
Hamilton venceu por causa de ordens da Mercedes
GP da Rússia de 2018
Bottas vinha na liderança e deixou a vitória para seu companheiro, que buscava garantir o penta sobre Vettel
GP da Rússia de 2018
Após o pódio, Hamilton fez questão de agradar o finlandês
GP da Rússia de 2018
O britânico colocou Bottas no centro da foto comemorativa da equipe. Na direita, aparece George Russell, piloto Mercedes que hoje está na Williams
GP de Cingapura de 2013
Vettel venceu e foi vaiado, mas não por polêmicas na corrida
GP de Cingapura de 2013
A razão para as vaias era a vantagem do alemão e da Red Bull no campeonato, que estava 'sem graça', para o azar de Alonso
GP de Cingapura de 2013
Raikkonen até deu um tapinha nas costas do amigo e futuro companheiro de Ferrari
GP da Malásia de 2013
Desta vez, a polêmica se deu por conta de ultrapassagem de Vettel sobre Webber na pista
GP da Malásia de 2013
A Red Bull tinha ordenado que o alemão respeitasse a liderança do australiano para evitar uma batida, já que os companheiros tinham tensa relação
GP da Malásia de 2013
Vettel ignorou e ultrapassou Webber. Anos depois, o chefe da equipe, Christian Horner, revelou que a manobra foi uma vingança pelo que o australiano fizera no GP do Brasil de 2012, quando passou o alemão, que disputava o título contra Alonso, da Ferrari
GP da Malásia de 2013
A coletiva também não teve o melhor dos climas...
GP da Alemanha de 2010
A corrida disputada em Hockenheim ficou marcada por um rádio bastante sugestivo da Ferrari: "Fernando is faster than you (Fernando está mais rápido que você)
GP da Alemanha de 2010
Foi o que Felipe Massa ouviu do engenheiro Rob Smedley. A ordem era clara: o brasileiro tinha que deixar o companheiro passar
GP da Alemanha de 2010
Dito e feito. Massa deixou Alonso passar. Na época, o espanhol disputava o título com a dupla da Red Bull, Vettel e Webber
GP da Alemanha de 2010
A frase ficou famosa e é lembrada como um dos momentos mais difíceis da carreira do brasileiro
GP da Alemanha de 2010
Massa vinha em fase difícil na F1. No ano anterior, o piloto fora atingido na cabeça por uma mola que se soltou da Brawn de Barrichello no GP da Hungria
GP da Alemanha de 2010
Por ser querido pela equipe e pelos fãs, a situação do brasileiro no pódio foi constrangedora. E a Ferrari foi multada em 100 mil dólares pelo esquema, que infringiu o regulamento daquela época
GP da Áustria de 2002
Outra triste situação vivida por um brasileiro na Ferrari teve Barrichello como um dos protagonistas, ao lado de Schumacher
GP da Áustria de 2002
Rubinho liderava a prova com folga, mas recebeu ordem da equipe para deixar o companheiro alemão passar, o que aconteceu nos metros finais
GP da Áustria de 2002
Tamanho foi o constrangimento no pódio que Schumacher fez questão de colocar Rubinho no posto do vencedor
GP da Áustria de 2002
A atitude do multicampeão, porém, não foi suficiente para melhorar a situação
GP da Áustria de 2002
O brasileiro até tentou celebrar, mas o constrangimento era grande e generalizado
GP da Áustria de 2002
E o troféu do vencedor não compensou. A Ferrari foi multada em R$ 2 milhões por quebrar o protocolo no pódio
GP da Áustria de 2002
A torcida reprovou o desnecessário jogo da escuderia, já que o campeonato estava no começo
GP do Japão de 1989
Voltando muitos anos tempo, vemos que as polêmicas sempre marcaram a F1. E uma das mais famosas aconteceu entre dois rivais no fim dos anos de 1980
GP do Japão de 1989
Companheiros de McLaren, Senna e Prost disputavam o título quando bateram na volta 46
GP do Japão de 1989
O francês jogou o carro para cima do brasileiro e abandonou. Auxiliado pelos fiscais, Senna cortou a chicane e voltou para vencer a prova
GP do Japão de 1989
Após o encerramento da prova, a tensão ficou no ar com a possibilidade de punição ao brasileiro. No fim das contas, o então presidente da FIA, o francês Jean-Marie Balestre, confirmou a desclassificação do brasileiro. A vitória, então, ficou com o italiano Alessandro Nannini, da Benetton, em seu único triunfo na F1
GP do Japão de 1989
Com o resultado, Prost ficou com o título
GP de San Marino de 1989
A corrida em Imola foi marcada pelo grave acidente de Gerhard Berger
GP de San Marino de 1989
Nesta foto, vê-se, atravês de um monitor de TV, a Ferrari do austríaco em chamas após a batida na curva Tamburello, a mesma que vitimou seu amigo Senna cinco anos depois
GP de San Marino de 1989
Por sorte, os bombeiros conseguiram salvar a vida do austríaco
GP de San Marino de 1989
Nesta foto, podemos ver a primeira largada da corrida. Berger está quase oculto atrás de seu companheiro Mansell, enquanto Senna lidera à frente de Prost. Depois do acidente do austríaco. A prova ficou interrompida por cerca de 1h até a relargada
GP de San Marino de 1989
Senna venceu, com Prost em segundo e Nannini em terceiro. Apesar do bom resultado para o brasileiro, a preocupação por Berger era grande
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