Saiba como Alonso poderia ter ido para a Brawn GP na F1 em 2009
O GP do Canadá da F1 de 2008 foi uma montanha russa para os jornalistas que cobriam o evento no local, mas não apenas dentro da pista. Veja o relato de Charles Bradley, editor global do Motorsport.com
Eu ouvi um barulho de choque de meu lugar na sala de imprensa, situada a quase 100 metros da saída do pitlane no Circuito Gilles Villeneuve, em Montreal, durante o GP do Canadá de 2008 da Fórmula 1.
O atraso da transmissão de TV significou uma reação atrasada por alguns segundos, tempo suficiente para trocar olhares com meu colega na Autosport, Jonathan Noble, que dizia "o que diabos foi isso?". Viramos nossos olhares para o monitor a tempo de ver Lewis Hamilton mergulhar na traseira de um parado Kimi Raikkonen (nossa visão em tempo real do incidente foi interrompida pela arquibancada) e Lewis ganhou a companhia de Nico Rosberg logo em seguida.
Carnage at the pit lane exit as Lewis Hamilton, McLaren MP4-23, ran into the back of Kimi Raikkonen, Ferrari F2008, and was in turn hit by Nico Rosberg, Williams FW30, upon realisation that the lights at the exit were red
Photo by: Lorenzo Bellanca / Motorsport Images
Carnage at the pit lane exit as Lewis Hamilton, McLaren MP4-23, ran into the back of Kimi Raikkonen, Ferrari F2008, and was in turn hit by Nico Rosberg, Williams FW30, upon realisation that the lights at the exit were red
Photo by: Lorenzo Bellanca / Motorsport Images
O momento bizarro seguinte foi quando Steve Cooper, que havia acabado de trocar de carreiras, de um jornalista especializado em furos para o "lado negro" de Relações Públicas na McLaren, correndo pelo pitlane para alcançar Lewis e confortar o piloto. Steve admitiu posteriormente, enquanto tomávamos uma cerveja, que ele não estava acompanhando os monitores quando isso acontecer, e não tinha nenhuma ideia do que havia acontecido!
Lewis Hamilton, McLaren and Kimi Raikkonen, Ferrari
Photo by: Sutton Images
Lewis Hamilton, McLaren MP4-23, returns to the pits after his crash with Kimi Raikkonen, Ferrari F2008
Photo by: Steven Tee / Motorsport Images
Profissionalmente, o que se destacou deste final de semana é a melhor história que eu já escrevi... bem, falando sobre algo que nunca aconteceu! Deixe-me explicar...
Dentro do paddock da F1, você percebe rapidamente que todos estão falando com todos. Empresários de pilotos, chefes de equipe, patrocinadores... quando os carros não estão correndo (e algumas vezes mesmo quando eles estão na pista).
As pessoas do paddock passam muito tempo (se não todo o tempo) fofocando entre si, garantindo que eles estão "por dentro" de tudo que está acontecendo, todas as opções disponíveis e indisponíveis, e, especialmente, quais são as conversas que estão rolando durante a "silly season" (período de especulações sobre o grid do ano seguinte). Que também é conhecido como o melhor momento do ano!
O tópico principal daquele dia era: o que Fernando Alonso fará a seguir? Após seus problemas com a McLaren em 2007, todos sabiam que sua volta à Renault era apenas uma coisa temporária, até que sua próxima oportunidade surgisse. Mas onde? E quando? A Ferrari era obviamente o topo da lista, mas isso era antes da crise econômica, então haviam outras equipes com grandes apoios de montadoras no meio.
Sebastian Vettel, Scuderia Toro Rosso STR03 leads Robert Kubica, BMW Sauber F1.08 and Fernando Alonso, Renault F1 Team R28
Photo by: Sutton Images
Fernando Alonso, Renault R28
Photo by: Sutton Images
O truque para um jornalista é tornar-se uma parte intrínseca dessas conversas de paddock. A chave para garantir um "bom rumo" é conversar com o maior número possível de pessoas, sabendo que você receberá coisas ruins e informações "quentes". De fato, o conselho sábio de Cooper para mim era "não acredite em nada antes de ouvir a mesma informação vinda de pelo menos duas fontes diferentes".
Eu estava presente para a sessão de imprensa com Alonso na quinta, e desejava conseguir o máximo de informações novas possíveis para poder escrever sobre. Meu plano, caso desse errado, era uma análise sobre o impacto do KERS, que ainda seria introduzido, mas eu queria uma história sobre o futuro de Fernando - idealmente com uma visão única sobre isso.
Alonso é alguém que claramente gosta desses jogos fora da pista - ele quer que sua mensagem seja espalhada na mesma proporção que nós queremos escrever sobre isso. Tudo depende de você conseguir fazer com que ele diga algo que encaixe em sua própria agenda. E eu estava prestes a ter uma dica ótima de uma fonte improvável.
Era apenas o meu segundo GP ocupando a vaga de Steve, então Jonathan ainda estava me apresentando às pessoas que ainda não tinha conhecido. Estávamos passando um tempo próximos à Honda após o almoço, quando Jon viu uma "pessoa importante da Honda", então nós fomos até ele, e ele nos convidou para conversar enquanto bebíamos alguma coisa.
GALERIA: Relembre todos os carros da carreira de Fernando Alonso na F1
Pelo que me lembro, foi um encontro social, falando sem cadernos por perto, e as fofocas rolavam de ambos os lados. Do nada, Jon soltou uma pergunta brilhante, algo que eu gosto de chamar a "Escola Columbo de Jornalismo" [referência à série de detetive da década de 1960]: "Então, como estão as negociações com Fernando?".
Após uma cara de espantado e uma longa pausa, o homem da Honda confessou: "Então... bem na verdade, estamos conversando e nos conhecendo. Você sempre escuta que ele é uma pessoa difícil de lidar, mas até agora ele tem sido ótimo".
Uau. Fique tranquilo, sorria e concorde. Siga com: "Então... você diria que ele está no topo da lista nesse momento, para o próximo ano?". Ele respondeu: "Ah sim, ele é absolutamente nosso número um".
Naquele momento, ninguém estava ligando Alonso à Honda. Ninguém. E apesar de termos um nome forte da equipe confirmando as conversas (obviamente não iria citá-lo, mas a história havia ganhado um ângulo importante), havia sobrado para mim a função de somar um mais um.
Armado com essa informação quentíssima, era hora de ver o que Fernando tinha a dizer. Eu me lembro de chegar lá cedo, para que eu pudesse ficar em uma posição boa, na frente de Alonso. Mas eu tinha um dilema: se eu soltasse a informação, o mundo saberia disso.
Fernando Alonso, Renault F1 Team R28
Photo by: Glenn Dunbar / Motorsport Images
Fernando Alonso, Renault R28
Photo by: Motorsport Images
Eu decidi o ângulo de meu ataque: fazer uma questão aberta sobre se as mudanças de regras para 2009 significariam uma mudança considerável no esporte, podendo trazer equipes menores (como a Honda) a uma posição que o atrairia.
Me olhando direto nos olhos, ele respondeu: "No próximo ano, todos vão começar do zero. Falando de aerodinâmica e mais, todas as equipes melhora cinco ou 10 por cento todos os anos. Se você perde um ano, perde todos os anos".
"No próximo ano, isso não vai acontecer. Então sempre há surpresas quando isso acontece. Qualquer equipe pode ser forte no ano que vem".
Quando você considera o que aconteceu em 2009, percebe que foi uma resposta profética, não? Corri para perguntar novamente antes que qualquer um se mexesse: "Fernando, já que você acha que a ordem da F1 pode sofrer grandes mudanças, o que você usaria para tomar uma decisão sobre seu futuro?".
"Ficando calmo e ouvindo a todos. No final, acredite apenas em um. Todos estão muito otimistas sobre o próximo ano, mas é a mesma coisa todos os anos. Você precisa sentir que alguém é mais esperto que os outros".
Ross Brawn, Team Principal, Honda Racing F1 Team
Photo by: Andrew Ferraro / Motorsport Images
Ross Brawn Team Principal, Honda Racing F1 Team and Flavio Briatore, Renault F1 Team, Team Chief, Managing Director
Photo by: XPB Images
E quem no esporte seria mais esperto que Ross Brawn? Armado com essas aspas decentes de Alonso que eu poderia usar para suportar minha história, eu escrevi a manchete: "Honda está em busca de Alonso" - e, naquele momento, havia mesmo uma aproximação oficial da Honda, que aconteceu no meio do ano.
Mas Alonso rejeitou - provavelmente porque seu empresário, Flavio Briatore, viu a saída da Honda chegando. A crise financeira realmente chegou em setembro, com o colapso do Lehman Brothers, e quem poderia prever o milagre da Brawn em 2009 a partir das cinzas da Honda?
Apesar de não ter acontecido, fiquei muito orgulhoso da história que escrevi para a Autosport na semana seguinte. Como o meu diretor de redação da época cobrava: "Me digam algo que não sei!". E isso foi uma descoberta na época e uma exclusiva de verdade, só que não aconteceu. Como David Coulthard gosta de falar: "Não tenho bolas de cristal!".
Ross Brawn, Team Principal, Brawn GP
Photo by: Charles Coates / Motorsport Images
Fernando Alonso, Renault R29
Photo by: Motorsport Images
Imagine o que Alonso poderia ter feito com aquela Brawn BGP 001? Divertidamente, eu vi, posteriormente, o nome forte da Honda dizendo: "Fernando Alonso deveria ter pilotado para Nick Fry e Ross Brawn em 2009. Se ele tivesse, seria um tetracampeão mundial hoje". E eu acho que concordo com isso - bem, certamente seria tricampeão, apesar de que Jenson Button não teria deixado barato!
Em qualquer outra situação, a única vitória de Robert Kubica (com a BMW Sauber) - um ano após seu grave acidente em Montreal - teria sido a história principal para mim. E certamente foi uma grande corrida para ver de perto.
Ah, e me lembro de outro momento: quando Bernie ficou bravo e deu um tapa no ditafone [aparelho usado por jornalistas para a gravação de entrevistas] de um jornalista que estava do outro lado da sala, e jogando ele por cima de uma mesa, por estar gravando uma conversa privada!
Robert Kubica, BMW Sauber F1.08 celebrates his maiden victory
Photo by: Motorsport Images
Winner Robert Kubica, BMW Sauber F1.08
Photo by: Motorsport Images
Mas isso é a F1 em poucas palavras: o que acontece na pista é apenas uma parte de toda uma história.
Em 2019, Alonso venceu Le Mans e Daytona, mas fracassou na Indy 500; relembre:
VÍDEO: Editor-chefe do Motorsport.com coloca atuação de Alonso no top-5 da F1
PODCAST Motorsport.com: Quais pilotos brasileiros não tiveram sorte na F1?
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